CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Registro de contrato de locação de bem imóvel – Inexistência de cláusula de vigência – Inadmissibilidade – Art. 167, I, 3, da Lei n° 6.015/73 – Eventual possibilidade de averbação, a fim de assegurar o direito de preferência da locatária, nos termos do art 167, II, 16, da Lei n° 6.015/73 – Necessidade, entretanto, de prévio cancelamento do registro de anterior contrato de locação constante da matrícula do imóvel – Elementos suficientes à autorizá-lo, o que, contudo, deverá ser providenciado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0012529-40.2013.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante POSTO CIC SOROCABA LTDA, éapelado 1° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SOROCABA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI, EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 7 de julho de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
VOTO N° 34.044
Registro de imóveis – Dúvida – Registro de contrato de locação de bem imóvel – Inexistência de cláusula de vigência – Inadmissibilidade – Art. 167, I, 3, da Lei n° 6.015/73 – Eventual possibilidade de averbação, a fim de assegurar o direito de preferência da locatária, nos termos do art 167, II, 16, da Lei n° 6.015/73 – Necessidade, entretanto, de prévio cancelamento do registro de anterior contrato de locação constante da matrícula do imóvel – Elementos suficientes à autorizá-lo, o que, contudo, deverá ser providenciado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Primeiro Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial, mantendo a recusa de registro de contrato de locação comercial ante a ausência de cláusula de vigência e de comprovação da extinção do contrato de locação anterior, constante do R.1, Av. 2 e Av. 3 da matrícula do imóvel.
Sustenta, a recorrente, que a cláusula de vigência está patente na parte final da cláusula 14ª, reforçada no parágrafo único, da cláusula 15ª. Alega, ainda, que a extinção do contrato de locação constante do R.1, Av. 2 e Av. 3, da matrícula n° 38.261 está comprovada por declaração dos locadores (fl. 38), além do que referido contrato tinha término previsto para 01.01.91, não havendo notícia de prorrogação e existindo, ainda, boletim de ocorrência, registrado pelo proprietário do imóvel aos 14.02.2007, no sentido do abandono do imóvel por quem detinha a posse em locação, o que resultou na perda do objeto da Ação de Despejo n° 2006/020329.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 113/117 e 123/125).
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Trata-se de contrato de locação comercial do imóvel matriculado sob o n° 38.261, apresentado para registro ao 1° Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba, em que figura como locatária a recorrente, sendo locadores José Ferraz de Oliveira e Eva Lúcia Seidl.
A recusa do registrador baseia-se no fato de não haver no contrato cláusula de vigência, mas apenas cláusula que assegura o direito de o locador ceder o crédito locatício (cláusula 14ª) e cláusula que assegura o direito de preferência do locatário (cláusula 15ª), no caso de alienação do imóvel. Entende o registrador, ainda, que o imóvel já se encontra alugado a terceiro, conforme R.1, Av. 2 e Av. 3 da matrícula, cabendo ao interessado fazer prova segura da extinção da referida relação locatícia antes que uma nova possa ser lançada na matrícula.
Nos termos do art. 167, I, 3, da Lei n° 6.015/73, o contrato de locação de bem imóvel poderá ser registrado quando contiver cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada.
No caso dos autos, entretanto, o contrato de locação apresentado para registro não contém referida cláusula, exatamente como constou da recusa do registrador.
A cláusula 14ª do contrato, ao contrário do alegado pelo apelante, apenas estipula a possibilidade de cessão do crédito locatício, o que não se confunde com a cláusula de vigência exigida pela lei para registro do contrato.
Neste sentido:
LOCAÇÃO – CLÁUSULA DE VIGÊNCIA. Prevista legalmente a necessidade expressa de inserção de cláusula específica de vigência do contrato de locação em caso de alienação do imóvel, a simples menção genérica “obriga a herdeiros ou sucessores” não cumpre a exigência legal. [1]
A cláusula 15ª, por sua vez, dispõe sobre o direito de preferência da locatária no caso de eventual alienação do imóvel.
Legítima, portanto, a recusa do registrador.
Apenas para orientar futuras qualificações, esclareça-se que, da forma como redigido o instrumento, e diante do disposto na cláusula 15ª, é possível, se assim a interessada desejar, a averbação do contrato para lhe assegurar o direito de preferência na aquisição do bem, com base no art. 167, II, 16, da Lei n° 6.015/73.
Para possibilitar a referida averbação, entretanto, necessário o prévio cancelamento do contrato de locação registrado no R.1 da matrícula do imóvel, onde figura como locatária Shell Brasil S/A (fls. 64/67) e isso porque, de acordo com o art. 252, da Lei n° 6.015/73, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.
Neste sentido:
LOCAÇÃOIMÓVEL JÁ LOCADO A TERCEIRO – Se o imóvel já está locado a terceiro, por contrato devidamente registrado, impossível se torna o registro de nova locação feita a outra pessoa [2].
E, para o cancelamento do registro, necessário um dos títulos descritos no art. 250 da LRP:
Art. 250 – Far-se-á o cancelamento: (incluído pela Lei n° 6.216, de 1975)
I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; (incluído pela Lei n° 6.216, de 1975)
II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião; (incluído pela Lei n° 6.216, de 1975)
III – A requerimento do interessado, instruído com documento hábil. (incluído pela Lei n° 6.216, de 1975)
Walter Ceneviva, ao examinar o que é documento hábil previsto no inciso III do art. 250, conclui:
“[…] Diz-se hábil, e nesse sentido o registrador o avalia, o documento apto a produzir, sem restrições, o efeito pretendido pelo requerente, seja no alusivo à natureza (público ou privado), à condição afirmada pelo peticionário, quanto ao bem, ao lugar em que se acha e ao registro a ser cancelado […] [3]”
No presente caso, a recorrente instruiu os autos satisfatoriamente demonstrando a rescisão do referido contrato de locação.
Apesar de a declaração de fls. 38 não ter validade para o fim de cancelamento do registro, porque firmada de forma unilateral, verifica-se que o contrato registrado, com prazo de término inicialmente previsto para 01.01.86, fora prorrogado para vigorar até 01.01.91, não constando da matrícula qualquer outra prorrogação (fls. 09/11).
Há nos autos, ainda, notícia da existência de Ação de Despejo contra a locatária Shell Brasil S/A (fl. 35).
Também a indicar o término da locação registrada, veja-se a cópia do boletim de ocorrência demonstrando que houve locação posterior do imóvel a Auto Posto Manu, em 03.05.2004 (fls. 95/96), a qual deu origem à Ação de Despejo n° 912/06, que perdeu o objeto pelo abandono do imóvel pelo locatário e consequente retomada da posse pelo locador (fl. 98).
Se o imóvel esteve locado a Auto Posto Manu a partir de 2004, obviamente a locação registrada sob o R.1 da matrícula n° 38.261 já havia se encerrado.
É sabido que o Registro Imobiliário deve reproduzir a realidade fática da propriedade e dos seus respectivos negócios jurídicos. A atualização dessas informações é, portanto, essencial para que os dados que constam no registro sirvam como fonte segura de consulta para terceiros.
Assim, diante de elementos suficientes que demonstram a extinção do contrato de locação lançado no R.1 da matrícula, da inexistência de prejuízos a terceiros ou mesmo à segurança jurídica necessária aos Registros Imobiliários, caso a recorrente tenha interesse – a ser manifestado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos – possível o cancelamento do referido registro e respectivas averbações Av. 2 e Av. 3, a fim de possibilitar a averbação do novo contrato de locação.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Notas:
[1] 1VRPSP – PROCESSO: 0046161-45.2012.8.26.0100 1VRPSP – PROCESSO LOCALIDADE: São Paulo DATA JULGAMENTO: 19/02/2013 DATA DJ: 21/03/2013 Relator: Marcelo Martins Berthe
[2] CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 010854-0/5 CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL LOCALIDADE: São Paulo DATA JULGAMENTO: 15/12/1989 Relator: Milton Evaristo dos Santos
[3] Lei de Registros Públicos, ed. Saraiva, 17ª Ed., p. 275.
(D.J.E. de 04.08.2014 – SP)