CSM|SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Escritura de compra e venda de unidade autônoma outorgada em nome de pessoa jurídica já incorporada por outra sociedade – Incorporação societária que extingue a personalidade jurídica da incorporada (CC, art. 1.118) e transfere à incorporadora o patrimônio e a titularidade dominial – Necessidade de prévia averbação da incorporação na matrícula e de retificação da escritura para que a incorporadora figure como alienante, em observância ao princípio da continuidade (CC, art. 1.245) – compromisso de compra e venda pretérito e não registrado que gera apenas direito obrigacional, sem constituir direito real de aquisição – Irrelevância, para a qualificação registral, de discussão sobre eventual incidência de ITBI na operação societária – Registro anterior equivocado que não vincula o registro de imóveis nem autoriza repetição do erro (“erros pretéritos não justificam novos erros”) – Procedência da dúvida registral – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1030500-13.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante GS2 REALTY LTDA., é apelado 1º OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 18 de novembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

Apelante: Gs2 Realty Ltda.

Apelado: 1º Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.943

EMENTA: Direito Registral. Apelação em procedimento de dúvida. Registro de Imóveis. Recurso não provido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de compra e venda de unidade autônoma em condomínio edilício.

II. Questão em Discussão

2. Discute-se a necessidade de prévia inscrição na matrícula do imóvel da incorporação societária da proprietária do bem, bem como de retificação da escritura para constar a pessoa jurídica incorporadora como alienante.

3. O compromisso de compra e venda não levado ao registro imobiliário foi celebrado com pessoa jurídica cuja personalidade jurídica foi extinta, em virtude de incorporação.

4. Não há direito real de aquisição, mas tão somente direito pessoal do promissário comprador a obter a escritura definitiva, depois de solvido o preço.

5. Entre a data do compromisso e a data da escritura definitiva a pessoa jurídica promitente compradora foi extinta, razão pela qual o contrato definitivo deve ser celebrado com a nova titular do domínio.

III. Razões de Decidir

6. A incorporação societária levada a efeito extinguiu a pessoa jurídica incorporada, impossibilitando que essa última aliene patrimônio em nome próprio.

7. A retificação da escritura para que conste como alienante a pessoa jurídica é indispensável, pois o patrimônio da incorporada foi transferido para a incorporadora. A pessoa jurídica incorporada não mais tem personalidade jurídica para outorgar a escritura definitiva.

8. Aplicação do princípio da continuidade. A escritura deve ser outorgada pela titular do domínio, e não pela pessoa jurídica promitente vendedora que se contra extinta.

9. Correta a exigência formulada pelo oficial, razão pela qual a dúvida é procedente e o recurso improvido.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “1. A incorporação societária extingue a empresa incorporada, que não pode alienar patrimônio em nome próprio. 2. A retificação da escritura é necessária para refletir a transferência de propriedade”.

Legislação Citada:

– Código Civil, arts. 1.118 e 1.245.

Jurisprudência Citada:

– CSMSP, Apelação nº 1094800-67.2018.8.26.0100, Rel. Des. Pinheiro Franco, j. em 7/6/2019.

– CSMSP, Apelação nº 1003333-28.2015.8.26.0224, Rel. Des. Pereira Calças, j. em 02/06/2016.

– CSMSP, Apelação nº 0000027-18.2011.8.26.0577, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 13/12/2012.

– CSMSP, Apelação nº 770-6/5, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. em 29/11/2007.

Trata-se de apelação interposta por GS2 Realty Ltda. contra a r. sentença de fls. 212/215, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que, em procedimento de dúvida, manteve a recusa ao registro de escritura pública de compra e venda da sala nº 84 do empreendimento denominado “The One Office Tower”, matriculada sob nº 209.724 naquela serventia imobiliária.

Sustenta a apelante, em resumo, que a venda e a entrega da unidade autônoma ocorreram anos antes da incorporação societária da empresa que consta na matrícula como proprietária do imóvel; que o precedente do Conselho Superior da Magistratura citado na sentença trata de caso diverso; que não incide ITBI na incorporação total de uma pessoa jurídica por outra; e que o registro anterior de escritura praticamente idêntica na mesma serventia predial viola a segurança jurídica. Pede, ao final, a reforma da sentença, julgando-se a dúvida improcedente (fls. 228/234).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 257/259).

É o relatório.

Trata-se de suscitação de dúvida envolvendo o registro de escritura de compra e venda da unidade autônoma matriculada sob nº 209.724 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, por meio da qual SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. alienou o bem mencionado a Alexandre José do Prado e outros (fls. 8/14).

De acordo com a matrícula nº 209.724, o imóvel é de propriedade da vendedora, ou seja, SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda..

Apresentado a registro, o título foi desqualificado por dois motivos: a) necessidade da prévia inscrição da incorporação societária de SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. por GS2 Realty Ltda.; b) necessidade de retificação da escritura para constar GS2 Realty Ltda. como alienante.

A dúvida foi julgada procedente e, agora, analisa-se a apelação interposta.

Respeitados os argumentos apresentados pela apelante, o recurso não comporta provimento.

Incontroverso que SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. foi integralmente incorporada por GS2 Realty Ltda..

Nessa situação, tendo havido a extinção de SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. pela sua incorporação total [1], não se pode admitir que a incorporada, em nome próprio, aliene patrimônio que não é mais seu, como se a operação societária levada a efeito não tivesse existido. Note-se que o título apresentado a registro foi lavrado em 13 de junho de 2024 (fls. 8), época em que a incorporação de SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. por GS2 Realty Ltda. já havia sido realizada.

Pela mesma razão, a retificação do nome da empresa alienante na escritura se faz necessária.

Como todo o patrimônio de SPE Cassiano Ricardo Empreendimentos Imobiliários Ltda. foi vertido em favor de GS2 Realty Ltda., cabe a essa última vender o bem que lhe pertence.

E o fato de o compromisso de compra e venda do imóvel matriculado sob nº 209.724 ter sido celebrado em 2009 (fls. 126/129), antes da incorporação, portanto, não modifica absolutamente nada.

Esse compromisso, que sequer foi registrado (fls. 15/17), não altera a situação dominial do bem. Como a transferência entre vivos da propriedade de bem imóvel somente se dá com a inscrição do título no Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC) e como o alienante continua a ser considerado dono do imóvel antes do registro (art. 1.245, § 1º, do CC), não há dúvida de que a empresa incorporadora, sucedendo a incorporada, deve figurar como alienante na escritura.

Em sentido idêntico, precedente deste Conselho, sob a relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Pinheiro Franco:

REGISTRO DE IMÓVEIS INCORPORAÇÃO EMPRESARIAL TRANSMISSÃO IMOBILIÁRIA SUJEITA AO SISTEMA DE TÍTULO E MODO ESCRITURA DE COMPRA E VENDA EM QUE FIGURA COMO ALIENANTE QUEM NÃO É TITULAR DE DOMÍNIO JUNTO AO FÓLIO REAL NECESSIDADE DE PRÉVIA AVERBAÇÃO DA INCORPORAÇÃO DE UMA PESSOA JURÍDICA PELA OUTRA E TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE ITBI IMUNIDADE TRIBUTÁRIA QUE NECESSITA DE ANÁLISE PRÉVIA DO TITULAR DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (CSMSP Apelação nº 1094800-67.2018.8.26.0100, Rel. Des. Pinheiro Franco, j. em 7/6/2019).

E no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, mantendo alinhamento de entendimento administrativo, já se decidiu que é necessária a inscrição da incorporação para o cancelamento de hipoteca autorizado pela empresa incorporadora [2], inclusive com parecer específico fixando a forma de cobrança de emolumentos na hipótese [3].

Ou seja, a inscrição da incorporação foi determinada em hipóteses em que sequer havia disposição patrimonial, tudo como forma de preservar a continuidade dos registros.

A questão relacionada a eventual ITBI devido pela incorporação é aqui irrelevante, uma vez que a qualificação analisada se refere à escritura de compra e venda de fls. 8/11, não a instrumento que noticia a operação societária que, como se viu, deverá ser levado a registro.

Finalmente, eventual erro de qualificação anterior não serve de justificativa para que se autorize nova inscrição irregular. Nesse sentido, sucessivos precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Loteamento irregular – Pretensão de registro de escritura de compra e venda de lote – Necessidade de prévia regularização do parcelamento do solo – Desqualificação acertada – Impossibilidade de aplicação do regramento relativo à regularização fundiária – Abertura de matrículas de lotes no mesmo loteamento – Falhas pretéritas que não justificam o cometimento de novos erros – Recurso não provido” (Apelação nº 1003333-28.2015.8.26.0224 – Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo; Rel. Des. Pereira Calças; Data do Julgamento: 02/06/2016 – grifei).

“REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS Ata de assembleia Alteração da convenção condominial Registro desautorizado Artigo 127, parágrafo único, da Lei n.º 6.015/1973 Documento suscetível de registro no livro n.º 3 do Registro de Imóveis Quórum qualificado para modificação da convenção condominial Artigo 1.351 do CC Descumprimento Ofensa ao princípio da legalidade Erros pretéritos não justificam outros  Dúvida procedente Recurso desprovido” (Apelação nº 0000027-18.2011.8.26.0577 – Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo; Rel. Des. José Renato Nalini; Data do Julgamento: 13/12/2012 – grifei).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura de compra e venda. Pretensão de registro de fração ideal de imóvel. Recusa devida, em razão de indícios de parcelamento irregular, com o fim de burlar a lei do parcelamento do solo. Irrelevância da data do negócio e de anteriores registros efetuados. Erros pretéritos não justificam atuais em fraude à lei, e, para fins de registro, o que se considera é a lei vigente ao tempo da apresentação do título. Sentença mantida. Recurso não provido” (Apelação nº 770-6/5 – Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo; Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas; Data do Julgamento: 29/11/2007 – grifei).

Deve, portanto, ser integralmente mantida a r. sentença de primeiro grau.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

NOTAS:

[1[ Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.

[2] “Registro de Imóveis Averbação de cancelamento de hipoteca Instrumento de autorização emitido por companhia sucessora, por incorporação, daquela em benefício da qual foi instituída a garantia Comprovação da incorporação por documentos idôneos, a evidenciar a sucessão das empresas Viabilidade da averbação, nos termos do art. 251, I, da Lei n. 6.015/1973 Necessidade, ademais, a fim de observar-se a continuidade registral, de prévia averbação da sucessão havida Decisão de primeira instância administrativa acertada Recurso não provido” (CGJ /SP – Proc es s o nº 89.852/2008, Rel . Des . Ruy Perei ra Cami lo, j . em 12/2/2009) .

[3] “REGISTRO DE IMÓVEIS Consulta sobre os critérios para cobrança de emolumentos Averbação de incorporação de um banco por outro Cancelamento de hipoteca Sucessão que deve ser averbada, para preservação do princípio da continuidade Averbação sem valor declarado, já que destinada apenas a dar conhecimento geral da sucessão Ato sem conteúdo econômico Inteligência da nota explicativa 2.1 da Tabela II da Lei 11.331/02” (CGJ /SP Proc es s o nº 9.020/2011, Rel . Des . Maur í c io Vidigal , j . em 20/7/2011) .

(DEJESP de 28.11.2025 – SP)