CSM|SP: Registro de Imóveis – Registro de escritura de inventário e partilha – Interessada que, ao tempo do falecimento de sua mãe, era casada sob o regime de comunhão universal – Estado civil que não constou da escritura, com consequente ausência de comparecimento do cônjuge – Desnecessidade desse comparecimento, uma vez que não houve ato de disposição de bens – Sentença reformada – Dúvida julgada improcedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0016743-28.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SUELI APARECIDA DA SILVA, é apelado 18° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM,em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE, QUE DECLARARÃO VOTO”. Integram o presente acórdão, os votos do(a) Relator(a) e dos Desembargadores Artur Marques da Silva Filho e Ricardo Mair Anafe.
O julgamento teve a participação, ainda, dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, E PINHEIRO FRANCO.
São Paulo, 18 de março de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO N° 33.930
REGISTRO DE IMÓVEIS – REGISTRO DE ESCRITURA DE INVENTÁRIO E PARTILHA – INTERESSADA QUE, AO TEMPO DO FALECIMENTO DE SUA MÃE, ERA CASADA SOB O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL – ESTADO CIVIL QUE NÃO CONSTOU DA ESCRITURA, COM CONSEQUENTE AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO DO CÔNJUGE – DESNECESSIDADE DESSE COMPARECIMENTO, UMA VEZ QUE NÃO HOUVE ATO DE DISPOSIÇÃO DE BENS – SENTENÇA REFORMADA – DÚVIDA JULGADA IMPROCEDENTE.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 18° CRI da Capital, dando conta do que segue.
A apelada pretende registrar escritura de inventário e partilha dos bens deixados por seus pais. Quando do falecimento de sua mãe, em junho de 1977, a apelante era casada, em regime de comunhão universal de bens, tendo se divorciado em 1995. Naquele primeiro momento, em 1977, 1/6 (um sexto) do imóvel foi transferido a ela, as outras frações de 1/6 (um sexto) para suas duas irmãs e a meação para seu pai. Com o falecimento deste, cada uma das três filhas ficou com 1/3 do imóvel. O Oficial negou o registro da escritura, ao argumento de que seria necessário o comparecimento do cônjuge da apelante, já que, ao tempo do falecimento de sua mãe, eles eram casados no regime da comunhão universal.
O MM. Juiz Corregedor Permanente julgou procedente a dúvida, entendendo que, para que não haja quebra na continuidade, “é preciso saber e inscrever qual tenha sido o destino da fração ideal que, recebida causa mortis por Sueli na constância do casamento, se comunica a seu ex-marido: sem isso, simplesmente não é possível determinar se a fração recebida por força da morte de Maria (= a 1/6 do domínio) ainda compete ou não a Sueli”.
Inconformada com tal r. decisão, a interessada interpôs, tempestivamente, o presente recurso, alegando, em síntese, que a ausência de seu ex-cônjuge na escritura de inventário e partilha não impede o registro, uma vez que ali não houve ato de disposição e é plenamente possível integrar o título, fazendo constar a existência de casamento e do posterior divórcio.
A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento da dúvida e, caso conhecida, pelo provimento do recurso.
É o relatório.
Embora o Oficial pareça, em tese, concordar com a tese da apelante, recusou o registro do título, afirmando ser inviável sua integração com elemento externo (fls. 03/04). É pois, caso de se conhecer da dúvida e do recurso interposto contra a sentença que a acolheu.
No mérito, deve-se dar provimento ao recurso.
Inobstante a recusa do Oficial, é verdade que ele sinalizou para a procedência do entendimento da apelante, quando afirmou, textualmente:
“Realmente, considerando-se que não há ato de disposição de bens na escritura de inventário, não era necessária a presença do ex-marido de Sueli.” (fl. 03).
Na verdade, a questão, aqui, cinge-se ao seguinte: a apelante era casada, sob o regime da comunhão universal de bens, à época do falecimento de sua mãe, quando herdou 1/6 (um sexto) do imóvel. Depois do falecimento de seu pai, lavrou, junto das outras duas irmãs, a ‘Escritura de Inventário e Partilha dos Espólios de Maria da Silva e de Francisco Pedro da Silva’, em 26/06/09, perante o 14° Tabelião de Notas. Por essa escritura, convencionou-se cada irmã passaria a ser proprietária de 1/3 do imóvel.
É nessa escritura que o registrador entende necessária a presença do ex-cônjuge da apelante, já que, ao tempo da morte de sua genitora (1977), eles ainda eram casados (divorciaram-se em 1995).
Como corretamente asseverou a apelante, contudo, não houve, nessa escritura, qualquer ato de renúncia ou disposição de bens a favor de terceiros ou oneração do imóvel.
A redação do item 111, do Cap. XIV, das NSCGJ, II, é clara:
111. Os cônjuges dos herdeiros deverão comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der sob o regime da separação absoluta.
A contrario sensu, não é necessária a presença do cônjuge quando não houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão.
Em outras palavras, não houve qualquer prejuízo ao ex-cônjuge que impusesse a sua presença. E também não há, malgrado o entendimento do Juízo sentenciante, ofensa ao princípio da continuidade, pois, como também apontado pelo Oficial, “a certidão de casamento apresentada permite que se infira a comunicação do quinhão de Sueli ao então marido” (fl. 03).
Por meu voto, à vista do exposto, dou provimento do recurso, para que a Escritura de Inventário e Partilha seja registrada, da forma postulada pela apelante.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível n° 0016743-28.2013.8.26.0100
Apelante(s): Sueli Aparecida da Silva
Apelado(s): 18° Oficial do Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO N. 25.838
1. Trata-se de autos de dúvida em que se interpôs apelação contra sentença dada pelo Juízo Corregedor Permanente do 18° Ofício de Registro de Imóveis da Capital, decisão essa que manteve a exigência e denegou o registro pretendido pela apelante.
2. Respeitado o entendimento do ilustre Relator, a estrita observância do princípio da continuidade (Lei 6.015/1976, arts. 195 e 237) era necessária mesmo no caso destes autos.
2.1.Ainda que não tenha havido nenhum ato de disposição no título apresentado a registro (a saber, uma escritura pública de inventário e partilha), ainda assim é necessário fazer constar, na matrícula, o destino da fração ideal que, por força da comunhão universal, se comunicara ao ex-cônjuge da apelante Sueli Aparecida da Silva; caso contrário, constará da matrícula a mudança do estado civil da apelante (de casada em regime da comunhão universal, para divorciada), omitindo-se, paradoxalmente, o destino do quinhão do cônjuge divorciado, lacuna que, justamente, é vedada pelo princípio da continuidade.
2.2.É o entendimento tradicional deste Conselho:
Registro de Imóveis – Dúvida – Ingresso de mandado de registro de penhora – Objeto da penhora cujo titular está qualificado, na matrícula, como solteiro – Registro de pacto antenupcial, no livro n° 03, com a adoção do regime da comunhão universal de bens – Ademais, qualificação do réu como divorciado – Exigência do oficial registrador quanto a apresentação da carta de sentença extraída dos autos do respectivo divórcio – Alegação no sentido de que não realizada a partilha dos bens – Necessidade, porém, de apresentação da respectiva certidão de casamento, devidamente averbada, para a verificação da circunstância, na hipótese de não ter sido realizada a partilha dos bens – Em caso positivo, dever-se-á apresentar a respectiva carta de sentença – Ofensa ao princípio da continuidade – Recurso improvido. (CSMSP, Apel. Cív. 060580-0/5 – Mairiporã, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 5.10.1999)
3. Ante o exposto, divirjo do insigne Desembargador Relator para negar provimento ao recurso de apelação.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
Apelação Cível n. 0016743-28.2013.8.26.0100
Apelante: Sueli Aparecida da Silva
Apelado: 18° Oficial do Registro de Imóveis da Comarca da Capital
TJSP- (Voto n° 16.959)
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
Registro de Imóveis.
Escritura Pública de Inventário e Partilha – Desnecessidade da presença do ex-cônjuge da apelante – Todavia, da escritura não constou o destino de seu respectivo quinhão – Ofensa ao Princípio de continuidade – Dúvida procedente.
Recurso desprovido.
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 18° Cartório de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente dúvida suscitada pelo respectivo Oficial, negando o registro do título pretendido pela apelante, uma escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por seus pais, ao argumento de prejuízo ao princípio da continuidade.
A dúvida, em apertada síntese, consiste na necessidade ou não de constar o ex-cônjuge da apelante em ato de recebimento de herança.
É o relatório.
2. Respeitado entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, acompanhando-se o voto divergente do Excelentíssimo Desembargador Presidente da Seção de Direito Privado, o recurso não merece provimento.
A apelante Sueli Aparecida da Silva casou-se em regime de comunhão universal de bens em 21 de maio de 1977. Sua genitora faleceu em 08 de junho de 1977. Sueli divorciou-se em 31 de agosto de 1995. O genitor faleceu em 20 de fevereiro de 1998. A escritura pública em questão, lavrada em 26 de junho de 2009, dispôs que as três únicas herdeiras passariam cada uma a ser proprietária de 1/3 do imóvel. Da escritura constou que Sueli era divorciada.
Após nota de devolução do Oficial do 18° CRI, a interessada apresentou certidão de casamento, pugnando pela anotação de seu estado civil tanto à época do recebimento do quinhão deixado por sua genitora (1/6) – quando era casada em regime de comunhão universal com José Carlos de Campos, quanto à época do recebimento do quinhão deixado por seu genitor (mais 1/6), quando era divorciada.
O item 111, do Cap. XIV, das NSCGJ, II, exige a presença do cônjuge do herdeiro apenas quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão.
No caso dos autos, tratou-se apenas do recebimento da herança, sem prejuízo algum ao quinhão respectivo da herdeira demodo que, exigir a presença física do ex-marido, cujo divórciolitigioso se deu à época em que o mesmo estava desaparecido,encontrando-se até hoje, pelo que consta, em local incerto e nãosabido, seria mesmo impor um ônus desnecessário às herdeiras.
Todavia, data venia, a questão não está em exigir a presença do ex-cônjuge, mas de preservar o princípio de continuidade.
O que se busca com os Registros Públicos desde os seus primórdios é a maior fidelidade possível à realidade existente no mundo jurídico. Isso para evitar que alguém possa dispor de algo que não é seu, sempre como norte as máximas romanas do suum cuique tribuere e neminem laedere.
Consoante ensinamento de Afrânio de Carvalho:
“o princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transforma-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público. (…) A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha”. (grifamos. Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 304-305)
Pois bem. Da escritura pública não constou que a herdeira, por ocasião do falecimento de sua genitora, era casada em regime de comunhão universal de bens. Não constou, tampouco, o que se deu com o quinhão de José Carlos de Campos por ocasião do divórcio. A escritura, indubitavelmente, plantou uma lacuna no registro do imóvel em questão, ferindo o princípio de continuidade.
Há sério risco de o imóvel, futuramente, vir a ser alienado, sem que se respeite a cadeia de proprietários, pois, em tese (princípio do saisine associado ao regime matrimonial da comunhão universal de bens), quer queiram quer não, José Carlos tem o direito de ser o proprietário de 1/12 do imóvel. E tal fato não constou da escritura cujo registro se pretende.
Como bem declarou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente da Seção de Direito Privado:
“era necessário fazer constar, do registro, o destino da fração ideal que, por força da comunhão universal, se comunicara ao ex-cônjuge da apelante: do contrário, constará do registro a mudança do estado civil da apelante (de casada em regime da comunhão universal, para divorciada), omitindo-se, paradoxalmente, o destino do quinhão do cônjuge divorciado, o que torna lacunoso o registro, o que o princípio da continuidade, justamente, serve para evitar”.
Por epítome, existindo prejuízo ao princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/1976), o título não comporta registro.
3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, nego provimento ao recurso.
Ricardo Anafe
Presidente da Seção de Direito Público. (D.J.E. de 20.05.2014 – SP)