CSM|SP: Registro de Imóveis – Desmembramento – Registro – Ação penal em curso contra um dos sócios da responsável pelo parcelamento do solo – Artigo 18, III, ‘c’ e § 2.°, da Lei n.° 6.766/1979 – Presunção constitucional de não culpabilidade – Dado insuficiente para afastar o obstáculo ao registro – Desqualificação mantida – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000008-02.2011.8.26.0063, da Comarca de BARRA BONITA, em que é apelante IMOBILIÁRIA OURO VERDE S/C LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.° 0000008-02.2011.8.26.0063

Apelante: IMOBILIÁRIA OURO VERDE S/C LTDA

Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE BARRA BONITA

VOTO N° 21.203

REGISTRO DE IMÓVEIS – Desmembramento – Registro – Ação penal em curso contra um dos sócios da responsável pelo parcelamento do solo – Artigo 18, III, ‘c’ e § 2.°, da Lei n.° 6.766/1979 – Presunção constitucional de não culpabilidade – Dado insuficiente para afastar o obstáculo ao registro – Desqualificação mantida – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

O oficial de registro, ao suscitar dúvida e justificar a recusa de registro do projeto de desmembramento, escorou-se na regra do § 2.° do artigo 18 da Lei n.° 6.766/1979, porquanto apurada a existência de processo penal em curso contra Valter Sahade, sócio da interessada, que versa sobre crime contra o patrimônio (fls. 141 e 145/147).

A interessada, por sua vez, ponderou: nos autos do processo criminal, houve suspensão condicional do processo; Valter Sahade já satisfez a obrigação pecuniária assumida, está em período de prova e cumpre rigorosamente as demais obrigações; o suposto crime contra o patrimônio não foi demonstrado; em homenagem ao princípio da presunção de inocência, a regra invocada pelo Oficial é inaplicável no caso concreto; em suma, a dúvida é improcedente (fls. 155/158).

Exibida certidão judicial de objeto e pé relacionada ao processo criminal (fls. 167), e após a manifestação do Ministério Público (fls. 169/170), a dúvida foi julgada procedente (fls. 188/190), motivo por que a interessada, com reiteração de suas alegações anteriores, interpôs apelação (fls. 192/198), recebida no duplo efeito (fls. 199).

Enviados os autos ao Colendo Conselho Superior da Magistratura (fls. 205), a Douta Procuradoria Geral de Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 207/208).

E o relatório.

Valter Sahade – um dos sócios da Imobiliária Ouro Verde S/c Ltda. (fls. 04/08), proprietária do imóvel descrito na matrícula n.° 20.201 do Registro de Imóveis e Anexos de Barra Bonita/SP e responsável pelo seu desmembramento (fls. 23) -, foi denunciado pelo cometimento do crime previsto no artigo 2.° da Lei n.° 8.176/1991.

Consta da peça acusatória que ele, na qualidade de responsável pela Cerâmica Itapeva do Taquari, extraiu argila, matéria prima do solo, sem autorização, concessão ou mesmo licença dos órgãos públicos, usurpando patrimônio federal e causando danos ao meio ambiente (fls. 60).

Recebida a denúncia em 05 de julho de 2007 (fls. 52), e depois da conclusão da fase probatória e do oferecimento das alegações finais (fls. 60/61), propôs-se ao acusado, com base no artigo 89 da Lei n.° 9.099/1995, a suspensão condicional do processo por dois anos (fls. 61/63), por ele aceita – e já parcialmente cumprida, mormente quanto à prestação pecuniária -, em audiência deprecada ocorrida no dia 26 de julho de 2010 (fls. 47 e 167).

Nota-se, por conseguinte, que Valter Sahade foi denunciado por crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, e que, ao tempo da apresentação do título para registro (tempus regit actum), não havia – e ainda não há -, notícia a respeito da extinção de sua punibilidade.

Destarte, submetido o acusado a período de prova, e uma vez presente a possibilidade de revogação do benefício (§ 3.° e § 4.° do artigo 89 da Lei n.° 9.099/1995), o Oficial procedeu com acerto ao recusar o registro pretendido.

A regra do § 2.° do artigo 18 da Lei n.° 6.766/1979 deixa clara a impossibilidade de registro do projeto de loteamento ou de desmembramento, caso existente processo criminal que verse sobre crime contra o patrimônio: e nessa hipótese, pouco importa, para efeito de ingresso do título no álbum imobiliário, eventual comprovação de que a ação penal não prejudicará os adquirentes dos lotes.

Por isso, aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador, ao submetê-lo ao Oficial de Registro, deverá instruí-lo, nos termos da alínea c do inciso III do artigo 18 da Lei n.° 6.766/1979, com certidões negativas “de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública”.

E, tratando-se de loteamento ou desmembramento sob a responsabilidade de pessoa jurídica, tais certidões serão alusivas aos seus representantes legais, consoante definido no julgamento da Apelação Cível n.° 38.678-0/6, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, em 31 de julho de 1997. Transcrevo abaixo trecho de particular interesse:

Evidentemente que, quando o loteamento for de responsabilidade de pessoa jurídica, as certidões negativas criminais, a que alude o artigo 18, III, “c”, da lei que regula o parcelamento do solo urbano, devem referir-se aos representantes legais da empreendedora. São eles que deverão comprovar idoneidade para o desempenho dessa atividade, que envolve relevantes interesses jurídicos, concernentes ao direito urbanístico e à venda de terreno por oferta pública, (grifei)

O precedente acima aludido também aborda a questão relativa à presunção de não culpabilidade, de modo a concluir que não representa obstáculo à incidência da regra obstativa do registro pretendido, conforme segue:

essa imposição legal não ofende a regra constitucional que consagra a presunção de inocência, insculpida no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. Relembre-se o que antes já ficou consignado naquele julgado deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, que asseverou: “Inspirado no interesse maior, o coletivo, o público, nada impedia que a lei do parcelamento vedasse o registro de loteamento enquanto não deslindado feito penal da espécie mencionada”. Acrescentando ainda que: “Nem por isso, todavia, há afronta à presunção de inocência do acusado. Apenas se condiciona o registro do loteamento, a bem da segurança dos adquirentes, ao desfecho absolutório do processo”.

O registro do loteamento depende, portanto, de certidão criminal negativa, que demonstre inexistir pendência capaz de levar risco ao empreendimento imobiliário, cujos lotes deverão ser vendidos em oferta pública. Com essa exigência não se está afirmando a culpa dos que estejam sendo acusados desses delitos, antes que ocorra o trânsito em julgado, como aduziu a recorrente.

Importante seja considerada a ratio legisy que, no caso, não leva em conta a culpa desses acusados, mas apenas procura cercar de cuidados o registro do loteamento urbano, com o claro escopo de assegurar o sucesso do empreendimento e de proteger os adquirentes das unidades imobiliárias.

Para tanto, indispensável garantir que a atividade esteja confiada a quem não tenha contra si qualquer pendência que possa, de qualquer modo, ainda que no futuro, comprometer-lhe a idoneidade.

Vale dizer que o registro não estará definitivamente impedido, mas apenas deixado para melhor oportunidade. Sobrevindo solução absolutória, poderá ser deferido, (grifei)

De resto, neste procedimento administrativo, não caberia decidir sobre a constitucionalidade da regra infraconstitucional.

Quanto ao tema, ademais, os esclarecimentos de Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei são oportunos:

No que tange às certidões de ações penais, se positivas em relação a crimes contra o patrimônio e a crimes contra a administração pública, o registro do parcelamento ficará proibido; condenações criminais por outros ilícitos penais, entretanto, não obstam o registro. … Saliente-se, por fim, que impedir o registro do parcelamento apenas em vista de processo-crime em curso não é “afronta à presunção de inocência do acusado”, pois “apenas se condiciona o registro de loteamento, a bem da segurança dos adquirentes, ao desfecho absolutório do processo” (Ap. Civ. 24.942-0/4-São Carlos, j . 30.10.95, rel. Des. Alves Braga, DOE 6.12.95, Cad. 1, p. 47. Sobre a matéria, ainda, CSM, Ap. Civ. 31.760-0/0- Porto Feliz). [1]

Por fim, destaco outros precedentes que respaldam a confirmação da desqualificação registral: Apelação Cível n.° 439-6/5, relator Desembargador José Mário Antônio Cardinale, julgado em 06.12.2005; e Apelação Cível n.° 856-6/8, relator Desembargador Ruy Camilo, julgado em 11.11.2008.

Pelo exposto, porque procedente a dúvida, nego provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] Como lotear uma gleba: o parcelamento do solo urbano em todos os seus aspectos (loteamento e desmembramento). 3.ª ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 291-292. (D.J.E. de 03.04.2013 – SP)