CSM|SP: Registro de Imóveis – Instrumento particular de venda e compra – Descrição do bem imóvel objeto da alienação – Coincidência entre as individualizações constantes do registro e do título – Princípio da especialidade objetiva observado – Condicionamento do registro à prévia averbação da construção levantada no terreno – Realidade extratabular estranha à qualificação registral – Exigência descabida – Dúvida improcedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000070-28.2012.8.26.0606, da Comarca de SUZANO, em que são apelantes SALVADOR MANZI E REGIANE APARECIDA LOURENÇÃO MANZI e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação e, porque improcedente a dúvida, determinar o registro do título recusado, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0000070-28.2012.8.26.0606

Apelante: Salvador Manzi e outro.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Suzano

VOTO N° 21.184

REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de venda e compra – Descrição do bem imóvel objeto da alienação – Coincidência entre as individualizações constantes do registro e do título – Princípio da especialidade objetiva observado – Condicionamento do registro à prévia averbação da construção levantada no terreno – Realidade extratabular estranha à qualificação registral – Exigência descabida – Dúvida improcedente – Recurso provido.

O oficial de registro, ao suscitar dúvida e justificar a desqualificação do instrumento particular de venda e compra, afirmou que a prévia averbação da edificação do prédio n.° 546, erguida no terreno descrito na matrícula n.° 62.236, é obrigatória e condiciona o registro do título (fls. 02/05).

Oferecida a impugnação, os interessados alegaram: a jurisprudência administrativa respalda o registro; elementos estranhos ao título e aos assentos registrários não obstam o registro; nada impede a futura averbação da construção; o título contém descrição do imóvel idêntica à da matrícula; o registro pretendido não vulneraria os princípios da especialidade e da continuidade; enfim, a dúvida é improcedente (fls. 38/41).

Após parecer do Ministério Público (fls. 34/35), a dúvida foi julgada procedente (fls. 43/55), determinando, com reiteração das alegações anteriores, a interposição de recurso (fls. 67/73), recebido no duplo efeito (fls. 78). Encaminhados os autos ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 83), a Procuradoria Geral da Justiça propôs o provimento da apelação (fls. 86/87).

E o relatório.

De acordo com o princípio da parcelaridade ou cindibilidade, “o título pode ser cindido, isto é, o registrador pode aproveitar ou extrair certos elementos nele insertos que poderão ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando outros que, para tanto, exigem outras providências.’ [1]

Há precedentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura contemplando a aplicação do princípio da cindibilidade, onde, todos envolvendo títulos judiciais, admitiu-se que a falta de averbação da edificação não impede o registro do título aquisitivo. [2]

Do mesmo modo, há precedentes, relacionados, todavia, com títulos extrajudiciais, sinalizando, em prestígio do princípio da especialidade objetiva, que a prévia averbação das edificações é condição para o registro. [3]

Contudo, o princípio da parcelaridade não está em discussão. A questão que, então, na verdade, aos olhos do oficial, afigura-se tormentosa, não se apresenta no caso. Na hipótese vertente, a descrição do imóvel constante do título confere – não se nega -, com a lançada na matrícula. O debate, portanto, não versa sobre a possibilidade de aproveitamento de alguns dados do título passíveis de ingressar prontamente no fólio real.

Há, in concreto, exata observação do princípio da especialidade objetiva. Conforme Narciso Orlandi Neto, “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior”: não é essa a situação enfrentada. De fato, “é preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” [4] – tal, no mais, a hipótese submetida a julgamento.

Destarte, a falta de averbação da construção, dado estranho à matrícula e ao título, não representa óbice legítimo ao registro do instrumento particular de venda e compra. Quero dizer: o oficial de registro, nada obstante sua autonomia, extrapolou os limites do juízo de qualificação registral.

Não se ignora a existência de precedente em outro sentido, expresso no julgamento da Apelação Cível n.° 1.136-6/0, em 08 de setembro de 2009, relator Desembargador Luiz Tâmbara, mas, nessa quadra, acede-se à orientação pretérita deste Conselho Superior da Magistratura, extraída do julgamento da Apelação Cível n.° 34.252-0/3, em 11 de outubro de 1996, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha.

Oportuno, aqui, transcrever os seguintes trechos do acórdão paradigma:

O título descreve a construção conforme o que consta da matrícula, respeitada, portanto, a especialidade e o trato contínuo.

Se o lançamento fiscal da matrícula de área construída superior àquela averbada, tal não obsta o registro da venda e compra, pois que elementos estranhos ao título causal não ofendem o registro-suporte.

Se houve ampliação da construção, a correspondente averbação deverá ser feita oportunamente, à vista do “habite-se”, e a requerimento do interessado, respeitado o princípio da instância, ocasião em que será exigível a comprovação da inexistência de débito junto ao INSS. (…)

Merece ser afastado, portanto, óbice que foi posto contra o pretendido registro, ficando assegurada ao interessado a possibilidade de requerer a averbação da construção oportunamente, quando deverá apresentar o habite-se e comprovar a inexistência de débito previdenciário.

A propósito, calha ainda a lição do Desembargador Ricardo Dip:

… os limites da qualificação registraria se mostram de maneira mais vistosa no plano interpretativo, enquanto seus supostos se restringem: 1 ao título levado a registro, 2 – ao registro existente e persistente e 3 – à relação entre o título exibido e o registro existente.

O recorte negativo pode sintetizar-se nesta redução: quod non est in tabula et in instrumentum non este in mundo. A qualificação registraria move-se dentro desses lindes, inadmitindo-se sua projeção a diligências exógenas desses supostos epistêmicos objetivos. Não cabe, em geral, a inquirição de uma realidade extratabular, nem a oposição do conhecimento privado do registrador (ASCENÇÃO, 42), tampouco a consideração de provas não-literais (que não integrem, originariamente ou por supervenção, o título apresentado a registro)... [5]

Em síntese: a desqualificação agitada se funda em informações dissociadas do título e dos registros existentes; prende-se, na realidade, principalmente, a elementos mencionados em documentos emitidos pela Prefeitura Municipal de Suzano. Por conseguinte, a recusa questionada é injustificável.

Pelo todo exposto, dou provimento à apelação e, porque improcedente a dúvida, determino o registro título recusado.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Luiz Guilherme Loureiro. Registros públicos: teoria e prática. 2.ª ed. São Paulo: Método, 2011, p. 232.

[2] Apelação Cível n.° 52.723-0/5, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, julgada em 10.09.1999; Apelação Cível n.° 083293-0, rel. Des. Luís de Macedo, julgada em 20.09.2001; Apelação Cível n.° 339-6/9, rel. Des. José Mário Antônio Cardinale, julgada em 12.05.2005; e Apelação Cível n.° 990.10.247.068-7, rel. Des. Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010.

[3] Apelação Cível n.° 1.115-6/4, rel. Des. Reis Kuntz, julgada em 15.09.2009; e Apelação Cível n.° 1.237-6/0, rel. Des. Munhoz Soares, julgada em 30.06.2010.

[4] Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997. p.68

[5] Ricardo Henry Marques Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário, n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 54. (D.J.E. de 02.04.2013 – SP)