CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Compromisso de compra e venda – Imóvel em regime de ocupação – Necessidade de comprovação de poderes de representação do sócio que firmou a avença e da última alteração contratual da empresa – Dispensa de apresentação de CND – Ausência de recolhimento de laudêmio e de autorização da SPU – Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n° 0013759-77.2012.8.26.0562

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0013759-77.2012.8.26.0562, da Comarca de SANTOS em que é apelante MARIA EVANI SOUZA DE MORAES e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JÚNIOR, ANTÔNIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTÔNIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 17 de janeiro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0013759-77.2012.8.26.0562

Apelante: Maria Evani Souza de Moraes

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

Voto n° 21.178

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Compromisso de compra e venda – Imóvel em regime de ocupação – Necessidade de comprovação de poderes de representação do sócio que firmou a avença e da última alteração contratual da empresa – Dispensa de apresentação de CND – Ausência de recolhimento de laudêmio e de autorização da SPU – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Maria Evani Souza de Moraes, objetivando a reforma da r. sentença de fls. 108/116, que manteve a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos relativa ao registro do compromisso de compra e venda por meio do qual Villela & Martins Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. prometeu vender à apelante a unidade 702, do Bloco A, do Edifício Clube XV – Hotel, Flats e Centro de Negócios.

Aduz, em suma, que as exigências mantidas pela sentença devem ser afastadas porque: a) os documentos exigidos já integram os arquivos registrados e foram assinados por sócio representante, com reconhecimento de firma; b) a promitente cedente dedica-se à atividade de incorporação e construção de imóveis destinados à venda, motivo por que está dispensada de apresentar as CNDs; d) a promitente cedente é notoriamente insolvente, o que inviabiliza a obtenção das CNDs; e) a obrigação de declaração de vinculação ou não como empregador ligado à Previdência Social é do incorporador e não do promitente cedente, sendo inaplicáveis as normas citadas na sentença (arts. 195 e 257 do Dec. 3048/99); f) em relação à falta de declaração da dispensa das certidões fiscais, que consta do parágrafo único, da cláusula 1ª, da avença, a declaração de regularidade e quitação de todos os tributos e tarifas; g) que a certidão autorizativa da transferência só é exigida no caso de aforamento e não na ocupação; e h) o pagamento do laudêmio pressupõe aforamento constituído.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/150).

É o relatório.

Três foram as exigências mantidas na r. sentença recorrida.

A apresentação da via original ou cópia autenticada do comprovante de representação e última alteração contratual da promitente cedente Villela & Martins Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda, é mesmo de rigor para que se possa aferir se aquele que firmou o negócio jurídico em questão tinha, à época do compromisso de compra e venda celebrado com apelante, poderes para tanto, não se podendo presumir essa circunstância.

Em relação às CNDs de contribuições previdenciárias emitida pela Receita Federal, cabem algumas considerações.

O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs n°s 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3°, da Lei n° 7.711/88:

Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I – transferência de domicílio para o exterior;

(…)

III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distraio social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:

a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dividas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

§ 3° A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

Interessa, para o caso em exame, o inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

No caso posto, para o registro do compromisso de venda e compra do imóvel, está-se exigindo que a apelante, promitente compradora, apresente as CNDs do INSS e dos tributos federais em nome da promitente vendedora.

Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

À vista de tais considerações é que a exigência de se apresentar as CNDs deve ser afastada.

Não se desconhece o entendimento vigente deste C. Conselho Superior da Magistratura:

A exigência das certidões negativas vem expressa no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 7.711/88, afastando a exigência de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.

E que a situação regulada nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a inconstitucionalidade das “restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem, entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional 1

Pede-se vênia, no entanto, para discordar da premissa adotada.

O venerando acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações.

Exatamente por esta razão é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:

Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.

Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns das sanções políticas, deixou claro o Supremo Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar meio de cobrança não admitido pela ordem Constitucional vigente.

Demais disso, o v. acórdão da Suprema Corte ainda destaca que as sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna).

Tudo isso pode ser aferido da simples leitura da ementa do venerando acórdão que, conquanto extensa, ora transcrevo porque esclarecedora:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/’988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.

Se o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como as previstas no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91, e na instrução normativa n° 93/2001, da Receita Federal.

Em suma: não se pode mais interpretar o art. 47, da Lei n° 8.212/91 e a Instrução Normativa n° 93/2001, da Receita Federal, à revelia do acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).

Também este Tribunal de Justiça, com lastro nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhando nesse sentido.

Nos autos da arguição de inconstitucionalidade n° 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o C. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade do art. 47, I, “d”, da Lei n° 8.212/91. O v. acórdão restou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.

Ao proferir voto-vista, consignei que:

“De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins – sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, ‘d’, da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).

É certo que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Contudo, a operação contida no instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel não deixa, por isso, de representar atividade econômica constitucionalmente assegurada pelo parágrafo único, do art. 170, da Lei Maior, preceito invocado tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça como uma das razões de se acolher a inconstitucionalidade das sanções políticas.

Frise-se que, tanto no caso da extinção da pessoa jurídica quanto no presente (registro de compromisso de compra e venda), a apresentação da CND tem o mesmo fim: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário.

Se assim é, idêntico tem de ser o desfecho, afastando-se a exigência da apresentação das CNDs também para a hipótese em exame.

Nenhuma razão justifica a comprovação de inexistência de débito tributário para o registro do compromisso de compra e venda do imóvel apresentado, o que demonstra que se está diante de uma exigência desproporcional e não razoável, motivos por que deve ser afastada.

Por fim, a exigência que solicita a comprovação do recolhimento do laudêmio e a apresentação da certidão autorizativa de transferência emitida pela SPU deve ser mantida porque decorrente de expresso texto legal:

Art. 33. Os arts. 3º, 5º e 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3º

§ 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:

I – sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que declare:

a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;

b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e

c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;

Ante o exposto, nego provirpento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

1 Ap Civ. 990.10.084.705-8 (D.J.E. de 21.03.2013 – SP)