CSM|SP: Registro de Imóveis – Impugnação parcial das exigências – recurso não conhecido – interpretação e qualificação jurídica do negócio jurídico contido no título – natureza jurídica de dação em pagamento apesar de nominado de compromisso de compra e venda – necessidade de forma pública para transferência da propriedade imóvel na dação em pagamento – Recurso não conhecido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n° 0004373-36.2012.8.26.0590

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0004373-36.2012.8.26.0590, da Comarca de SÃO VICENTE, em que é apelante INSTITUTO DE EDUCAÇÃO E CULTURA UNIMONTE S/A e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer do recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JÚNIOR, HAMILTON ELLIOT AKEL e ANTÔNIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, de Direito Privado em exercício, e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 21 de fevereiro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0004373-36.2012.8.26.0590

Apelante: Instituto de Educação e Cultura Unimonte S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente

VOTO N° 21.213

REGISTRO DE IMÓVEIS – Impugnação parcial das exigências – recurso não conhecido – interpretação e qualificação jurídica do negócio jurídico contido no título – natureza jurídica de dação em pagamento apesar de nominado de compromisso de compra e venda – necessidade de forma pública para transferência da propriedade imóvel na dação em pagamento – Recurso não conhecido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que reconheceu impossibilidade do registro de compromisso de compra e venda em virtude da natureza jurídica do título encerrar dação em pagamento para qual é exigida forma pública.

Sustenta a apelante a realização do registro em virtude da presença dos pressupostos legais acerca do compromisso de compra e venda apresentado (a fls. 100/106).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, o seu não provimento (a fls. 116/119).

E o relatório.

A impugnação às exigências do registrador foi parcial, porquanto a apelante somente se insurgiu quanto a qualificação jurídica do negócio jurídico contido no título levado a registro (cf. nota de exigência de fls. 14/15).

No procedimento de dúvida não é possível o exame parcial das exigências feitas pelo Oficial do Registro Imobiliário em virtude da permanência da inviabilidade do registro por força do não atendimento da totalidade das exigências (nesse sentido, entre muitos, há os seguintes precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura, Apelação n° Ap. Civ. 990.10.325.599-2, Rel. Des. Antônio Carlos Munhoz Soares, j . 14/12/2010; Apelação n° Ap. Civ. 990.10.030.839-4, Rel. Des. Marco César Müller Valente, j . 30/06/2010).

Desse modo, também em conformidade à manifestação da D. Procuradoria Geral de Justiça, não cabe o conhecimento da apelação.

Caso fosse possível o conhecimento do recurso, caberia o reconhecimento da pertinência da exigência impugnada na forma decidida pelo MM Juiz Corregedor Permanente.

A qualificação registraria exige a compreensão da natureza do negócio jurídico contido no título apresentado para registro.

No presente caso, o título encerra o instrumento particular de fls. 10/13 nominado de contrato de compromisso de compra e venda.

Não há dúvida de se cuidar de um negócio jurídico bilateral de conteúdo econômico.

Desse modo, cabe a interpretação e qualificação jurídica do ato de autonomia privada em questão.

A interpretação busca elucidar o fato juridicamente relevante posto pelas partes, seguindo-se de sua valoração ou qualificação jurídica, ou seja, o enquadramento do fato no ordenamento jurídico para a compreensão de seus efeitos jurídicos.

Segundo Joseph M. Perillo (Calamari and perillo on contracts. St. Paul: Thomson West, 2004, p. 159) mesmo com aposição da insígnia de um carro Cadillac sobre um Chevrolet, ainda assim, será um Chevrolet, portanto, na interpretação e qualificação cabe extrair os efeitos jurídicos do ato não cabendo ater-se somente à nomenclatura utilizada pelos contratantes.

No contrato apresentado – nominado de compromisso de compra e venda – sob a rubrica de premissas constam dois pontos essenciais: (i) houve deliberação do Conselho de Administração da Promitente Vendedora autorizando a venda do imóvel objeto do contrato para o fim de propiciar a redução do endividamento da companhia e, (ii) a Promissária Compradora é credora da Promitente Vendedora justamente pelo montante do preço acordado.

Em razão disso foi firmado o contrato de compromisso de compra e venda com o pagamento integral do preço no ato de sua assinatura com indicação da outorga de Escritura Pública de Compra e Venda no momento em que fosse expedida a Certidão Positiva com efeito negativo relativamente ao imóvel.

Considerando-se a existência de dívida anterior em dinheiro entre as partes, bem como deliberação da vendedora acerca da alienação do bem imóvel para redução do endividamento, cabe a qualificação do título como dação em pagamento nos termos do art. 356 do Código Civil, sendo da substância do ato a forma pública na forma do art. 108 do Código Civil.

Apesar do negócio jurídico ter sido nominado de compromisso de compra e venda, seus efeitos jurídicos são relativos a uma dação em pagamento em razão do aspecto fundamental ser a extinção do crédito em dinheiro por meio da entrega de uma coisa (bem imóvel).

Desse modo, foi correta a qualificação negativa do título ante a necessidade de forma pública, pena da invalidade do negócio jurídico.

A assertiva da recorrente no sentido da natureza jurídica de compromisso de compra e venda, cuja forma é particular, não pode ser aceita em razão da causa do negócio jurídico encerrar dação em pagamento, já que a prestação da obrigação anterior (dinheiro) foi substituída por outra (atos conducentes à transferência da propriedade de bem imóvel).

A questão que se coloca não é a possibilidade do preço ser representado por crédito, o que é possível a exemplo dos títulos de crédito, mas sim da existência de obrigação anterior sendo extinta por meio da substituição da prestação original por outra, manifestada no instrumento apresentado.

Noutra quadra, pelo princípio da autonomia privada a declaração de vontade tem de ser feita em conformidade à moldura concedida pelo ordenamento jurídico, assim, presentes os elementos de dação em pagamento não é permito às partes elegerem a qualificação jurídica que desejarem (compromisso de compra e venda).

O fato da dação em pagamento reger-se pelas regras da compra e venda na hipótese da substituição da entrega de dinheiro por coisa, nos termos do art. 357 do Código Civil, não redunda que tenha natureza jurídica de compra e venda, pois, a finalidade prática do negócio jurídico foi a extinção da dívida em dinheiro. Além disso, a dação em pagamento é um negócio jurídico real que exige a entrega da coisa (atos conducentes à transmissão da propriedade), donde não é possível a celebração de promessa de dação em pagamento na forma referida pela apelante.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 21.03.2013 – SP)