CGJ|SP: Registro de Imóveis – Hipóteses de averbação descritas no art. 167, II, da LRP são meramente exemplificativas, não constituindo numerus clausus – Possibilidade de aditamento e ratificação de escritura após ter ocorrido o seu registro – Também possível haja a cindibilidade do título, para seu ingresso parcial no fólio real – Dado provimento ao recurso.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2011/68521

(255/11-E)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Hipóteses de averbação descritas no art. 167, II, da LRP são meramente exemplificativas, não constituindo numerus clausus – Possibilidade de aditamento e ratificação de escritura após ter ocorrido o seu registro – Também possível haja a cindibilidade do título, para seu ingresso parcial no fólio real – Dado provimento ao recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de recurso administrativo interposto por Marcello Oropallo Pascotto e Renata de Oliveira Osso contra decisão da Meritíssima Juíza Corregedora Permanente do Décimo Terceiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que indeferiu requerimento de averbação da Escritura de Aditamento e Ratificação (fls. 41/42) à margem da matrícula n° 37.003 da referida serventia predial (fls. 52/53). Referida escritura tem o escopo de aditar e ratificar título congênere anteriormente lavrado, para fazer constar que o imóvel por ele alienado consistiria bem particular e exclusivo do patrimônio do varão-adquirente, em razão de ter sido comprado mediante emprego de capital doado por seus genitores, excluindo–se, assim, sua cônjuge-virago, com que, à época da transação, era casado mediante comunhão parcial de bens. Constou do aditamento, ainda, uma inclusão de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade.

Em suas decisões de fls. 69/71, 77/78 e 91, a MMª Juíza Corregedora Permanente acolheu os motivos da recusa expostos pelo registrador imobiliário (fls. 02/04), quais sejam, que as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade só poderiam ter sido instituídas na transação original, não cabendo sua inserção a posteriori mediante emprego do título ratificador. O aditamento de um título, ademais, só seria possível até o momento do seu ingresso no fólio real. Finalmente, a justificativa acerca da origem do dinheiro empregado no pagamento do preço (no presente caso, a doação feita pelos pais do adquirente-varão) não seria matéria passível de averbação, ante a falta de previsão expressa no art. 167, II, da LRP.

Na peça de inconformismo, sustenta-se (fls. 92/99) que, na constância do casamento, o recorrente Marcello adquiriu o imóvel em discussão com numerário doado por seus pais, motivo pelo qual, por ocasião da sua separação judicial, foi tal bem arrolado como exclusivo do varão, o que contou com o reconhecimento e a concordância da cônjuge virago, a também recorrente Renata.

Ocorre que a carta de sentença, oriunda da referida dissolução da sociedade conjugal, não foi admitida a registro. Isto porque, na escritura de compra e venda original, levada ao fólio (fls. 53 e v° – R.5-37003), não constou ser tal bem exclusivo do varão, levando a crer, dada a comunhão parcial, tratar-se de patrimônio comum, adquirido durante o matrimônio com recursos financeiros de ambos.

Assim, não poderia haver alteração desta realidade por ocasião da separação, onde constou se tratar de bem particular do separando. Houve recurso a esta Corregedoria Geral da Justiça (Processo n° 2008/85100 – autos aqui apensados), o qual não foi provido e onde se reconheceu a necessidade de prévia re–ratificação da escritura aquisitiva da propriedade (título causal) antes de qualquer inovação em sede registraria. Os recorrentes, então, elaboraram a escritura de re–ratifícação cuja averbação ora pretendem.

Esclarecem que, sem seu prévio ingresso no fólio predial inviável será o registro da carta de sentença extraída do processo de separação do casal.

Pedem que sejam desconsideradas as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade (que podem ser deixadas de lado ante o princípio da cindibilidade), só se averbando a referência à doação, pelos pais do recorrente-varão, exclusivamente a este, do numerário empregado na compra do bem.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido do improvimento do recurso (fls. 106/109).

Os autos vieram remetidos do Egrégio Conselho Superior da Magistratura a esta Corregedoria Geral da Justiça (fls. 111).

É o relatório.

Passo a opinar.

De início, observo que um dos argumentos adotados pela MMª Juíza Corregedora Permanente deve ser afastado.

A informação acerca da origem do dinheiro empregado no pagamento do preço do imóvel (no presente caso, a doação feita pelos pais do adquirente-varão) pode ingressar no fólio real.

A uma, considerando que as hipóteses de averbação, capituladas no art. 167, II, da LRP, são meramente exemplificativas, não constituindo numerus clausus, conforme reiterado entendimento desta Corregedoria Geral da Justiça[1].

A duas, ante o interesse do cônjuge em caracterizar, no seu matrimonio mediante comunhão parcial, a hipótese da aquisição de bem particular, privativo e exclusivo, nos termos dos artigos 1658 e 1659 do Código Civil[2].

Prosseguindo, observo que as cláusulas restritivas, impostas a fls. 41/42 (incomunicabilidade e impenhorabilidade), foram objeto de pedido de desconsideração pelos recorrentes (fls. 50/51).

Assim o fizeram invocando o princípio da cindibilidade do título.

Em se acolhendo tal postulação, só seria averbada a outra informação constante da escritura de re-ratifícação, qual seja, a doação do numerário empregado na compra do bem pelos genitores do recorrente-varão.

Cabe agora apreciar se seria possível tal cisão.

Entendo ser positiva a resposta, admitindo tal cisão.

Assim considero por força dos seguintes precedentes desta Corregedoria Geral da Justiça:

O atual sistema do registro imobiliário, fundado no ato básico de cadastramento físico, já não admite o princípio pretoriano da incinbilidade dos títulos. O sistema anterior, em que não existia transcrição do imóvel, é que justificava o princípio. Hoje, o ato básico do registro imobiliário não é a reprodução textual dos instrumentos. Estes passaram a ser meio e não mais objeto de um ato reflexivo ou transcritivo (Ap. Cív. n 2003-0, Itapecerica da Serra, 13.6.83; Ap. Cív. n 2.177-0, Ribeirão Preto, mesma data – Relator Des. Affonso de André; Embargos de Declaração n. 3.034-0, Poá, 6.8.84, Des. Nogueira Garcez; Ap. Cív. n 5.599-0, Franco da Rocha, 19.5.86, Des. Sylvio do Amaral).

Ap. Civ. 21841-0/1 – Data: 31/03/95 – Localidade: Americana – Na atual sistemática de registro imobiliário, é possível joeirar os elementos válidos do título, desprezando-se o que não puder constar do registro.

Ap. Civ. 440-6/0 – Data: 06/12/2005 – Localidade: Sorocaba – REGISTRO DE IMOVEIS – Escritura de compra e venda – Instrumentalização que representa a real vontade dos interessados – Ausência de ofensa aos princípios registrários e ao ordenamento jurídico – Manutenção dos atos praticados, cindindo-se o título quanto à cláusula de incomunicabilidade nele inserida, por infringência ao disposto no art. 1.848 do CC – Viabilidade do registro – Recusa afastada – Recurso provido.

(…)
Contudo, não se vislumbra a presença de impedimento algum para que o negócio, em que há doação de numerário acoplado ao pagamento do preço em compra e venda efetuada, seja instrumentalizado como efetivamente foi, não havendo, em consequência, óbice a que os títulos tenham ingresso no fólio real

(…)
Todavia, a nulidade ora apontada se restringe a apenas à cláusula inserida no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua cindibilidade, afim de que se torne viável o seu registro a seguir.

O Conselho Superior da Magistratura tem admitido a cindibilidade do titulo, permitindo que dele sejam extraídos elementos que poderão ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando outros que necessitem de outras providências.

Há, ainda, outra tese a ser aqui apreciada, consistente na possibilidade ou não de se aditar ou retificar determinado título após o seu registro.

Neste tocante, observo que já decidiu de modo positivo esta Corregedoria Geral da Justiça:

CG Processo 138.458/2009

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra – Adquirente supostamente identificado pelo nome de fantasia de firma individual – Retificação administrativa do registro imobiliário ou do título aquisitivo – Inviabilidade – Ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva – Necessária nova manifestação de vontade das partes, por meio de escritura de re-ratificação – Recurso não provido.

CG Processo 26.445/2010

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra e cessão – Cessionários indicados, no título, como compradores do imóvel assim como o eram os cedentes – Alegação de que, por se tratar de cessão gratuita, o negócio deveria ter sido identificado como doação – Pedido de retificação do registro para indicar os adquirentes como donatários – Inviabilidade – Inexistência de erro registrário – Necessária nova manifestação de vontade das partes, por meio de escritura de re-ratificação para correção do alegado erro do título – Recurso não provido.
CG Processo 2008/85100 (em apenso aos presentes autos)

Registro de Imóveis – Bem imóvel adquirido pelo cônjuge varão na constância de casamento submetido ao regime da comunhão parcial de bens, sob a égide da Lei n. 6.515/1977 – Ausência de menção na escritura de que a aquisição se deu com numerário doado pelo genitor – Registro efetuado com base no título apresentado – Comunicação do bem nos termos do art. 1.660, I, do Código Civil – Impossibilidade de averbação quanto a ser o imóvel próprio do varão, com amparo em declaração de ambos os cônjuges por ocasião da separação judicial do casal – Elemento estranho ao título e deste omitido – Necessidade de prévia re–ratificação da escritura pública – Homologação judicial da partilha que não implica deliberação a respeito da retificação do registro ou do título que lhe deu origem – Recurso não provido.

(…) o registro errado, resultante de uma escritura pública erradamente lavrada, por exemplo, só poderá ser retificado depois que as partes comparecendo novamente à presença do mesmo ou de outro notário, o façam lavrar, para ser por elas assinada, outra escritura, de retificação da primeira (Valmir Pontes, Registro de Imóveis, Saraiva, 1982, p. 124–125).

Se o suposto engano está no título que deu origem ao registro cuja retificação é pretendida, é aquele que deve ser corrigido’ (CSM – AC 271.205 – Santo André, j. 5.10.78, em Registro de Imóveis, Narciso Orlandi Neto, jan./78 a fev./81, verbete 93, p. 103; pareceres desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, relativo aos Procs. CG 216/86 e 14/87 (Decisões Administrativas da CGJ, 1987, Ed. RT, pp. 110/111 e 116/117); ao Proc. 23/86 (Decisões Administrativas da CGJ, 1986, Ed. RT, pp. 118/119) e ao Proc. 259/84 (Decisões Administrativas da CGJ, 1984/1985, Ed. RT, pp. 168–169), entre outros” (Proc. CG 38/92, grifos do original)”.

É caso, pois, de se dar provimento ao recurso.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento ao recurso, para permitir a averbação aqui pretendida. Publicada a vossa decisão e dela cientificada a douta Procuradoria de Justiça, que sejam, ao final, devolvidos os autos à origem.

Sub censura.

São Paulo, 08 de julho de 2011

ROBERTO MAIA FILHO

Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso nos termos propostos. Publique-se. Após, devolvam-se os autos à origem.

São Paulo, 21.07.2011.

(a) MAURÍCIO DA COSTA CARVALHO VIDIGAL

Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 01.08.2011