CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa do registro de contrato de compra e venda de fração ideal de área comum – Imóvel consistente em garagem coletiva, com vários titulares de domínio – Condomínio civil caracterizado – Necessidade da anuência de todos os proprietários ou anterior dissolução de condomínio – Obediência ao Princípio da continuidade – Recurso não provido.

ACÓRDÂO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0033023-45.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante ZULMA DE SOUZA DIAS e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça,ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, HAMILTON ELLIOT AKEL E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado, em exercício, e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 31 de maio de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

Voto

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa do registro de contrato de compra e venda de fração ideal de área comum – Imóvel consistente em garagem coletiva, com vários titulares de domínio – Condomínio civil caracterizado – Necessidade da anuência de todos os proprietários ou anterior dissolução de condomínio – Obediência ao Princípio da continuidade – Recurso não provido.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 2º Oficial do Registro de Imóveis da Capital. O suscitante deixou de proceder ao registro de escritura de compra e venda referente a 5% da Unidade Garagem do Edifício Barão de Piracicaba, apresentada por Zulma de Souza Dias, na qual figura como adquirente e alienantes Noel Luiz Alterman e sua esposa Celia Alterman. Ressalta o Oficial a impossibilidade do ingresso no fólio registral em decorrência da absoluta necessidade da anuência de todos os proprietários do edifício, tendo em vista que não há atribuição das vagas às unidades registradas, existindo condomínio comum quanto a elas.

Sustenta a interessada, em sua impugnação de fls. 25/31, que a escritura pública obedeceu a vontade das partes e está formalmente em ordem, sendo o acesso à propriedade um direito constitucional de caráter fundamental, devendo ser respeitado o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Invoca, ainda, os princípios de direito registral e conclui que todos foram observados, não havendo justificativa válida para a recusa em se proceder ao registro.

O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações do Oficial do Registro de Imóveis e manteve a recusa à realização do ato, julgando procedente a dúvida suscitada (fls. 37/40).

Inconformada, interpôs a interessada o presente recurso, reiterando as razões que embasaram o seu pedido inicial e alegando que o bem configura unidade autônoma de garagem, constituindo imóvel destacado do todo, passível de livre alienação pelo integrante de condomínio edilício, nos termos do § 1º do art. 1.331 do Código Civil. Invoca o Princípio da Transparência, aplicável no sentido de que exista informação ao consumidor de todos os aspectos do serviço (fls. 44/54).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls.62/63).

É o relatório.

Não assiste razão à recorrente.

O Registrador, em sua nota devolutiva, demonstrou que o imóvel objeto da matrícula 12.427 manteve as vagas de garagem em área comum, pertencente a várias pessoas, dependendo a alienação de parte dela da anuência da integralidade dos titulares de domínio. Insere, em suas razões, precedente deste Conselho, que desautoriza o pretendido registro (fls. 9/17).

Em bem fundamentada sentença, o MM. Juiz Corregedor Permanente, referindo-se à área destinada à garagem, decidiu que ‘poderiam os condôminos Noel Luiz Alterman e sua mulher Celia Alterman alienar sua fração ideal de 5%, mas não a parte certa e localizada do imóvel consistente na “unidade condominial de garagem’. Esta, mesmo depois da instituição do condomínio na forma da Lei nº 4.591/64 sobre o imóvel (R.02), continuou a pertencer, na proporção fixada na Av.01, a todos os condôminos, assim como todas as demais unidades autônomas discriminadas na Av.03, na matrícula” (fls. 38).

De fato, pelo exame da matrícula do bem, verifica-se que não houve discriminação das vagas de garagem ou sua vinculação às unidades autônomas.

O ato de instituição do condomínio do Edifício Barão de Piracicaba, devidamente averbado na matrícula mencionada, caracteriza a área destinada à garagem como de uso comum, integrada no remanescente aos destaques das unidades autônomas. Não há, claramente, atribuição aos apartamentos instituídos ou individualização como bens destacados, como sustentado pela apelante.

Como pondera Ademar Fioranelli, citado por José Marcelo Tossi e Silva em sua obra “Incorporação Imobiliária” (Editora Atlas, 2010, pag.189/190):

“uma alternativa para as vagas ou espaços indeterminados em uma garagem coletiva. Matrícula para a garagem em seu todo e lançamento sucessivo dos registros das alienações ou onerações das frações ideais que correspondem às vagas indeterminadas, com o surgimento dentro do condomínio especial, do Condomínio do Código Civil (art.629).”

Destarte, as regras que regem o negócio jurídico em questão são aquelas atinentes ao condomínio comum do Código Civil, o que torna imprescindível a participação de todos os condôminos para a regularidade da alienação.

Aponto que também é previsto, na hipótese, o direito de preferência na aquisição da parte ideal pelos coproprietários, em concorrência com terceiros, que só poderá ser exercido com a efetiva ciência deles.

A Douta Procuradoria de Justiça apóia o posicionamento esposado pela Serventia Imobiliária e também cita precedente jurisprudencial que embasa este entendimento (fls. 62/63).

Ressalto, ademais, que a alienação por apenas dois dos proprietários vem contra o Princípio da Continuidade, contido nos arts. 195 e 237 da lei n. 6.015/73, que exige a perfeita coincidência entre as partes que constam na matrícula e aquelas que transmitem a propriedade, permitindo o encadeamento subjetivo dos registros e averbações subsequentes.

O argumento da recorrente, de que os princípios constitucionais da função social da propriedade, dignidade da pessoa humana e transparência devem ser prestigiados, é vago e não tem o condão de relativizar as normas rígidas que regem a matéria.

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 16.08.2012)