CGJ|SP: Registro Civil – Reconhecimento de paternidade – Alteração do nome do reconhecido, na forma expressamente indicada por ambos os genitores – Acréscimo de sobrenome paterno, sem a partícula “de” no sobrenome materno – Impugnação pelo Ministério Público, por entender que, faltando tal partícula, originalmente utilizada pela mãe, o sobrenome se desnatura – Decisão em sentido contrário – Negado provimento ao recurso – Ausência que não chega a provocar descaracterização – Dispensa da partícula admitida reiteradamente, no âmbito do ordenamento, com inúmeros exemplos concretos. Categoria:

PARECER Nº 336/2009_E – PROCESSO CG Nº 2009/79567

(336/2009_E)

REGISTRO CIVIL – Reconhecimento de paternidade – Alteração do nome do reconhecido, na forma expressamente indicada por ambos os genitores – Acréscimo de sobrenome paterno, sem a partícula “de” no sobrenome materno – Impugnação pelo Ministério Público, por entender que, faltando tal partícula, originalmente utilizada pela mãe, o sobrenome se desnatura – Decisão em sentido contrário – Negado provimento ao recurso – Ausência que não chega a provocar descaracterização – Dispensa da partícula admitida reiteradamente, no âmbito do ordenamento, com inúmeros exemplos concretos.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de recurso interposto pelo Ministério Público contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito de Itaquera, pela qual, em face de reconhecimento de paternidade, foi admitida alteração do nome do reconhecido, na forma indicada por ambos os genitores, com acréscimo de sobrenome paterno, sem que constasse, quanto ao sobrenome materno, a partícula “de”, originalmente utilizada pela mãe (fls. 22/24).

Nas razões de recurso, alega-se que, como o sobrenome da mãe da criança é “de Araújo”, não pode ser atribuído ao reconhecido (juntamente com o nome paterno ora incluído) apenas o sobrenome “Araújo”, a título de oriundo da linha materna, pois a falta da partícula “de” o descaracteriza. Salienta-se, outrossim, a existência de “inúmeros pedidos de retificação, para inclusão das referidas partículas que, em determinadas ocasiões, foram excluídas dos nomes dos interessados”. Requer provimento, com a reforma do decidido em primeiro grau, “para que seja indeferida a pretensão” de exclusão da partícula “de” do apelido de família (fls. 26/29).

Para a douta Procuradoria Geral da Justiça, o recurso não pode prosperar (fls. 33/36).

Relatei.

Passo a opinar.

Anoto, ab initio, que a presente questão já foi enfrentada por esta Corregedoria Geral no proc. CG nº 2009/26005, em que aprovado parecer por mim proferido, de modo que, aqui, cabe idêntica solução.

Não merece agasalho a irresignação recursal.

Sabido é que diversos sobrenomes, especialmente de origem portuguesa, francesa, espanhola e italiana, são precedidos da chamada partícula (nos de procedência lusa são observadas as variantes “de”, “da”, “do”, “das” e “dos”).

Lembrava o saudoso Prof. Rubens Limongi França, na clássica monografia “Do Nome Civil das Pessoas Naturais”, que “muito se tem escrito e discutido sobre a partícula, especialmente no Direito Francês e Italiano, constituindo o fulcro das controvérsias em torno da mesma o fato de implicar ou não o seu uso uma atribuição de nobreza. Aliás, é comum chamar-se a partícula no Direito Francês, particule nobiliaire, e no Italiano, particella di nobiltàouparticola nobiliare” (3ª edição, RT, São Paulo, 1975, pág. 492). Porém, a observação demonstra, à saciedade, que essa conotação nobiliárquica não está presente em boa parte dos casos.

Vale notar que, no arrazoado recursal, à guisa de fundamentação, é transcrita lição extraída, precisamente, da referida obra: “Claro que se o nome de determinado cidadão é, verbi gratia, ‘Antonio Galvão’, por certo não poderá, sem esta mais aquela, passar a chamar-se ‘Antonio de Galvão’, como, ainda que pareça incrível, temos visto muita gente fazer, mesmo em nossos dias republicanos e democráticos. Mas essa impossibilidade não advém da falta de nobreza do interessado, mas do fato de tal inclusão da partícula implicar mudança de patronímico, o que é vedado por lei. Diferente será o caso em que o patronímico, na sua origem, traga o de e, com o tempo, e a despreocupação dos notários e dos próprios titulares, passe a ser usado sem a partícula: em tal hipótese cabe o pedido da retificação do apelido, pela regra da ‘incorporação antiga’, que provém da imprescritibilidade do nome” (ob. cit., pág. 495).

Todavia, ao contrário do entendimento sustentado pelo recorrente, não se assevera em tal trecho que seja sempre obrigatória a utilização da partícula “de” pelos herdeiros de sobrenomes aos quais originalmente agregada. O que o doutrinador sublinha – isto sim – é o descabimento, por injustificado, de se pretender adicionar a partícula, ex novo, a apelido que nunca a teve. Mas ressalva que a situação é diferente quando provado que o sobrenome, originalmente, trazia o “de”, o qual não foi preservado, hipótese que admite o restabelecimento.

Ao ressalvá-lo, aliás, o autor deixa entrever que o ordenamento não impede a freqüente omissão da partícula.

E, na verdade, explicita tal posicionamento em outra parte de sua monografia: “A partícula (de, do, das, etc) não é propriamente, por si, um elemento fundamental do nome, porque este pode existir sem ela. A rigor, entretanto, é fundamental para certos nomes, que a trazem desde sua origem. Por exemplo, o patronímico ‘França’ que usamos e que pertence a velha família paulista, na verdade vem a ser ‘de França’, porque é oriundo de Antonio Galvão de França, pai do histórico Frei Galvão e tronco da estirpe no Brasil. Não obstante, grande parte dos seus descendentes não usam o ‘de’, o mesmo se dando com os Arrudas, os Camargos, os Barros, etc.” (ob. cit., pág. 60).

Destarte, a conformação do nome do próprio doutrinador, Rubens Limongi França, revela, na senda do raciocínio exposto, a possibilidade de não utilização da partícula, porquanto descendente de Antonio Galvão de França (do qual, aliás, também descende o magistrado prolator do presente parecer), que, na origem, trazia o “de” no sobrenome.

Com efeito, motivos de ordem prática e, mesmo, estética, podem revelar, por vezes, a conveniência de se prescindir da partícula.

Basta ter em mente que, como lembrado pelo mesmo Prof. Limongi França, o nome “pode ser simples ou composto, isto é, formado de um ou mais nomes que se destinam a caracterizar individualmente o seu portador. Exemplo de prenome simples: José. De composto: José Antonio” (ob. cit., pág. 57). E, “tal como o prenome, o apelido de família pode ser simples ou composto” (ob. cit., pág. 59).

Dentre os sobrenomes compostos, há aqueles assim transmitidos, sem mutação, ao longo de diversas gerações, que identificam uma família específica (v.g., “Paes Leme”, “Xavier da Silveira”, “de Paula Santos”, “de Arruda Botelho”, “de Almeida Prado” etc.) e aqueles formados por cumulação de apelidos paternos e maternos no momento do registro. Nesta última hipótese, pode ser imaginado exemplo concreto para demonstrar que nem sempre convém a manutenção da partícula (ou de todas as partículas).

Assim, caso se considerasse obrigatório mantê-la sempre, como sustentado no recurso, poder-se-ia cogitar, v.g., da seguinte situação: João da Silva e Maria da Costa se casam e têm o filho Marcos da Costa da Silva. Por sua vez, casam-se Lucas da Fonseca e Ana da Cunha, cuja filha vem a se chamar Rosa da Cunha da Fonseca. Convolando núpcias Marcos e Rosa e querendo que seu filho mantenha os aludidos sobrenomes, este teria de se chamar Mateus da Cunha da Fonseca da Costa da Silva.

Sobejamente sabido que não é exigível a repetição de partículas e que isso, normalmente, não ocorre na prática (embora seja possível optar por conservá-las todas). Com efeito, a hipótese aventada não é nenhuma raridade. Ao contrário, mostra-se, até, freqüente e pode se verificar, também, pela combinação de três, ou, mesmo, de dois sobrenomes. Nesta esteira, dificilmente se encontra alguém com apelido composto que apresente mais de uma partícula no nome.

Nem sob o influxo de preocupações nobiliárquicas se alcançaria solução diversa. Basta observar o exemplo da família imperial brasileira, cujo atual chefe assina D. Luiz de Orleans e Bragança. Constata-se, com efeito, que os descendentes do casamento de Isabel de Bragança (a Princesa Isabel) com Gastão de Orleans (Conde D’Eu) adotaram o sobrenome composto “de Orleans e Bragança” (e não “de Orleans de Bragança”), que até hoje perdura. Evitou-se a repetição do “de”, lançando-se mão da conjunção aditiva.

Outras famílias empregaram, igualmente, a conjunção (p.ex.: “de Lima e Silva”, “de Marins e Dias”, “Pacheco e Silva” etc.).

Dessume-se, enfim, que a orientação segundo a qual a opção por não utilizar a partícula (ou todas as partículas) desnatura o sobrenome é demasiado formalista e sem espeque nos usos consagrados. Isto não obstante se reconheça que casos há nos quais o “de” apresenta valor histórico e estético e que, salvo o desiderato de evitar repetição pleonástica, seria de bom gosto preservá-lo.

Por outro lado, à luz do art. 55 da Lei nº 6.015/73, configura, em regra, prerrogativa do declarante “indicar o nome completo” da criança a ser registrada.

No caso vertente, houve reconhecimento, foi fornecido o nome completo e não se constata exposição ao ridículo.

Diante do exposto, é no sentido de que seja negado provimento ao recurso o parecer que, mui respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência.

Sub censura.

São Paulo, 20 de outubro de 2009.

JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO – Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto. Publique-se. São Paulo, 22 de outubro de 2009. REIS KUNTZ – Corregedor Geral da Justiça.