CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa improcedente. Legitimidade recursal do apresentante. Apresentação das certidões negativas de débitos do INSS e da Receita Federal quando da escritura pública de compra e venda. Desnecessidade de sua atualização quando do registro do título. Pretensão de registro deferida. Recurso a que se dá provimento.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 72.034-0/7, da Comarca de CATANDUVA, em que é apelante SÉRGIO LOMA e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS, CIVIL DE PESSOA JURÍDICA E 1º TABELIÃO DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MÁRCIO MARTINS BONILHA, Presidente do Tribunal de Justiça, e ALVARO LAZZARINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. São Paulo, 07 de Junho de 2001.

(a) LUÍS DE MACEDO, Corregedor Geral da Justiça e Relator

V O T O

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa improcedente. Legitimidade recursal do apresentante. Apresentação das certidões negativas de débitos do INSS e da Receita Federal quando da escritura pública de compra e venda. Desnecessidade de sua atualização quando do registro do título. Pretensão de registro deferida. Recurso a que se dá provimento.

Cuida-se de apelação interposta por Sérgio Loma contra sentença prolatada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Catanduva, que julgou procedente dúvida suscitada e manteve recusa oposta ao registro de escritura pública de venda e compra datada de 23 de outubro de 1997 e lavrada nas notas do 2º Tabelião da mesma localidade (L. 461, f.184) e a posterior escritura de retificação e ratificação, esta lavrada nas mesmas notas (L. 471, f. 353) e datada de 22 de julho de 1999, ambas outorgadas por Neofarm Organização Farmacêutica Ltda. a Eduardo Canhaço e Maurício Ruiz, com referência ao imóvel sito à Praça Monsenhor Albino, 58, Município e Comarca de Catanduva e transcrito sob o número 5.239 no ofício predial já mencionado.

A decisão atacada (f. 53/55) fundou-se na necessidade de apresentação de certidões negativas de débito previdenciário e fiscal federal atualizadas, dado o disposto no art. 47, inc. I, alínea ‘b’ da lei federal nº 8.212/91, eis que vencido o prazo de validade das certidões exibidas quando da lavratura do primeiro instrumento público em questão.

O recorrente (f. 61/65) argumenta que quando da aquisição não pesava qualquer dívida sobre a alienante, só cabendo a esta própria a apresentação de tais documentos. Ademais, a propriedade já teria sido adquirida, restando apenas a regularização da situação já concretizada. Pede a reforma do ‘decisum’, a fim de que se ordene o registro postulado.

O Ministério Público, em ambas as instâncias, opinou seja negado provimento à presente apelação (f. 68/69 e 73/74).

É o relatório.

Muito embora o apelante não seja mencionado no título e não tenha apresentado instrumento de procuração, capaz de lhe conferir poderes suficientes para atuar em nome dos outorgados mencionados na escritura pública em pauta, é preciso frisar, antes de mais nada, estar presente sua legitimidade para requerer a suscitação de dúvida, o que, também, implica na legitimidade para interpor o recurso de apelação.

Ao conferir legitimidade para qualquer pessoa postular a prática de ato registrário e para requerer a suscitação da dúvida, o texto dos arts. nºs. 198 e 217 da lei fed. nº 6.015/73 legitima o simples apresentante do título a recorrer da sentença que julgar a dúvida, malgrado a expressão ‘interessado’, constante dos arts. nºs. 199, 200 e 202 do mesmo diploma legal acima referido.

Ao remeter o título ao registrador, sujeitando-se a todos os ônus decorrentes, inclusive ao pagamento de custas e emolumentos, o apresentante demonstra interesse e deve ser tido como interessado (Ap. Cív. nºs. 1.675-0, da Comarca de Guarulhos, 2.178-0, da Comarca de Jacupiranga e 1.630-0, da Comarca de Andradina).

Superada esta questão prévia, no mérito, cabe reconhecer não assistir razão ao apelante. A controvérsia se prende, cumpridas três das quatro exigências formuladas inicialmente, apenas à obrigatoriedade da exibição de certidão negativa de débito previdenciário e fiscal federal atualizadas, eis que, lavrada escritura pública de venda e compra por uma empresa, decorreram, aproximadamente, dois anos entre a prática do ato notarial e a recepção do título extrajudicial pelo registrador e, por isso, escoou-se o prazo de sua validade (f. 09/10).

A exigência de apresentação de certidões negativas de débitos previdenciários e fiscais decorre do texto do art. 47, inc. I, letra ‘b’ da lei 8.212/91, que exige a exibição de tais certidões quando da oneração ou alienação de bens imóveis pertencentes a empresas.

Assim, a questão a ser decidida refere-se ao momento da exigência da CND do INSS e da Receita Federal, expresso em lei como sendo o da alienação.

Exige a lei documento comprobatório de inexistência de débito relativo às contribuições sociais da empresa, fornecido pelos órgãos competentes, entre outras hipóteses, ‘na alienação…, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo’ (lei nº 8.212/91, art. 47, inc. I, ‘b’).

‘Alienar’, segundo Rubens Limongi França, ‘quer dizer transmitir a outrem, passar o que é seu para o patrimônio alheio (de ‘alienus’, a, um)’ (in ‘Enciclopédia Saraiva do Direito’, vol. 6º, pág. 40). ‘Do latim ‘alienare’, significa transferir o domínio para outrem, tornar alheio bem ou direito.

A alienação é ato voluntário e inter vivos que tem por substância a passagem de um bem ou direito de uma pessoa para outra (CC, art. 589, I)’ (op. cit., pág. 96). Alienação, na conceituação de De Plácido e Silva, ‘é o termo jurídico, de caráter genérico, pelo qual se designa todo e qualquer ato que tem o efeito de transferir o domínio de uma coisa para outra pessoa, seja por venda, por troca ou por doação…’ e ‘…somente se torna perfeita após a tradição da coisa, quando móvel, e pelo registro ou transcrição do título de transferência, quando imóvel…’ (in ‘Vocabulário Jurídico’, vol. I, Forense, 12ª ed., 1993, págs. 132 e 133).

‘Alienar é verbo que significa a ação de passar para outrem o domínio de coisa ou o gozo de direito que é nosso. Está assim o vocabulário, na tecnologia jurídica, em acordo com o radical de que se formou, ‘alius’, palavra latina que significa outrem. ‘Alienare’ é, portanto, tornar de outrem a coisa que era nossa e que se lhe transferiu por título inter vivos, seja gratuito ou oneroso’ (op. cit., pág. 134).

A alienação, iniciada na celebração válida do negócio jurídico translativo, completa-se e aperfeiçoa-se com a posterior inscrição do título, que o instrumentaliza no registro imobiliário, ‘ex vi’ dos arts. 530, inc. I, 531 e 533 do CC. Orlando Gomes, a propósito, bem observava que: ‘Sem transcrição, não se adquire inter vivos a propriedade de bem imóvel. É seu principal modo de aquisição. Não basta o título translativo. Preciso é que seja registrado. Do contrário, não opera a transferência, a que, simplesmente, serve de causa.

Assim é nos sistemas jurídicos, como o nosso, que não reconhecem força translativa aos contratos. Neles, o negócio jurídico, que tenha a função econômica de transferir o domínio, produz, tão-somente, a obrigação de a transferir.

Quem quer adquirir a título oneroso um bem de raiz serve-se do contrato de compra e venda, instrumentado numa escritura pública, que é apenas o ‘titulus adquirendi’, da propriedade da coisa comprada. Para que a transferência se verifique, isto é, para que o comprador se torne o dono da coisa comprada, é preciso que o título de aquisição seja registrado no Ofício de Imóveis’ (in ‘Direitos Reais’, Forense, 6ª ed., 1978, pág. 137).

O Código Civil, a propósito, ao arrolar a alienação como uma das causas extintivas da propriedade imobiliária (art. 589, I), dispôs que, nessa hipótese, a perda do domínio se subordina à transcrição do título transmissivo no registro do lugar imóvel (art. 589, § 1º).

Assim, a apresentação das certidões da Receita Federal e do INSS ao registrador tem sido motivo constante de incertezas, em vista de várias situações, sendo uma delas exatamente a do presente caso, em que imóvel pertencente a pessoa jurídica é alienado sendo apresentadas, quando da lavratura do instrumento público, certidões negativas de débito.

Consta da escritura pública que a cedente exibiu ao notário certidão negativa de débito – CND nº 912.122, expedida pelo INSS, em 24 de abril de 1.997, a certidão de quitação de tributos federais e de contribuições federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, expedida em 24 de abril de 1997 (f. 09/12).

Este Conselho Superior da Magistratura, até recentemente, posicionava-se, embora por maioria de votos, pela exigência das certidões atualizadas. Mostra-se, no entanto, mais razoável, considerando-se que a questão é de ordem fiscal, o entendimento de que não se justifica reapresentá-las no momento do registro.

A lei nº 8.212/91, em seu art. 48, dispõe que a prática do ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, anulando o ato para todos os efeitos.

Tais dispositivos levam ao entendimento de que é dever do notário exigir a certidão para a lavratura do ato, só se justificando a exigência pelo registrador de forma alternativa quando não for ela apresentada na ocasião em que lavrado o instrumento.

A lei obriga ao notário, em primeiro lugar, exigir as certidões para a prática do ato. Portanto, sendo necessária para a lavratura da escritura a apresentação das certidões, não é de ser exigida novamente quando do registro.

Estando o título público em observância à legislação vigente, porta aptidão para ingressar no fólio real. Ressalte-se que a escritura pública de compra e venda espelha, outrossim, a transferência da posse do imóvel ao comprador, o que lhe outorga legitimidade para defendê-lo em embargos de terceiros contra eventuais penhoras em execução previdenciárias ou das Fazendas Públicas.

A atividade notarial e de registro há de ser exercida de forma a viabilizar o comércio imobiliário e a regularidade das mutações dominiais, não se justificando, mesmo em face da possibilidade de que, entre a data da lavratura do ato notarial e o registro, tenham ocorrido fatos geradores de outros débitos tributários, a exigência da apresentação de novas certidões negativas para o registro, quando tal obrigação já foi satisfeita por ocasião da lavratura da escritura pública de compra e venda, ato integrante do complexo negócio jurídico tendente à alienação do bem imóvel, dotado de fé pública e que viabiliza ao fisco o pleno exercício da atividade fiscalizatória inerente à tributação.

Melhor examinando as questões postas, verifica-se, pois, a insubsistência do óbice pertinente à necessidade de apresentação de novas certidões negativas de débitos para com o INSS e a Receita Federal, uma vez válidas as apresentadas por ocasião da lavratura da escritura pública de compra e venda, o que impede a manutenção da decisão de primeiro grau.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para determinar o registro do título em questão.

(a) LUÍS DE MACEDO, Relator e Corregedor Geral da Justiça