1ª VRP|SP: Registro. Formal de Partilha. Cônjuge sobrevivente. Sucessão ocorrida na vigência do Código Civil revogado e por ele deve ser processado. Direito ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido. Dúvida improcedente.
Processo 0011105-48.2012.8.26.0100
CP 88
Dúvida – Registro de Imóveis
16º Oficial de Registro de Imóveis
Maria Lúcia da Costa
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro de formal de partilha expedido nos autos de inventário conjunto dos bens deixados por Otília Gomes da Costa e Manoel Silvino da Costa.
Sustentou a Oficial que o título judicial contemplou quem não é herdeiro, pois Olga, segunda esposa do falecido Manoel, não ostenta tal qualidade e mesmo assim recebeu usufruto de imóvel. Disse a Oficial, ainda, que o formal deve ser aditado para corrigir o pagamento da única filha do casal. A suscitada Maria Lúcia da Costa impugnou a dúvida (fls. 83/84).
A representante do Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 86/87).
É o relatório. Decido.
De início, ressalto ser pacífico o entendimento no E. Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo de que, independentemente da origem do título (judicial ou extrajudicial), a qualificação registral por parte do Registrador não só é possível como é necessária. Neste sentido: “Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada improcedente – Negativa de registro de carta de adjudicação Título de origem judicial que também está sujeito à qualificação Imóvel que não estava em nome do autor da herança Violação do princípio da continuidade Princípio da cindibilidade do título Certidão negativa de débito que traz dúvidas a respeito da identificação do imóvel – Recurso não provido” (Ap. Civ. 990.10.247.068-7, j. em 14/09/2010 Rel. Des. Munhoz Soares).
No caso dos autos, o formal de partilha foi extraído do inventário conjunto dos bens deixados por Otília e Manoel. Na partilha dos bens deixados por Otília, cujo falecimento ocorreu antes (1984 – fls. 24), o viúvo Manoel recebeu sua meação no único imóvel do casal, e a outra metade coube à suscitada, única filha que sobreveio da união. Já na partilha dos bens deixados por Manoel, falecido em 1991 (fls. 25), a metade do imóvel foi recebida pela suscitada.
No entanto, Olga, segunda esposa de Manoel, foi contemplada com o usufruto de 25% desta metade ideal. A Oficial sustenta que Olga, por não ser herdeira, só poderia receber o usufruto do imóvel se a suscitada o instituísse por meio de outro título. Sem razão a Oficial. Com efeito, pelo que se nota da r. decisão copiada a fls. 57, no processo de inventário, de modo correto, foi reconhecido em favor da segunda esposa de Manoel o direito estatuído no art. 1.611, §1º, do Código Civil de 1916, que tem a seguinte redação: “§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do “de cujus””.
A segunda esposa de Manoel se enquadra perfeitamente no dispositivo acima transcrito, porquanto se tornou viúva e era casada no regime da separação obrigatória de bens (fls. 28). Note-se que o falecimento de Manoel ocorreu em 1991 (fls. 25), ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, de forma que é indiscutível que as regras sucessórias aplicáveis são as previstas no diploma revogado (art. 1.577 do Código Civil de 1916 e art. 1.787 do Código Civil de 2002).
Assim, desnecessária a apresentação de título novo que institua o usufruto de parte do imóvel em favor da segunda esposa de Manoel, pois isso já é feito, de acordo com as regras vigentes no momento da abertura da sucessão, por meio do formal de partilha levado a registro.
Por esses motivos, fica afastada a primeira exigência. Afasto, também, a exigência relativa à necessidade de aditamento do formal de partilha “para corrigir o pagamento a filha, que terá ficado com da plena propriedade (além da metade recebida no inventário da mãe) da nua propriedade” (fls. 9). Há de se esclarecer, primeiramente, que, como corretamente constou na partilha homologada (fls. 72 e 74), o usufruto em favor de Olga se limita à quarta parte dos bens de Manoel. Como Manoel tem metade de um imóvel, o usufruto que cabe a Olga é de apenas 1/8 do imóvel, ou 12,5% do bem. O aditamento do título apontado pela Oficial é prescindível, pois a simples referência ao usufruto de Olga sobre 12,5% do bem faz presumir que a propriedade da suscitada, que se tornará a única proprietária do imóvel descrito na matrícula nº 32.024 do 9º RI (fls. 5), não é plena em relação ao todo, mas apenas em relação a 87,5% do imóvel.
Ante o exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Maria Lúcia da Costa, cujo título objeto da dúvida foi prenotado sob o nº 398.814, para afastar as exigências formuladas. Para os fins do art. 203, II, da Lei nº 6015/73, servirá esta de mandado, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/08, da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.
São Paulo, 20 de abril de 2012. Carlos Henrique André Lisboa – Juiz de Direito
(D.J.E. de 07.05.2012)