Jurisprudência Selecionada: CSM|SP: Registro de Imóveis. Dúvida. Doação de dinheiro destinado à aquisição de imóvel, gravado com cláusula de incomunicabilidade, atos esses realizados simultaneamente e na mesma escritura. Doação Modal. Aceita a doação, vincula-se o donatário ao modo e condições encetados no ato. Validade e eficácia do título. Registro deferido.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Petição n° 237.990, da comarca de São Paulo, em que é agravante o 1º Curador de Registros Públicos e agravado Juvenal Antonio Frizzo:

A C O R D A M, em sessão do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em repelir a preliminar e negar provimento ao recurso.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Sr. Oficial do 6º Cartório de Registro de Imóveis da Capital, que recusou o registro da escritura de fls. 7/8 v., sob alegação de englobar ela uma doação da quantia de Cr$ 220.000,00 e a aquisição pela donatária, com esse dinheiro, de um imóvel gravado com cláusula de incomunicabilidade, posto que nenhuma cláusula poderia recair sobre o imóvel, que não foi objeto da doação.

A respeitável sentença de fls. 22/27, desacolhendo o parecer do Dr. Curador, que entendia estar o suscitante assistido de razão, já que “não é possível, num só ato, misturar uma doação de dinheiro e uma compra e venda de imóvel “com restrições, julgou improcedente a dúvida sob fundamento de que “a donatária recebeu o dinheiro gravado, com a referida cláusula, fazendo sponte propria a sub-rogação desse vínculo, que pesava sobre o dinheiro, para o imóvel com ele adquirido”.

A douta Procuradoria, após argüir ser o apresentante do título parte legítima para opor impugnação à dúvida, opinou no mérito pelo provimento do recurso, concordando com as objeções levantadas pelo Dr. Curador.

Desde logo, repele-se a preliminar argüida pelo douto Procurador da Justiça oficiante, posto que, se o doador pode, nos termos do artigo 857, inciso III, do Código Civil, promover a transcrição do título, tem ele obviamente legitimidade para impugnar dúvida do Oficial do Registro de Imóveis, que se recusou a proceder ao registro.

No mérito, a respeitável sentença merece confirmação, embora sob fundamento jurídico diverso, eis que não há, data venia necessidade de se valer do instituto da sub-rogação de vínculo, em nenhum momento invocado pelas partes contratantes, para se reconhecer validade e legitimidade ao título a ser transcrito.

É que no caso nada mais houve do que uma doação modal, pois, pela escritura de fls. 7/8 v., Juvenal Antonio Frizzo e sua mulher doaram à sua filha Maria Cecília Frizzo Caldeira a quantia de Cr$ 220.000,00 destinada à compra do imóvel situado à Rua General Feliciano Falcão, ns. 162, 166, 168 e 170, gravado com a cláusula de incomunicabilidade, atos esses realizados simultaneamente e na mesma escritura.

Como diz PONTES DE MIRANDA, “na doação modal, o donatário é vinculado ao modus” (“Tratado de Direito Privado”, vol. 46/205), explicitando ENNECCERUS, KIPP e WOLFF que “llámase modo a la determinación anãdida a una donación (o disposición de última voluntad) de que el donatario venga obligado a una prestación” (“Tratado de Derecho Civil”, 2º tomo/II, pág. 134, da 2ª ed. da trad. espanhola).

Em suma, com a doação modal, surge uma “obrigação que o donatário assume com o só fato de aceitá-la, e que pode ser exigida, e, até sancionada com a revogação do benefício” (CAIO MÁRIODA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, vol. III/165/166), lição encontradiça tambémem WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO(“Curso, Direito das Obrigações”, 1959, pág. 139 e segs.) e ORLANDO GOMES (“Contratos”, 1966, pág. 207 e segs.).

Ora, na specie sub juris, doou-se a quantia de Cr$ 220.000,00 sub modus, ou seja, para que com ela fosse adquirido determinado imóvel clausulado de incomunicabilidade, atos esses que, ao contrário do pretendido pelo Ministério Público de ambas as instâncias, podiam ser realizados na mesma escritura, eis que, ainda na lição de PONTES DE MIRANDA, “no contrato de doação pode-se estabelecer que o modus seja atendido simultaneamente à prestação com que se concluiu o contrato” (ob. cit., pág. 209).

E sobre a legitimidade do ato ainda prelecionam ENNECCERUS, KIPP e WOLFF que “corrientemente el modo se dirige a que la atribución patrimonial recebida o el valor de la misma sean empleados, total o parcialmente, de una manera determinada, pelo cabe también cualquier outro contenido que pueda ser objeto de una obligación” (ob. cit., pág. 134).

Aliás, os nossos WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, PONTES DE MIRANDA e AGOSTINHO ALVIM mencionam expressamente exemplos de doação em dinheiro para ser empregada de maneira determinada. E AGOSTINHO ALVIM cita exemplo de doação em dinheiro para compra de uma fazenda (in “Da Doação”, Saraiva, 1972, pág. 246), espécie que não é um tudo idêntica à dos autos, porque aqui o modus ainda exige que o bem adquirido com o dinheiro seja clausulado de incomunicabilidade, modus que não beneficia somente a donatária, mas também a prole, porquanto com a cláusula é evitada a delapidação do bem que refoge do patrimônio comum.

Em suma, a escritura de fls. 7/8 v., está conforme o direito, sendo passível de registro (artigo 215, do Regulamento de Registros Públicos), que não depende de qualquer outra exigência fiscal, como pareceu aos ilustres representantes do Ministério Público, pois, como bem o disse a respeitável sentença, não “cabe falar em recolhimento do imposto de transmissão, visto como não tendo havido dupla transmissão do imóvel, ele só incide uma só vez” (fls. 26).

Por conseguinte, em harmonia com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

São Paulo, 12 de Novembro de 1974.

GENTIL DO CARMO PINTO, Presidente,em exercício. MÁRCIO MARTINS FERREIRA, Corregedor-Geral da Justiça e Relator. YOUNG DA COSTA MANSO, Vice-Presidente, em exercício.