1ª VRP|SP: Pedido de providências – Registro de imóveis – Cancelamento de registro de compromisso de compra e venda – Pretensão fundada em cláusula resolutiva expressa e ata notarial unilateral de constatação de inadimplemento – Impossibilidade – Artigo 7º-a, § 2º, da Lei nº 8.935/94 exige comparecimento de todas as partes – Ausência de título hábil para cancelamento unilateral nos termos do artigo 250, III, da LRP – Prevalência do procedimento específico do artigo 251-A da LRP para hipóteses de inadimplemento – Necessidade de notificação do devedor para purgação da mora, ainda que pactuada cláusula resolutiva expressa – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – Manutenção do óbice registrário – Pedido julgado procedente para manter a recusa.

Sentença

Processo nº: 1097504-09.2025.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital Requerido: João Boyadjian Filho

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de João Boyadjian Filho, diante de negativa em se proceder ao cancelamento de registro de compromisso de venda e compra envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 90.401 daquela serventia.

O Oficial informa que foi apresentado requerimento em 10.06.2025 (prenotação n. 687.459), pleiteando o cancelamento do registro n. 08 da matrícula n. 90.401 da serventia, relativo ao registro de compromisso de venda e compra celebrado entre os titulares de domínio João Boyadjian Filho, Guilherrme Boyadjian e Marina Boyadjian Brandão Teixeira e NSI Real Estate Ltda.; consta do requerimento, que a avença foi celebrada com cláusula resolutiva expressa e, diante do inadimplemento contratual, providenciou a intimação da promissária compradora, via Cartório de Títulos e Documentos, para purgar a mora em 15 dias, tendo a intimação resultado positiva, sem que a promissária compradora realizasse o pagamento do débito, fatos esses constatados em ata notarial lavrada pelo 27º Tabelião de Notas de São Paulo, em 27.05.2025; que a parte argumenta que a ata notarial lavrada com a finalidade de constatar e certificar a resolução do contrato celebrado entre as partes constitui título hábil ao ingresso no fólio real, nos termos do art. 7º-A, § 2º, da Lei n. 8.935/94, podendo, portanto, embasar o pedido de cancelamento do registro, na forma dos artigos 249 e 250, III, da Lei n. 6.05/73; que o título foi qualificado negativamente, sob os seguintes fundamentos: (i) não é possível realizar o cancelamento unilateral na forma pretendida, uma vez que a hipótese não se subsume ao artigo 250, III, da LRP; (ii) a Lei n. 14.711/23 tratou da possibilidade de o Tabelião de Notas figurar como mediador, conciliador ou árbitro, e, dentro deste contexto, é que a ata poderá constituir em título hábil para fins do artigo 221 da LRP, com a participação de ambas as partes, o que não ocorreu na espécie; (iii) quanto à cláusula resolutiva expressa, esta questão somente pode ser conhecida pelo juízo cível competente para tanto, não havendo atribuição ao extrajudicial para este reconhecimento; que facultou-se aos interessados, ainda, solicitar a instauração do procedimento previsto no artigo 251-A da LRP; que o suscitado insurgiu-se contra a nota de devolução, alegando que (a) a cláusula resolutiva expressa tem o condão de operar, automaticamente, a resolução do contrato e fundamentar o cancelamento do registro, (b) é desnecessária a adoção do procedimento de intimação previsto no artigo 251-A da Lei de Registros Públicos uma vez que a resolução contratual se deu automaticamente e a promissária compradora já foi notificada via RTD; que o dispositivo de cancelamento invocado, ou seja, o artigo 250, III, da LRP, somente é aplicável para os casos que não dizem respeito a questões que demandem o contraditório e a ampla defesa, as quais não são de atribuição do Registro de Imóveis, ou seja, a lei obsta a prática de atos pelo Oficial que dependam da análise de elementos intrínsecos do título levado a registro ou averbação; que a cláusula resolutiva expressa não pode ser reconhecida pelo extrajudicial, mas tão somente pelo juízo cível competente; que, nesse sentido, decisão proferida por este juízo nos autos do processo n. 1181858-98.2024.8.26.0100; que a Lei n. 14.711/23 prevê a possibilidade de o Tabelião de Notas lavrar ata notarial para constatar ocorrência de condições negociais, a pedido das partes contratantes, não sendo o que ocorre no presente caso, em que a ata foi lavrada a pedido apenas dos promitentes vendedores; que os promitentes vendedores poderiam promover a intimação extrajudicial da devedora na forma prevista no artigo 251-A da Lei de Registros Públicos; e que, nesse contexto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/03).

Documentos vieram às fls. 04/91.

Em impugnação apresentada nos autos, a parte interessada aduz que a inadimplência da promissária compradora, a regularidade da interpelação extrajudicial, a ausência de purgação da mora por parte da parte adquirente e a resolução de pleno direito da promessa de venda e compra foram constatadas por meio de ata notarial lavrada em 27.05.2025; que a ata notarial lavrada com a finalidade de constatar e certificar a frustração e a resolução do negócio jurídico constitui título hábil ao ingresso no fólio real, nos termos do artigo 7º-A, § 2º, da Lei n. 8.935/94, podendo ensejar o cancelamento do registro da promessa de venda e compra na forma dos artigos 249 e 250 da LRP; que a cláusula resolutiva expressa lançada nos compromissos de venda e compra de imóveis não loteados é dotada de plena eficácia, conforme artigo 1º do Decreto-Lei n. 745/69; que, operada a resolução de pleno direito da promessa de compra e venda e extinto o direto real de aquisição, não há razões para que subsista o registro da promessa de venda e compra na matrícula do imóvel, impondo-se a averbação de seu cancelamento, que se mostra viável conforme artigo 246 da LRP; que o legislador conferiu ao tabelião de notas a atribuição de lavrar ata notarial que se qualifica como título hábil para fins de registro, nos termos do artigo 221 da LRP; que a expressão “a pedido das partes” do § 2º do artigo 7º-A da Lei n. 8.935/94 deve ser compreendida como “a pedido de qualquer das partes”; que a lavratura da ata notarial consiste em mera certificação pública do fato resolutivo já consumado, sem necessidade de manifestação conjunta das partes ou intervenção judicial; que referida ata notarial pode embasar o presente requerimento de cancelamento de registro, na forma dos artigos 249 e 250 da LRP; que a instauração do procedimento previsto no artigo 251-A da LRP teria cabimento caso a promessa de venda e compra não houvesse se resolvido de pleno direito por força da cláusula resolutiva expressa; e que, portanto, o óbice do Oficial deve ser afastado, com o cancelamento do registro do compromisso de venda e compra (fls. 92/111).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 115/116).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice.

Na Lei n. 6.015/1973, há disposição legal expressa sobre o cancelamento de registro, que precisa se enquadrar em algumas das hipóteses a seguir dispostas (nossos destaques):

“Art. 248 – O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.

“Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:

I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;

II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;

III – a requerimento do interessado, instruído com documento hábil;

IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público.”

No caso concreto, a parte interessada apresentou requerimento, pleiteando o cancelamento do registro n. 08 da matrícula n. 90.401 do 4º RI, relativo ao registro do instrumento particular de promessa de venda e compra celebrado em 24 de junho de 2024, entre os titulares de domínio João Boyadjian Filho, Guilherrme Boyadjian e Marina Boyadjian Brandão Teixeira e a promitente compradora NSI Real Estate Ltda. (R.08/90.401, de 20.01.2025 – fls. 90).

O requerimento foi formulado unilateralmente pelo titular de domínio e promitente vendedor, João Boyadjian Filho, com base na hipótese de cancelamento de registro prevista no artigo 250, inciso III, da Lei n. 6.015/73, tendo apresentado, como “título hábil”, uma “ata notarial de constatação de resolução negocial em decorrência de cláusula resolutiva expressa” lavrada em 27 de maio de 2025, pelo 27º Tabelião de Notas de São Paulo (Livro 2916, pág. 379).

Consta na ata notarial, que aos 27 de maio de 2025, compareceram perante o escrevente autorizado do 27º Tabelião de Notas da Capital, como requerentes, João Boyadjian Filho, e sua esposa Roberta Prado Viñas Boyadjian, Guilherrme Boyadjian e Marina Boyadjian Brandão Teixeira, assistidos no ato pelo seu advogado, os quais requereram: “a lavratura da ata notarial para fins de constatação da frustração de negócio jurídico e consequente resolução contratual, em decorrência de cláusula resolutiva expressa, nos termos da Lei n. 8.935/94, com a redação dada pela Lei n. 14.711/2023, em seu art. 7º-A, inciso I e parágrafo 2º” (sic.) (fls. 34); e disseram que celebraram, em 24 de junho de 2024, instrumento particular de promessa de venda e compra com a empresa NSI Real Estate Ltda, do imóvel da matrícula n. 90.401 do 4º RI, pelo valor de R$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de reais), a ser pago pela compradora à vendedora em doze parcelas mensais e sucessivas (fls. 86/91).

Da leitura do documento notarial, extrai-se que o escrevente autorizado daquelas Notas lavrou que constatou que “houve a efetiva resolução do negócio jurídico celebrado entre as partes, ensejando o término da relação contratual, nos termos da cláusula resolutiva expressa prevista contratualmente, a qual foi formalizada notarialmente pelos requerentes nesta data”, in verbis:

“Da certificação da previsão de cláusula resolutiva expressa: “Como se constata a partir da cláusula retrotranscrita, o compromisso de compra e venda celebrado possuía previsão específica de cláusula resolutiva expressa vinculada à mora no pagamento e sua conversão em inadimplemento absoluto através da devida notificação, do que dou fé. Outrossim, constou ainda a seguinte cláusula relativa às notificações e comunicações durante a vigência da relação contratual: 14. (…).

Das alegações e documentos apresentados: certificação da previsão de cláusula resolutiva expressa: Alegaram os requerentes que: (…) (iii) que, após o pagamento da 1ª (primeira) parcela do preço do imóvel, a promitente compradora não efetuou nenhum outro pagamento; (iv) que, em virtude de descumprimento contratual por parte da aludida promitente compradora, especialmente no que tange ao pagamento das parcelas do preço do imóvel, com vencimento para 10/07/2024 (…) 10/08/2024 e 10/09/2024, as quais não foram pagas, restou, portanto, frustrada a finalidade negocial pactuada, inviabilizando a continuidade do vínculo contratual; (v) que, diante da situação de inadimplência da promitente compradora, os requerentes cuidaram que fossem promovidos os ritos necessários para a conversão da mora relativa em mora absoluta, com a interpelação da promitente compradora, mediante notificação extrajudicial realizada pelo 10º Oficial de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo, a fim de que esta purgasse a mora, sob pena de resolução de pleno direito do contrato, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, do Decreto-Lei 745/69; (v) que referida notificação foi dirigida à Sra. Mariana Ubeid, tendo sido entregue ao endereço da sede da promitente compradora, conforme estabelecido na cláusula retrotranscrita; (v) que, decorrido o prazo legal para a purgação da mora, sem que a promitente compradora realizasse o pagamento das parcelas vencidas e não pagas do preço do imóvel, acrescidas dos encargos moratórios e demais penalidades, operou-se os efeitos da cláusula resolutiva expressa, independentemente de intervenção judicial, como facultado pelo instrumento negocial e pelo Código Civil (art. 474), o que foi comprovado pelos seguintes documentos os quais permanecerão arquivados nestas notas (…)

Da constatação da resolução: Analisando os documentos apresentados, não encontrei qualquer depósito nas contas indicadas pelo instrumento contratual (…).Nesse sentido, não tendo encontrado, outrossim, indícios de adulteração dos documentos apresentados, bem como tendo conferido os extratos arquivados com o acesso, via aplicativo, por parte dos requerentes, em presença deste notário, em cada um dos celulares próprios, certifico não ter ocorrido o pagamento nos termos contratuais, nem tampouco ter sido afastada a resolução pelo pagamento pós-notificação, a qual, por fim, se operou conforme determinada a avença entre as partes, donde, tudo somado, certifico que, pelos documentos a mim apresentados, operou-se, de pleno direito, a cláusula resolutiva expressa prevista contratualmente. Diante das declarações e documentos apresentados, constato, na qualidade de escrevente do 27º Tabelião de Notas desta Capital e nos termos do artigo 7º-A, inciso I e § 2º, da Lei nº 8.935/1994, com a redação dada pela Lei nº 14.711/2023, que houve efetiva resolução do negócio jurídico celebrado entre as partes, ensejando o término da relação contratual, nos termos da cláusula resolutiva expressa prevista contratualmente, a qua tarialmente pelos requerentes nesta data.(…).” (fls. 34/38).

Pois bem. Como sabemos, com o advento da importante Lei n. 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, também foi introduzido o artigo 7º-A à Lei n. 8.935/94, com o seguinte teor (nossos destaques):

“Art. 7º-A Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades: (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

I – certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto; (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

I – atuar como mediador ou conciliador; (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

III – atuar como árbitro. (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023) (…)

§ 2º O tabelião de notas lavrará, a pedido das partes, ata notarial para constatar a verificação da ocorrência ou da frustração das condições negociais aplicáveis e certificará o repasse dos valores devidos e a eficácia ou a rescisão do negócio celebrado, o que, quando aplicável, constituirá título para fins do art. 221 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto. (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

(…)”

Por primeiro, a simples leitura do texto da lei deixa suficientemente claro que a eventual constatação depende fundamentalmente da prévia rogação e do comparecimento, no ato notarial, de todos os contratantes – as partes que celebraram o negócio jurídico.

Na situação em exame, porém, a ata notarial foi lavrada por rogação unilateral dos promitentes vendedores, ou seja, a constatação foi feita à revelia da promitente compradora NSI Real Estate Ltda.

Logo, não se constitui, de fato, como um título hábil, na forma da disposição literal do §2º e inciso I do artigo 7º-A da Lei n. 9.835/94, para fins do artigo 221 da Lei de Registros Públicos.

Também por isso, não há qualquer possibilidade de cancelamento do registro do instrumento particular de promessa de venda e compra por rogação de cancelamento formulada unilateralmente pelos promitentes vendedores, à revelia da promitente vendedora, uma vez que a hipótese não se enquadra ao disposto no inciso III do artigo 250 da Lei de Registros Públicos.

Portanto, mostra-se correto o óbice registrário.

Outrossim, convém observar que o instrumento particular de promessa de venda e compra celebrado em 24 de junho de 2024, entre os titulares de domínio a e a promitente compradora NSI Real Estate Ltda., foi apresentado para registro em 17 de dezembro de 2024, e o ato de registro n. 08 foi lançado na matrícula n. 90.401 do 4º RI, no dia 20 de janeiro de 2025 (R.08/90.401, de 20.01.2025 – fls. 90).

E, segundo consta na ata notarial, a notificação extrajudicial da promitente compradora para purgação da mora foi realizada pelo 10º RTD no dia 14 de outubro de 2024 (fls. 36/37), ou seja, em data muito anterior ao registro do compromisso de venda e compra, circunstância apta a indicar potencial conflito entre as partes.

Por segundo, releva destacar que o já foi consignado no r. Parecer nº 37/2025, da lavra da MMª. Juíza Assessora da Corregedoria, Doutora Cristina Aparecida Faceira Medina Mogioni, aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Francisco Eduardo Loureiro, nos autos do processo CG n. 2024/169246 (destaques nossos):

“(…)

Antes de manifestação específica sobre a criação da conta notarial, é preciso destacar a inconstitucionalidade que pesa sobre os parágrafos 1º e 2º da Lei nº 8.935/94, no que se refere à atribuição de competência aos tabeliães de notas para aferir a ocorrência de implemento ou frustração do negócio e proclamar sua eficácia ou a rescisão, haja vista invadir competência jurisdicional.

A decisão acerca do cumprimento do negócio jurídico, uma vez existente conflito de interesses entre as partes negociantes, é de competência do Poder Judiciário.

O Tabelião de Notas, que tem competência para lavrar Ata Notarial, só o faz para se referir a um fato jurídico, que verifica pessoalmente ou presencia.

Nesse sentido é o item 138 do Capítulo XVI do Tomo II das NSCGJ: ‘138. Ata notarial é a narração objetiva, fiel e detalhada de fatos jurídicos presenciados ou verificados pessoalmente pelo Tabelião de Notas’.

Então, relativamente ao cumprimento dos negócios jurídicos celebrados, a ata notarial que compete ao Tabelião de Notas lavrar deve se referir aos fatos jurídicos relacionados ao adimplemento ou à frustração, sem deles extrair consequências jurídicas para afirmar a eficácia do negócio ou sua rescisão, como dispõe o parágrafo 2º do artigo 7º-A da Lei nº 8.935/94.

Assim, por exemplo, diante de um contrato de venda e compra de bem imóvel, a ata notarial informará a respeito do cumprimento da obrigação, esclarecendo em que consistiu o pagamento, fazendo referência ao tempo e ao lugar em que se deu, enfim, informando todas as circunstâncias relevantes que envolvem o adimplemento das obrigações assumidas no negócio jurídico.

Não compete ao tabelião de notas, na ata notarial, extrair interpretação e conferir efeitos jurídicos sobre os fatos jurídicos que presencia ou verifica pessoalmente, como ocorreria se afirmasse o adimplemento ou a frustração do negócio jurídico, apesar de eventual insurgência de uma das partes negociantes.

Nem sempre é fácil aferir se o negócio jurídico foi executado a contento.

A discussão relativa ao adimplemento dos negócios jurídicos comumente é complexa e envolve alegações contraditórias das partes negociantes quanto aos elementos essenciais e acidentais do negócio jurídico.

Bem por isso é que, havendo conflito de interesses resistido, a discussão só se resolve no Judiciário, a teor do que dispõe o artigo 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição Federal.(CGJSP – Recurso Administrativo: 169.246/2024; Data de Julg /2025; Data DJ: 04/02/2025; Relator: Francisco Loureiro)

Conforme se extrai do r. Parecer aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça, assentou-se o entendimento Superior no sentido de que a ata notarial que compete ao Tabelião de Notas lavrar deve se referir aos fatos jurídicos relacionados ao adimplemento ou à frustração, sem deles extrair consequências jurídicas para afirmar a eficácia do negócio ou sua rescisão, como dispõe o parágrafo 2º do artigo 7º-A da Lei nº 8.935/94.

Recentemente, tal entendimento foi novamente confirmado pela E. Corregedoria Geral da Justiça, nos termos do r. Parecer n. 43/2025-E, da lavra da MMª. Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça, Doutora Stefânia Costa Amorim Requena, aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça, nos autos do processo CG n. 2024/00165757, e encontra-se em consonância com o artigo 9º do Provimento CNJ n. 197/2025 (destaques nossos):

“Art. 9º. Havendo divergência entre as partes sobre o implemento ou frustração das condições estabelecidas, o tabelião:

I – documentará a divergência em ata notarial;

II – suspenderá qualquer movimentação dos valores;

III – comunicará às partes sobre a necessidade de solução consensual ou judicial do conflito;

IV- manterá os valores depositados até acordo final entre as partes. Não havendo solução consensual ou judicial do conflito, o tabelião, sem fazer juízo de valor sobre os motivos da frustração do negócio, encerrará o procedimento, restituindo os valores depositados ao depositante, de acordo com as cláusulas estabelecidas no negócio.

§ 1º. Na hipótese do caput, o tabelião não decidirá sobre a eficácia ou rescisão do negócio jurídico, limitando-se a documentar os fatos verificados.

§ 2º. A partir da constatação definitiva da ocorrência ou frustração da condição negocial, parte dela ou do conjunto de condições, o tabelião de notas acessará o sistema eletrônico da instituição financeira conveniada e autorizará a transferência do valor estipulado pelas partes e depositado na “conta notarial” para a(s) conta(s) corrente(s) indicada(s) por uma das partes.”

Vê-se, assim, que os mesmos fundamentos assentados nos precedentes administrativos acima mencionados se aplicam ao caso ora em exame, de modo a corroborar a conclusão, na espécie, no sentido de que a “ata notarial de constatação de resolução negocial em decorrência de cláusula resolutiva expressa” lavrada em 27 de maio de 2025, pelo 27º Tabelião de Notas de São Paulo (Livro 2916, pág. 379), não se constitui como um “título hábil” para o cancelamento unilateral do ato de registro n. 8 da matrícula 90.401 do 4º RI.

Por terceiro, como bem esclarecido pelo Oficial, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda, ausente decisão judicial transitada em julgado ou distrato subscrito pelas partes contratuais, pode ser alcançado extrajudicialmente com observância de procedimento específico regulado pelo artigo 251-A da Lei n. 6.015/73:

“Art. 251-A. Em caso de falta de pagamento, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda de imóvel será efetuado em conformidade com o disposto neste artigo.

§ 1º. A requerimento do promitente vendedor, o promitente comprador, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado pessoalmente pelo oficial do competente registro de imóveis a satisfazer, no prazo de 30 (trinta) dias, a prestação ou as prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento, os juros convencionais, a correção monetária, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais ou despesas de conservação e manutenção em loteamentos de acesso controlado, imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança, de intimação, bem como do registro do contrato, caso esse tenha sido efetuado a requerimento do promitente vendedor.

§ 2º. O oficial do registro de imóveis poderá delegar a diligência de intimação ao oficial do registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.

§ 3º. Aos procedimentos de intimação ou notificação efetuados pelos oficiais de registros públicos, aplicam-se, no que couber, os dispositivos referentes à citação e à intimação previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

§ 4º. A mora poderá ser purgada mediante pagamento ao oficial do registro de imóveis, que dará quitação ao promitente comprador ou ao seu cessionário das quantias recebidas no prazo de 3 (três) dias e depositará esse valor na conta bancária informada pelo promitente vendedor no próprio requerimento ou, na falta dessa informação, o cientificará de que o numerário está à sua disposição.

§ 5º. Se não ocorrer o pagamento, o oficial certificará o ocorrido e intimará o promitente vendedor a promover o recolhimento dos emolumentos para efetuar o cancelamento do registro.

§ 6º. A certidão do cancelamento do registro do compromisso de compra e venda reputa-se como prova relevante ou determinante para concessão da medida liminar de reintegração de posse.”

Como se denota, o artigo 251-A da Lei de Registros Públicos descreve um procedimento próprio para o cancelamento (por falta de pagamento) de registro de  compromisso de venda e compra de bens imóveis não loteados. Com isso, a regra legal específica prevista no artigo 251-A prepondera sobre a regra geral do artigo 250, inciso III, da Lei de Registros Públicos.

Por quarto, a existência de cláusula resolutiva expressa no contrato celebrado entre as partes não afasta a necessidade de prévia interpelação, judicial ou extrajudicial, da parte inadimplemente para constituição em mora, conforme recente julgado da E. Corregedoria Geral da Justiça a respeito do tema (destaques nossos):

“DIREITOS REAIS – COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE BEM IMÓVEL NÃO LOTEADO – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – CANCELAMENTO RECUSADO – RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame. 1. A interessada, ora recorrente, promitente vendedora, pretende, fundada em cláusula resolutiva expressa, o cancelamento administrativo de registro de promessa de venda e compra, provando a inadimplência da promitente compradora. 2. Irresignada com o juízo de desqualificação registral, que afastou a incidência do art. 250, III, da Lei nº 6.015/1973, pediu a suscitação de pedido de providências. 3. Inconformada com a r. sentença, por ela considerada nula, interpôs, reproduzindo suas manifestações anteriores, apelação, recebida como recurso administrativo. II. Questão em Discussão. 4. Aplicabilidade da regra do art. 250, III, da Lei nº 6.015/1973; a existência de documentos hábeis autorizadores do cancelamento. 5. A pertinência da notificação prévia do devedor a purgar da mora, então como condição do cancelamento. III. Razões de Decidir. 6. A nulidade da sentença não está configurada: ora, as questões relevantes foram apreciadas, resolvendo-se o dissenso em sintonia com os fundamentos expostos. 7. O compromisso de venda e compra registrado não se ressente de defeito formal, de vício extrínseco ao título; era formalmente apto ao registro, autorizado, ademais, em atenção ao negócio jurídico nele consubstanciado. 8. O controle registral do pagamento do preço não era exigido; o lapso temporal decorrido desde a contratação não era obstativo do registro. 9. O título registrado não estabelece, em favor da interessada, cláusula resolutiva expressa, pactuada somente posteriormente, em aditivos contratuais não levados a registro, logo, não pode ser considerada. 10. O cancelamento administrativo, na ausência de decisão judicial transitada em julgado e de expressa anuência da promitente compradora, pressupõe a observância do art. 251-A da Lei nº 6.015/1973, portanto, a intimação para fins de purgação da mora e o decurso do prazo legal para tanto; trata-se de procedimento específico próprio do cancelamento (por falta de pagamento) de registro de compromisso de venda e compra de bens imóveis não loteados, prevalecente, portanto, em cotejo com a regra geral do art. 250, III, da Lei de Registros Públicos. 11. Os documentos exibidos pela recorrente, então supostamente comprobatórios do rompimento do vínculo contratual, in casu, uma gravação de áudio objeto de ata notarial e mensagens eletrônicas, não são dotados da necessária autenticidade; não se prestam ao cancelamento objetivado. 12. A cláusula resolutiva expressa, fosse aqui considerada, e reconhecida a consumação de seu suporte fático, não conduziria ao cancelamento, isso porque, no caso, imprescindível a notificação da devedora a purgar a mora, diante de lei especial que a exige, limitando assim a autotutela dos interesses dos promitentes vendedores e conferindo proteção especial aos promitentes compradores. 13. Em se tratando de compromisso de venda e compra de bem imóvel (loteado ou não), não basta, à resolução extrajudicial por falta de pagamento, a mera declaração (receptícia) do credor que faz chegar ao devedor a opção pelo desfazimento negocial; essa comunicação não se confunde com a interpelação para constituição do devedor em mora, inafastável. 14. O art. 474 do CC não pode ser compreendido em sua literalidade; nada obstante opere de pleno direito (vale dizer, dispense intervenção judicial), a cláusula resolutiva expressa não incide automaticamente. 15. O procedimento especial do art. 251-A da Lei nº 6.015/1973 está em harmonia com o art. 1.º, caput e parágrafo único, do Decreto-Lei n.º 749/1969. 16. Na falta de interpelação da devedora a purgar a mora, a resolução extrajudicial não pode ser admitida nem, consequentemente, cancelado o registro da promessa de venda e compra, pouco importando, in concreto, a existência de cláusula resolutiva expressa; confirma-se, pelo todo acima exposto, o juízo negativo de qualificação registral. IV. Dispositivo. 17. Negado provimento ao recurso. Tese: O cancelamento administrativo de registro de compromisso de venda e compra de bem imóvel, loteado ou não, decorrente de resolução extrajudicial por falta de pagamento do preço, está condicionado à notificação do devedor a purgar a mora e ao decurso do prazo legal para tanto, ainda que pactuada cláusula resolutiva expressa.(CGJSP – Recurso Administrativo: 1181858- 98.2024.8.26.0100; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 28/07/2025; Data DJ: 28/07/2025; Relator: Francisco Loureiro)

Destarte, correto o óbice registrário, fica mantido.

Diante do exposto, Julgo Procedente o pedido de providências para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Comunique-se o resultado à E. CGJ, servindo a presente como ofício, devidamente instruído com cópia da ata notarial de constatação de resolução negocial de fls. 34/39.

Oportunamente, se necessário, informe à E.CGJ a data do trânsito em julgado, arquivando-se os autos, com as cautelas de praxe

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de agosto de 2025.

Renata Lima Zanetta

Juíza de Direito

(DJEN de 15.08.2025 – SP)