1ª VRP|SP: Dúvida. Escritura de compra e venda. Declaração posterior e apartada para afastar a comunicabilidade de bem imóvel. Manifestação unilateral para modificar a forma de aquisição. Necessidade de todos quantos compareceram na escritura. Dúvida procedente.
Processo nº. 0036712-34.2010.8.26-0100
Duvida
11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital do Estado de São Paulo
CP. 416
VISTOS.
Cuida-se de dúvida suscitada pelo 11º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro da escritura pública de compra e venda, por meio da qual Anna Claudia Michel vendeu a Angelina Fuoco Pugliesi, casada pelo regime da comunhão de bens em 03.01.67 com Nelson Antonio Martins Pugliesi, o imóvel objeto da matrícula nº 50.600, daquela Serventia, bem como de duas escrituras de declaração a ela referentes.
Embora intimada (fl. 04), a interessado não impugnou a dúvida (fls. 15/16). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 15/16).
É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.
O Oficial considerou apta para registro a escritura de compra e venda por meio da qual Anna Claudia Michel vendeu a Angelina Fuoco Pugliesi, casada pelo regime da comunhão de bens em 03.01.67 com Nelson Antonio Martins Pugliesi, o imóvel objeto da matrícula nº 50.600, daquela Serventia. Recusou, contudo, a escritura declaratória na qual a adquirente Angelina, com expressa anuência de seu marido Nelson, afirma que a aquisição se realizou com recursos próprios advindos de herança deixada por seu pai e que, por testamento, foram gravados com a cláusula de incomunicabilidade, por reputar violado o art. 1668, I, do Código Civil, que exclui da comunhão os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar, o que não se verifica na espécie, uma vez que no regime da comunhão de bens não basta a mera declaração para que se inscreva a incomunicabilidade do bem que não foi herdado, mas adquirido onerosamente, sem que exista comprovação da sub-rogação do vínculo.
Observe-se, por primeiro, que a escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente.
Por esta razão, Narciso Orlandi Neto bem explica que: “Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova preconstituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado.” (Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 90).
A escritura declaratória, a despeito do nome, possui inequívoca natureza re-ratificadora da escritura de compra e venda a que faz referência. Contudo, dela não participou a vendedora Anna Claudia Michel, o que, por si só, já obsta seu ingresso no fólio real, independentemente de a declaração acrescida dizer ou não respeito a direito seu. Mas não é só. De fato, a instituição da incomunicabilidade não pode decorrer de mera declaração na escritura do bem adquirido (e não herdado) sem que haja demonstração da sub-rogação do vínculo.
Como lembra Ademar Fioranelli, a imposição deve ocorrer no momento da liberalidade (doação ou testamento). Assim, para a imposição da incomunicabilidade, é preciso demonstrar que houve sub-rogação do vínculo dos recursos próprios advindos da herança.
Nesse sentido, o r parecer do Ministério Público. Anote-se, por último, que a escritura de compra e venda, sem as escrituras de declaratórias, encontra-se apta a registro de modo que, caso essa seja a vontade da interessada, bastará apresentá-la ao Registro de Imóveis.
Posto isso, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 11º Oficial de Registro de Imóveis. Oportunamente, cumpra-se o art. 203, I, da Lei nº 6.015/73.
Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I.C. São Paulo, 21 de dezembro de 2010.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão, Juiz de Direito