CNJ: Procedimento de controle administrativo – Exigência de apresentação de procuração com prazo máximo de 30 dias para representação da Caixa Econômica Federal em ato notarial – Provimento Conjunto nº 93/2020-TJMG/CGJMG – Prática reiterada de exigência de prazo não previsto em lei – Inexistência de norma legal que imponha limite temporal à validade das procurações, salvo hipóteses expressas (ex.: casamento, divórcio) – Procuração pública com prazo indeterminado é válida, salvo revogação ou estipulação expressa – Dever dos notários e registradores de verificar atualidade dos poderes não autoriza, por si, exigência de revalidação – Exigência genérica e infundada caracteriza abuso de poder e desvio de finalidade – Aprovação de parecer pela Corregedoria Nacional de Justiça para afastar a exigência – Determinação de cumprimento – Procedimento de controle administrativo julgado procedente para afastar a exigência de prazo de validade da procuração apresentada.

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0007885-89.2023.2.00.0000

Requerente: AIRTON GUSTAVO VIANA DA SILVA

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CGJMG e outros

DECISÃO

Aprovo o parecer que segue abaixo, exarado no âmbito da Coordenadoria de Gestão dos Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça (Processo SEI).

Restituam-se os autos à douta Relatoria, observadas as formalidades regimentais.

Cumpra-se.

Brasília, data registrada no sistema

Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES

Corregedor Nacional de Justiça

PARECER – CONR

I – RELATÓRIO

Trata-se de PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO proposto por AIRTON GUSTAVO VIANA DA SILVA, em desfavor da CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CGJMG e do SERVIÇO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE VÁRZEA DA PALMA – MG, objetivando a suspensão da nota devolutiva, que, nos termos do Provimento Conjunto n. 93/2020-TJMG/CGJMG, arts. 183, § 7º e 877, § 1º, exige apresentação de procuração, em via original ou cópia autenticada, com no máximo 30 (trinta) dias de expedição, em que legitima Carolina Fernandes Braga do Amaral a representar a Caixa Econômica Federal – CEF.

O requerente alegou que, à vista do Provimento Conjunto n. 93/2020-TJMG/CGJMG, arts. 183, § 7º, e 877, § 1º, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Várzea da Palma/MG criou, sem base legal, a exigência temporal de 30 (trinta) dias de validade, para a procuração da CEF, sem que tal requisito seja aplicável às instituições vinculadas ao Sistema Financeiro Habitacional (SFH).

Por fim, requereu:

6.3 Suspensão dos efeitos da nota devolutiva visto ao fato de direito público objeto do procedimento;

[…]

Modificação da nota de exigência com a finalidade de afastar a exigência de prazo de 30 (trinta) dias para validade da procuração com os devidos reflexos.

Instado a se manifestar, o TJMG apresentou informações, nas quais sustentou:

1. como preliminar de defesa, a ausência de interesse e inadequação da via eleita; porquanto a via adequada seria o procedimento de suscitação de dúvida;

2. no mérito, defendeu os dispositivos normativos atacados, constante no Provimento Conjunto n. 93/2020-TJMG/CGJMG, por serem análogos a dispositivos normativos de outros Tribunais de Justiça, bem como por conferir maior segurança ao ato notarial e a seu registro, pois assegura a legitimidade das informações contidas na procuração, à luz do disposto no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, art. 150.

Vieram os autos à Coordenadoria de Gestão dos Serviços Notariais e de Registro – CONR da Corregedoria Nacional de Justiça para emissão de parecer (id. 5418442).

II – FUNDAMENTAÇÃO

A procuração é o instrumento pelo qual uma pessoa confere poderes a outrem, para que este possa praticar atos ou administrar negócios em seu interesse.

Com efeito, nos termos do Código Civil, o mandato opera-se quando uma pessoa física ou jurídica designa outra para agir em seu nome, concedendo-lhe poderes estabelecidos em procuração, para praticar atos ou administrar interesses em seu nome (CC, art. 653).

Com a finalidade de garantir maior segurança jurídica aos atos negociais, o Código Civil também prevê a necessidade de conferir poderes especiais e expressos ao mandatário, quando este for alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária dos bens e direitos do mandante (CC, art. 661, § 1º).

Quanto à extinção do mandato, o Código Civil estabelece as seguintes formas:

Art. 682. Cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;

II – pela morte ou interdição de uma das partes;

III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;

IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Ainda sobre a revogação do mandato e com vistas à proteção de terceiros de boa-fé, o Código Civil, art. 686, estabelece que: “a revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador”.

Igualmente, são válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos ajustados pelo mandatário, em nome do mandante, enquanto este ignorar a extinção do mandato (CC, art. 688).

Dessa forma, com exceção dos casos determinados em lei, via de regra, as procurações têm validade por tempo indeterminado, o que torna válido o ato negocial praticado pelo mandatário a qualquer tempo, salvo quando é explícito em seu texto, a pedido do outorgante, o seu prazo de validade.

No âmbito do CNJ, o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria Nacional de Justiça consigna que os oficiais das serventias extrajudiciais devem ser diligentes e antes da prática de quaisquer atos notariais é necessário verificar se houve a revogação ou modificação dos poderes conferidos ao mandante. Vejamos:

Art. 150. Os notários deverão, antes da lavratura de ato notarial, verificar a atualidade dos poderes de uma procuração, abstendo-se da sua prática caso tenham conhecimento de que tenham eles sido revogados ou modificados.

No mesmo sentido prevê o Provimento Conjunto n. 92/2020-TJMG/CGJMG, art. 183, § 7º, e art. 877, § 1º. Vejamos:

Art. 183. A escritura pública deve conter os seguintes requisitos, além de outros exigidos por lei:

[…]

§ 7º A procuração, salvo cláusula expressa, não tem prazo de validade. Passados, entretanto, 30 (trinta) dias da sua outorga ou da expedição do traslado, deverá a serventia em que esteja sendo lavrado o ato exigir certidão da serventia em que tenha sido lavrado o instrumento público do mandato dando conta de que não foi ele revogado ou anulado.

Art. 877. No caso de instrumento particular apresentado a registro, o instrumento deve estar assinado pelas partes e eventuais testemunhas, com todas as firmas reconhecidas, ficando uma via do instrumento arquivada no Ofício de Registro de Imóveis.

§ 1º Nas hipóteses previstas no caput deste artigo, o instrumento deverá conter todos os requisitos de conteúdo e documentação exigidos para a lavratura de escrituras públicas, devendo o oficial de registro arquivar todos os documentos apresentados em cópias autenticadas.

Com efeito, os delegatários de serventias extrajudiciais têm o dever de controlar a atualidade dos poderes de uma procuração, da legitimidade do representante legal e a existência de causas extintivas do mandato ou de supressão de poderes outorgados, sem que tal obrigação seja um ônus às partes negociantes.

Contudo, exigência em nota devolutiva para a apresentação de nova procuração ou a revalidação do instrumento apresentado, deve ser fundamentada, expondo-se os motivos da necessidade de procuração ou revalidação contemporânea ao ato notarial ou de registro.

No caso concreto, a exigência de apresentação de procuração, com no máximo 30 (trinta) dias de expedição, por si só, não configura fundamento idôneo e consubstancia em ato com desvio de finalidade e abuso de poder.

Assim, somente em casos excepcionais ou previstos em lei pode-se impor a apresentação de instrumento de procuração atualizado, a exemplo da procuração para celebrar casamento (CC, art. 1.542) e a procuração para divórcio, separação e dissolução de união estável (Resolução CNJ n. 35/2007, art. 36).

Portanto, exigir, em todos os atos notariais e de registro procuração com até 30 (trinta) dias de expedição ou comprovação de validade dos poderes conferidos na procuração apresentada, configura ato abusivo e sem amparo legal, que não se traduz em mera interpretação divergente do direito.

III – CONCLUSÃO

Feitos tais registros, conclui-se, pois, que o Código Civil e o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria Nacional de Justiça, via de regra, não estipulam prazo de validade para as procurações apresentadas em atos notariais e de registro, e, somente em situações excepcionais, podem os tabeliães e notários exigirem nova procuração ou termo de validade para a procuração juntada, desde que haja fundamentação idônea para tanto.

É o parecer.

Brasília, data registrada no sistema

Carolina Ranzolin Nerbass

Juíza Auxiliar da Corregedora Nacional de Justiça