CSM|SP: Registro de imóveis – Formal de partilha – Imóvel já usucapido em ação dos herdeiros, sentença transitada sem frações – Registro gera copropriedade em partes iguais – Inviável alterar quotas por partilha; ajustes só por negócios entre condôminos – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1041768-06.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PAULA BALADI ORICCHIO, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1041768-06.2025.8.26.0100

Apelante: Paula Baladi Oricchio

Apelado: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.894

Direito Registral – Apelação – Partilha de bem imóvel – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

1. Recurso de apelação interposto contra sentença que manteve o óbice ao registro imobiliário de formal de partilha.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível o registro do formal de partilha que modifica as frações ideais dos herdeiros após o trânsito em julgado da sentença de usucapião, que declarou a propriedade do imóvel em porções iguais. A usucapião foi requerida figurando como litisconsortes ativos os herdeiros, e não o espólio.

III. Razões de Decidir

3. A sentença de usucapião transitou em julgado sem especificação de frações ideais, tornando os herdeiros coproprietários em partes iguais.

4. A modificação das frações ideais por meio do registro do formal de partilha não é possível. Isso porque o imóvel já é de titularidade dos herdeiros, diante do teor da sentença de usucapião passada em julgado. A alteração das frações ideais implicaria negócio oblíquo de alienação entre condôminos, com potencial de violar direitos de terceiros

5. Os interessados não interpuseram recurso algum contra a sentença de usucapião no momento oportuno. Não podem, agora, alterá-la mediante partilha em inventário de bem que já foi usucapido diretamente pelos herdeiros.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. A sentença de usucapião transitada em julgado não pode ser modificada para incluir frações ideais não especificadas. 2. A partilha correta dos direitos sucessórios não justifica a alteração do registro de usucapião.

Jurisprudência Citada:

– CGJ/SP – Recurso Administrativo nº 1096018-04.2016.8.26.0100, j. em 23/2/2017.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Paula Baladi Oricchio contra a sentença de fls. 472/478, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 14º Registro de Imóveis da Capital, que manteve o óbice ao registro na matrícula nº 229.316 daquela serventia de formal de partilha extraído dos autos de inventário dos bens deixados por Tina Billi Rosso (processo nº 0016575-46.2001.8.26.0003, que tramitou perante a 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional III – Jabaquara).

Sustenta a apelante, em síntese, que, conforme acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, inexiste óbice ao registro do formal de partilha, porquanto na inicial da ação de usucapião houve expressa menção à existência do mencionado título e à proporção da divisão do imóvel ali determinada. Alega que a partilha do bem usucapido no âmbito do inventário é procedimento adequado, não podendo tal questão ter sido solucionada na ação de usucapião, que possui natureza declaratória. Pede, ao final, a reforma da sentença para que seja determinado o registro do formal de partilha na matrícula do bem (fls. 485/496).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 520/522).

É o relatório.

A discussão travada neste feito envolve a partilha do imóvel matriculado sob nº 229.316 no 14º Registro de Imóveis da Capital.

Por meio de compromisso de compra e venda celebrado em 1953 (fls. 403), Nicola Rosso e sua esposa Tina Billi Rosso passaram a exercer a posse do referido bem.

Falecidos Nicola e Tina, os direitos sobre o bem que lhes pertenciam foram partilhados em dois inventários diferentes (arrolamento nº 1.651/82, que tramitou perante a 7ª Vara da Família e Sucessões da Capital – fls. 34; e inventário nº 0016575-46.2001.8.26.0003, que tramitou perante a 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional III – Jabaquara – 30/389). Partilhados os direitos sobre o imóvel seguindo as regras sucessórias, coube a uma herdeira 50% do bem, a uma segunda 12,5% e a outros cinco 7,5% para cada (fls. 2).

Em paralelo, com a finalidade de regularização da propriedade, os herdeiros de Nicola e Tina, no ano de 2002 (autos nº 0222506-12.2002.8.26.0100 fls. 420/421) ajuizaram ação de usucapião visando à declaração de domínio do mesmo imóvel. Sobreveio sentença de procedência do pedido apenas no ano de 2018, tendo a propriedade do imóvel sido declarada em favor dos diversos herdeiros de Nicola e Tina. Ocorre que o domínio sobre o bem foi declarado sem nenhum tipo de especificação de frações ideais (fls. 420/421), de modo que os herdeiros se tornaram coproprietários em porções idênticas (no caso, um oitavo para cada cf. R.1 da matrícula nº 229.316 fls. 6/7).

Não tendo havido interposição de recurso, a sentença de usucapião transitou em julgado, foi prenotada em 12 de dezembro de 2018 perante o 14º RI (fls. 6) e registrada na matrícula nº 229.316, dando origem ao R.1 (fls. 6/7).

Agora, pretende a apelante o registro do formal de partilha, com o objetivo de modificar as frações ideais que cabem a cada um dos herdeiros.

A pretensão não vinga.

Não há dúvida de que a sentença prolatada na ação de usucapião não observou as partilhas realizadas judicialmente. No entanto, os interessados não interpuseram embargos de declaração ou apelação no momento adequado. Sem recurso, a sentença transitou em julgado e foi encaminhada à serventia imobiliária para registro, o que ocorreu em consonância com o título judicial.

Ora, sem qualquer tipo de pronunciamento judicial, não poderia o registrador prever que a sentença que não estabeleceu frações ideais entre os autores estava em desacordo com partilhas de direitos possessórios realizadas em processos diversos.

Destaque-se, ainda, o tempo decorrido entre o registro da sentença de usucapião (4 de janeiro de 2019 – fls. 6) e a suscitação da dúvida registrária cuja apelação é agora analisada (28 de março de 2025 – fls. 5). Foram mais de seis anos de registro, com a produção dos efeitos daí decorrentes, sem que os interessados questionassem a divisão igualitária levada a efeito. Nesse meio tempo, aliás, em 15 de fevereiro de 2023, a parte ideal de um oitavo que cabia a uma das herdeiras, foi adjudicada à mãe dela em outro inventário (cf. R.3 da matrícula nº 229.316 fls. 8).

Isso mostra que a modificação da divisão igualitária já não atingiria apenas os herdeiros originais dos falecidos adquirentes; o registro do formal neste momento acabaria por atingir terceiros que sequer participaram dos processos de inventário de Nicola e Tina.

Sobre a impossibilidade de inclusão de frações ideais em sentença de usucapião registrada e omissa nesse ponto, parecer aprovado pelo então Corregedor Geral, Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças:

RECURSO ADMINISTRATIVO – Pedido de Providências – Registro de sentença exarada em ação de usucapião, favorecendo o viúvo meeiro e os herdeiros filhos e netos, indistintamente Pedido de retificação do registro da sentença para constar as frações ideais de cada herdeiro e do meeiro, em consonância com o direito sucessório – Impossibilidade – Espólio que não figurou no polo ativo da ação de usucapião, não tendo sido contemplado com a procedência da demanda – Princípio da continuidade – Recurso desprovido” (CGJ/SP – Recurso Administrativo nº 1096018-04.2016.8.26.0100, j. em 23/2/2017).

Nem se argumente que o v. acórdão prolatado pela 6ª Câmara de Direito Privado, acostado a fls. 415/419, determina o registro do formal como requerido pela apelante.

Nesse ponto, esclarece-se que as partes tentaram solucionar a questão da divisão do bem tanto nos autos do inventário que tramitou perante a 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional III – Jabaquara (autos nº 0016575-46.2001.8.26.0003), como na ação de usucapião que teve seu curso perante a 2ª Vara de Registros Públicos da Capital (autos nº 0222506-12.2002.8.26.0100).

Na ação de usucapião, os interessados interpuseram agravo contra decisão que indeferiu a expedição de mandado com o objetivo de esclarecer ao Oficial a fração ideal titularizada por cada um dos herdeiros.

Por v. acórdão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou-se provimento ao agravo, forte no argumento de que o registro espelhou rigorosamente o que constava no título, não havendo possibilidade de modificação da sentença transitada em julgado passados tantos anos (agravo de instrumento nº 2248361-98.2021.8.26.0000 fls. 422/426).

Já nos autos do inventário, os interessados interpuseram agravo contra a decisão copiada a fls. 396, que deferiu pedido de retificação da partilha, de modo que ela passasse a espelhar a realidade do registro, ou seja, com a divisão do imóvel entre os herdeiros em oito partes iguais.

Por v. acórdão também da 6ª Câmara de Direito Privado, o agravo foi provido. De acordo com o julgado, a omissão constante na sentença de usucapião, a qual, repita-se, não foi notada pelos interessados no momento oportuno, não justifica a retificação de partilha feita em 2003, com a correta indicação da quota-parte cabível a cada um dos herdeiros (agravo de instrumento nº 2312038- 97.2024.8.26.0000 fls. 440/444).

O v. acórdão prolatado na ação de usucapião, ao impedir a modificação posterior de título judicial registrado em consonância com o seu teor, reforça as conclusões aqui expostas.

E mesmo o v. acórdão que julgou o agravo interposto nos autos do inventário (agravo de instrumento nº 2248361- 98.2021.8.26.0000 fls. 422/426), não conflita com o que é aqui decidido.

Não se discute que a partilha feita nos autos de inventário é correta e observa os direitos que cabem a cada um dos herdeiros de Nicola e Tina. Por ser correta e ter sido homologada há duas décadas, não havia mesmo razão para a retificação da partilha, que passaria a ignorar regras básicas do direito sucessório.

Se não bastasse, a retificação da partilha autorizada em primeira instância (fls. 396) não contribui em nada para a solução do problema. Ora, a divisão igualitária do bem (um oitavo para cada herdeiro) já consta no R.1 e no R.3 da matrícula 229.316 (fls. 6/8), inscrições cuja origem independe do formal de partilha, advindo exclusivamente do julgamento da ação de usucapião. Desse modo, a retificação da partilha que passaria a atribuir, de maneira errada, um oitavo do bem a cada herdeiro , a par de incorreta, não geraria efeito prático algum.

Resta aos herdeiros, havendo interesse, o acertamento da quota-parte que cabe a cada um pela via extrajudicial, mediante a realização de negócios jurídicos translativos de percentuais da propriedade do bem.

A r. sentença, portanto, deve ser integralmente mantida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJEN de 22.09.2025 – SP)