CSM|SP: Direito Registral – Registro de Imóveis – Títulos eletrônicos – Embargos de declaração – Inexistência de omissão – Manutenção de óbice registral – Acórdão embargado enfrentou integralmente a controvérsia: documentos nato-digitais apresentaram não conformidade técnica; a alteração manual da extensão de arquivo “.p7s” para “.pdf” não constitui conversão de formato, corrompe os atributos e impede a validação das assinaturas digitais, inviabilizando o ingresso do título – Exigência de observância aos padrões ICP-Brasil/PDF-A e demais requisitos técnicos (NSCGJ, Cap. XX, item 366; Prov. CNJ 149/2023; Dec. 10.278/2020, art. 5º) – Ausente vício de omissão; embargos usados como rediscussão do mérito – Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração Cível nº 1126644-25.2024.8.26.0100/50000, da Comarca de São Paulo, em que é embargante SOLAR FUNDO DE INVERIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS PADRONIZADO MULTISSETORIAL, é embargado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram os embargos de declaração, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 2 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL nº 1126644-25.2024.8.26.0100/50000

Embargante: Solar Fundo de Inverimento Em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial

Embargado: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.866

Registro de imóveis – Embargos de declaração – Omissão inexistente – Rejeição.

I. Caso em exame

1. Trata-se de embargos de declaração opostos contra decisão que negou provimento ao recurso de apelação. A decisão embargada manteve a recusa ao registro de cédula de crédito bancário, de instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e de seus aditamentos, devido à não conformidade dos documentos nato-digitais. A parte embargante alega omissão no julgado (análise técnica quanto à alteração de extensão de arquivos e à viabilidade da conferência da validade das assinaturas digitais).

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em verificar a existência de omissão na decisão impugnada.

III. Razões de decidir

3. A omissão apontada é manifestação de inconformismo, pois todas as questões em debate foram analisadas e decididas no acórdão embargado, o qual conta com conclusão expressa sobre a matéria questionada (a alteração manual da extensão do nome dos arquivos corrompeu seus atributos, impedindo a verificação da integridade das assinaturas digitais).

IV. Dispositivo e Tese

6. Embargos de declaração rejeitados.

Tese de julgamento: “A alteração da extensão do nome de arquivos não constitui conversão real (manutenção do formato original), de modo que inviabiliza a validação das assinaturas digitais”.

Legislação citada:

– NSCGJ, Cap. XX, item 366.

Trata-se de embargos de declaração opostos por Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial, representado por sua administradora, Singulare Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A., contra o acórdão de fls. 776/802, que negou provimento ao seu recurso de apelação, interposto contra a r. sentença de fls. 646/659, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

A sentença manteve os óbices, os quais fundamentaram a recusa ao registro de cédula de crédito bancário (n. 024605577, firmada em 14.06.2023), de instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e de seus dois aditamentos (datados de 04.12.2023 e 02.04.2024), os quais têm como objeto os imóveis matriculados sob o n. 56.000 e 73.280 perante aquela serventia.

A parte embargante aduz, em suma, que houve omissão no que diz respeito à análise técnica sobre a alteração de extensão de arquivos e, consequentemente, sobre a possibilidade de validação das assinaturas digitais.

Ao final, pugna pelo provimento dos embargos de declaração para que seja sanada a alegada omissão ou, alternativamente, pela conversão do julgamento em diligência pericial, de baixa complexidade.

É o relatório.

Na forma do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inciso I), suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento (inciso II) ou corrigir erro material (inciso III).

As hipóteses não se verificam no caso.

De fato, o acórdão embargado analisou todas as questões em debate e negou provimento à apelação justamente em virtude da manutenção dos óbices de natureza formal, cuja existência impede o ingresso do título perante o registro imobiliário.

Dentre tais impedimentos, destaca-se a não conformidade dos documentos apresentados, contra a qual a parte embargante se insurge:

“…conforme esclarecido na suscitação da dúvida, o problema não é propriamente a falta de assinatura qualificada nos documentos eletrônicos, mas a verificação dos seus atributos, que foram corrompidos pela modificação do documento após sua assinatura.

Como bem apontado pela Corregedora Permanente, a forma dos títulos é indispensável para sua admissão perante o Registro de Imóveis a fim de garantir validade, legalidade e segurança jurídica aos atos praticados.

O Provimento CNJ nº 149/2023, vigente à época da prenotação, dispõe sobre a recepção de títulos encaminhados pela via eletrônica aos Registros de Imóveis nos seguintes termos:

“Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas:

II – a certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;

III – o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4º da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1.964, assinado pelo representante legal do agente financeiro;

IV – as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma da lei;

V – o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil.

VI – as cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, mediante acesso direto do oficial do Registro de Imóveis ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado.

§ 2º Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020″.

Note-se que, atualmente, a exigência do formato PDF/A permanece praticamente inalterada, pois o regramento foi apenas deslocado para o artigo 208 do Código Nacional de Normas, alterado pelo mesmo provimento que revogou o artigo 324 do CNN (Provimento CNJ 180/2024), com poucas alterações.

Os requisitos aplicáveis em cada caso, portanto, dependerão do enquadramento do título encaminhado como nato-digital ou digitalizado.

Apesar de ser possível verificar a certificação digital no padrão ICP-Brasil pelo sistema iti.gov.br dos documentos nato-digitais apresentados, imprescindível o envio dos arquivos digitalizados (fls. 245/248 e 420/579), em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo artigo 5º do Decreto nº 10.278/2020:

“Art. 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:

I – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;

II – seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e

III – conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II”.

Caso não seja possível atender aos requisitos legais acima expostos, deverão ser encaminhadas versões físicas que também atendam às exigências normativas.

No caso concreto, nota-se que, ao serem convertidos, os documentos nato-digitais tiveram seus atributos corrompidos e impediram a verificação da integridade das assinaturas.

Para que seja garantida a comprovação da validade das assinaturas, é requisito legal o envio em formato PDF/A, com assinatura e certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP- Brasil, nos termos do item 366, Cap. XX, das NSCGJ:

“366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

Não se trata de ignorar o princípio da eficiência, como sustenta a parte recorrente. No caso, a liberdade de atuação é mitigada em busca de padronização segura do serviço eletrônico, por meio da qual seja possível garantir a integridade dos dados arquivados pelo Registro de Imóveis.

Por razões técnicas, o sistema nacional ainda não comporta documentos em formatos diversos.

Porém, a conversão para o formato adequado deve preceder o lançamento das assinaturas, uma vez que não se pode admitir alteração posterior. Identificada alteração, mesmo que se trate de simples conversão de formato, a validação da assinatura fica prejudicada, pois não é possível assegurar que a alteração não tenha afetado o conteúdo do documento ou a autenticidade das assinaturas. A integridade do documento eletrônico assinado é a garantia da segurança que se espera dos Registros Públicos.

Fácil perceber, assim, que o título, na forma em que apresentado, não atende aos requisitos normativos e, por isso mesmo, não pode ter ingresso”.

Resta evidente, portanto, que a omissão apontada é manifestação de inconformismo em relação ao que foi decidido no acórdão, o qual foi expresso no sentido de que a conversão dos documentos nato-digitais corrompeu seus atributos e impediu a verificação da integridade das assinaturas digitais pelo sistema.

Vale observar que a alteração da extensão dos arquivos com a supressão manual de “.p7s” e a inserção de “.pdf” ao final do nome do arquivo sequer pode ser considerada conversão propriamente dita. Trata-se tão somente de simples renomeação de arquivos. Isso porque os atributos (dados) dos documentos continuarão sendo de um arquivo no formato “.p7s” (PKCS#7) internamente.

Em uma linguagem informal de cunho didático, a alteração promovida pela parte embargante é equivalente à renomeação da capa de um livro de Direito Civil para Direito Penal. Os dados internos do livro continuam sendo de Direito Civil, independentemente do rótulo externo.

Conforme artigo publicado pela empresa russa Kaspersky, uma das mais renomadas empresas de segurança cibernética do mundo:

(…) converter um arquivo não é simplesmente mudar sua extensão. Se fosse assim, bastava renomear o arquivo de, digamos, EPUB para MP3. Em vez disso, um programa conversor precisa ler o arquivo, entender seu conteúdo, converter os dados e salvá-los novamente para um formato diferente[1].

Se a conversão de um arquivo para outro formato fosse tão simples quanto alterar a extensão do seu nome em segundos, não haveria necessidade de softwares especializados para essa finalidade, tampouco justificativa para os altos investimentos feitos em seu desenvolvimento.

A própria parte embargante acostou aos autos o alerta do sistema operacional quando houve a tentativa de alterar a extensão do nome do arquivo (fl. 811): “Se a extensão de um nome de arquivo for alterada, o arquivo poderá se tornar inutilizável. Tem certeza de que deseja alterá-la?”.

Apesar do risco enunciado no alerta, ainda assim optou pela alteração da extensão do nome do arquivo. Essa alteração resultou na inutilidade do arquivo para fins de validação das assinaturas digitais.

No âmbito das assinaturas digitais, há basicamente três padrões principais: CAdES (CMS Advanced Electronic Signatures), XAdES (XML Advanced Electronic Signatures) e PAdES (PDF Advanced Electronic Signatures).

Esses padrões têm formatos específicos e diferentes que visam garantir a integridade e a autenticidade de documentos eletrônicos.

De acordo com a doutrina especializada (destaques nossos):

De forma bem resumida, o CAdES é ideal para documentos binários que não seguem uma estrutura específica, como PDFs ou arquivos de texto, proporcionando uma forma robusta de garantir a integridade e autenticidade dos documentos assinados, possibilitando seu uso inclusive em arquivos XML, além de DOC, XLS, PNG, P7S. (…). Finalmente o formato PAdES é especialmente útil para documentos PDF, garantindo que a formatação e o conteúdo sejam preservados em diferentes dispositivos e plataformas, além de proporcionar uma visualização consistente e intuitiva dos documentos assinados. Todos os padrões estão inseridos no e-Ping e são essenciais para a criação de assinaturas eletrônicas avançadas e qualificadas, atendendo a diferentes necessidades de segurança e conformidade regulamentar. A escolha entre CAdES, XAdES e PAdES depende principalmente do formato do documento e do contexto em que a assinatura eletrônica será utilizada. No caso do PAdES e do XAdES, a assinatura fica acoplada ao próprio arquivo, o que não acontece com o CAdES[2].

Ao alterar a extensão de “.p7s” para “.pdf”, a parte embargante apenas renomeou o arquivo, sem realizar conversão real. O sistema, ao tentar interpretar o arquivo como PDF no padrão PAdES, encontrou incompatibilidade de formato, pois um arquivo P7S não possui a estrutura necessária para ser lido como PAdES.

Como relatado na suscitação de dúvida (fl. 06):

ao encaminhar para o órgão responsável (ONR), o usuário/parte alterou a extensão de .pdf.p7s para PDF, o que gerou um arquivo com formato de assinatura PADES, circunstância que ocasionou erro no sistema e impediu a validação das assinaturas, quando da análise da primeira apresentação do título”.

Por não ter sido feita conversão efetiva, o arquivo permaneceu integralmente no formato P7S original, mantendo suas características de assinatura digital no padrão CAdES.

De acordo com o manual de abertura de arquivos no formato P7S elaborado pelo IRTD Brasil, uma das principais diferenças desse formato específico é o fato de a assinatura digital estar anexada ao PDF, apesar de separada dele[3].

Ressalta-se que, como esclarecido no acórdão embargado, o problema não é propriamente a falta de assinatura qualificada nos documentos eletrônicos, mas a inviabilidade de verificação dos seus atributos de autenticidade pela modificação da extensão do documento assinado.

Não há dúvidas que a assinatura digital é inovação facilitadora no âmbito transacional, bem como amplamente aceita como se fosse física. No entanto, há certas formalidades legais que devem ser respeitadas, como a necessidade de o arquivo corresponder ao formato PDF/A para conferência de assinaturas digitais[4].

No requerimento apresentado pela embargante, foram submetidos documentos incompatíveis com o formato exigido, o que justifica a negativa do registro. Por decorrência lógica, a incompatibilidade impede a validação das assinaturas digitais, também corrompidas.

Inviável, portanto, o aceite de todo e qualquer documento corrompido e renomeado de forma equivocada em detrimento da segurança jurídica dos registros públicos (o que pode ser aferido sem necessidade de perícia).

Ante o exposto, pelo meu voto, rejeito os embargos de declaração.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Como converter arquivos com segurança. Kaspersky daily. 20 de março de 2025. Disponível em: https://www.kaspersky.com.br/blog/how-to-convert-files-safely/23450/. Acesso em 30 de maio de 2025.

[2] ASSAD, Frederico Jorge Vaz de Figueiredo. Registro eletrônico de imóveis: Lei 14.382/2022 e a reforma da lei de registros públicos. Coord. Alberto Gentil de Almeida Pedroso (Coleção Imobiliário Essencial). 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024 [e-book].

[3] Disponível em: https://www.rtdbrasil.org.br/Content/Manuais/Manual_P7S.pdf. Acesso em: 30 de maio de 2025.

[4] NSCGJ, Cap. XX: “366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

(DJEN de 09.09.2025 – SP)