CSM|SP: Direito Registral – Usucapião extrajudicial – Impugnação por herdeira da proprietária tabular – Alegações genéricas e impertinentes – Rejeição da impugnação por infundada – Prosseguimento do procedimento administrativo – Impugnação que não enfrenta os fatos essenciais da usucapião (posse, tempo, ânimo) e limita-se a afirmar desconhecimento da requerente e êxito em ação de adjudicação compulsória proposta por terceiro – Matéria estranha ao pedido aquisitivo e incapaz de instaurar lide relevante – Aplicação das NSCGJ (Cap. XX, itens 420.2 e segs.): impugnação infundada não obsta a via administrativa (LRP, art. 216-A) – Mantida a determinação de prosseguimento do procedimento perante o Registro de Imóveis – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1159227-63.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante DENISE FERRAZ BENEDICTO, é apelado TATIANE ALVES MOREIRA DE SOTTI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso de apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 27 de agosto de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1159227-63.2024.8.26.0100

Apelante: Denise Ferraz Benedicto

Apelado: Tatiane Alves Moreira de Sotti

VOTO Nº 43.884

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida – Usucapião – Extrajudicial – Impugnação apresentada por herdeira de proprietária tabular – Alegações genéricas e impertinentes – Rejeição da impugnação por infundada – Recurso não provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que rejeitou impugnação de herdeira de proprietária tabular a requerimento de usucapião extrajudicial de imóvel. A impugnação foi considerada infundada, com determinação de prosseguimento pela via administrativa. 2. A parte impugnante, apelante, sustenta que desconhece a requerente e que foi vitoriosa em ação de adjudicação compulsória envolvendo o imóvel.

II. Questão em discussão

3. A questão em discussão consiste em verificar se a impugnação apresentada é fundamentada e impede o prosseguimento do pedido pela via administrativa.

III. Razões de decidir

4. Parte impugnante que não defende posse nem nega os fatos alegados pela parte requerente. 5. Ação de adjudicação compulsória ajuizada contra terceiro que interfere no procedimento de usucapião extrajudicial. 5. Impugnação corretamente rejeitada por infundada.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso não provido.

Tese de julgamento: “Impugnação infundada, que veicula alegação genérica ou fato impertinente, não impede o prosseguimento do procedimento de usucapião pela via administrativa”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Lei n. 6.015/1973, art. 216-A; NSCGJ, subitens 420.2 e seguintes, Capítulo XX.

– CSM, Apelação n. 1032941-74.2023.8.26.0100; Apelação n. 1013432-35.2022.8.26.0152.

Trata-se de apelação interposta por Denise Ferraz Benedicto contra a r. sentença de fls. 486/489, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que rejeitou a impugnação por ela ofertada contra requerimento de usucapião extrajudicial do imóvel da matrícula n.104.458 daquela serventia (prenotação n.581.282 fls. 09/10).

Em impugnação, a ora apelante limitou-se a alegar que desconhecia a requerente, trazendo cópia do testamento de Virgolina Ferraz Ferreira, sua mãe e proprietária tabular, e mencionando que, juntamente com seu irmão, Marcelo Alvarenga, obteve êxito na ação de adjudicação compulsória movida por Simone da C. Oliveira Comercio de Ferragens ME contra Espólio de Virgolina Ferraz Ferreira e Maria Porto Sardinha (processo de autos n. 1014311-03.2019.8.26.0005).

O Oficial considerou a impugnação fundada (fl. 424).

Ausente composição entre as partes, os autos foram remetidos à MM. Juíza Corregedora Permanente (subitem 420.4 do Capítulo XX das NSCGJ), a qual julgou a impugnação infundada, já que genérica e porque não se discutiu posse na ação de adjudicação compulsória (fls. 486/489).

Em suas razões recursais, a apelante reiterou sua tese para defender a nulidade da sentença de primeiro grau, apresentando, mais uma vez, cópia do testamento de sua genitora e de sua certidão de óbito (fls. 495/503).

A parte apelada, por sua vez, ofertou contrarrazões às fls. 508/511, argumentando que, na ação de adjudicação compulsória, não se discutiu posse ou propriedade sobre o imóvel usucapiendo; que não se comprovou quitação de obrigações relacionadas ao imóvel, como IPTU, as quais assumiu a partir de 2007; que os proprietários dos imóveis confrontantes a reconheceram como possuidora e proprietária.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 532/534).

É o relatório.

De início, é importante mencionar que não há impedimento ao conhecimento do recurso, uma vez que o requerimento inicial, apresentado no dia 01 de julho de 2021, recebeu o protocolo de n. 581.282 (fls. 09/10), o qual permanece válido.

De fato, no expediente administrativo de reconhecimento de usucapião extrajudicial, o prazo da prenotação se prorroga até o acolhimento ou a rejeição do pedido (artigo 216-A, § 1º, da Lei n. 6.015/1973).

Em razão da impugnação ao requerimento, acostada aos autos do procedimento extrajudicial no dia 10 de abril de 2024 (fl. 365), inequívoca a validade da prenotação, que permanece prorrogada.

O recurso, por sua vez, é tempestivo já que interposto em 14 de novembro de 2024, sendo que a r. sentença foi publicada em 06 de novembro (fl. 491).

No mérito, contudo, a apelação não comporta provimento.

No caso concreto, conforme relatado pelo Oficial (fls. 01/03), após o cumprimento das notificações exigidas pelo ordenamento jurídico, sobreveio impugnação ao requerimento de usucapião extrajudicial feito por Denise Ferraz Benedicto, descendente da proprietária tabular, já falecida (fls. 325/326), a qual foi considerada infundada pelo juízo de primeiro grau.

Como bem apontado às fls. 486/489, na via administrativa, o processamento da usucapião tem por requisito a inexistência de lide.

Caso haja qualquer impugnação justificada ao pedido, torna-se obrigatória a remessa das partes à via judicial, com oportunidade para que o requerente proceda à emenda da petição inicial, ajustando-a às regras do procedimento comum, conforme estabelece o § 10º do artigo 216-A da Lei n. 6.015/73.

Por sua vez, os subitens 420.2 e seguintes do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo flexibilizam tal regra, permitindo a análise da fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória (destaques nossos):

420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.

420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeita-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Nestes autos, portanto, cumpre analisar apenas a pertinência da impugnação. Em outras palavras, sem que se resolva eventual litígio, há que se definir tão somente se a impugnação apresentada é ou não fundamentada:

Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente (…): nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios, uma vez que nenhum deles está no exercício de jurisdição contenciosa. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência da lide (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da oposição do impugnante, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso)“. (Apelação Cível n. 1032941-74.2023.8.26.0100; Relator Fernando Torres Garcia; Conselho Superior da Magistratura; j. em 05.12.2023)

Assim, caso haja qualquer indício de que a impugnação é fundamentada, a via extrajudicial se torna prejudicada (porque aqui litígios não podem ser resolvidos), devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (subitem 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

Em contrapartida, impugnação impertinente ou protelatória deve ser rejeitada, o que permitirá o prosseguimento do feito pela via extrajudicial.

In casu, constata-se que a impugnação não é fundamentada na medida em que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada e ventila matéria absolutamente estranha à usucapião (NSCGJ, Tomo II, Cap. XX, subitem 420.2).

De fato, a parte impugnante, ora apelante, se limita a dizer que não conhece a parte requerente, apelada, e noticia ser herdeira da proprietária tabular, bem como que saiu vitoriosa, ao lado do irmão, em ação de adjudicação compulsória movida por terceiro.

A ação em questão foi promovida por Simone da C. Oliveira Comercio de Ferragens – ME, que sustentou ter adquirido o imóvel usucapiendo por instrumento particular de compra e venda e adimplido a obrigação de pagamento do preço.

Sabe-se que a ação de adjudicação compulsória tem natureza pessoal com efeito real, uma vez que objetiva a outorga de escritura pública definitiva de venda e compra (transferência da propriedade).

O pedido, porém, foi julgado improcedente em virtude de falsidade documental (laudo pericial fls. 394/406).

Vê-se, assim, que a parte apelante não defende nem comprova posse própria nem tampouco questiona a posse alegada pela parte requerente.

A sentença de improcedência de ação de adjudicação compulsória ajuizada por terceira pessoa não interrompe a pacificidade da posse do recorrido.

Ora, o fato de não conhecer a requerente ou de sair vitoriosa em ação proposta por terceiro em nada se relaciona com a alegação de posse exclusiva, contínua e sem oposição pelo prazo legal, a permitir reconhecimento da propriedade pela usucapião.

Esta conclusão se reforça pela ausência de impugnação dos proprietários dos imóveis confrontantes, a confirmar que é a parte requerente quem está na posse do bem.

As razões trazidas com a impugnação, portanto, além de não apontarem qualquer fundamento para invalidação da sentença de primeiro grau, também não são suficientes para caracterização de efetivo litígio a tornar necessária a remessa do caso à via judicial.

Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. APELAÇÃO. DÚVIDA. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. IMPUGNAÇÃO INFUNDADA. REJEIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME: Trata-se de recurso de apelação interposto pelos proprietários tabulares contra a sentença que reconheceu infundada a impugnação ao pedido de usucapião extrajudicial de imóveis, ausente demonstração da alegada invasão de área. Recurso que inova ao suscitar a ausência de decurso do prazo de usucapião. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A questão em discussão consiste em aferir se: (i) a alegação de decurso do prazo legal para usucapião foi comprovado pelos requerentes; e (ii) a impugnação dos proprietários tabulares da área maior em que inserida a usucapienda era ou não fundada. III. RAZÕES DE DECIDIR: Proprietários tabulares que não negaram a posse ad usucapionem dos requerentes por ocasião da impugnação e a prova existente afasta a alegação de que o prazo para a prescrição aquisitiva não decorreu. A impugnação foi corretamente rejeitada por infundada, haja vista que impugnantes não demonstraram a alegada invasão de área. O procedimento administrativo de usucapião deve prosseguir em seus ulteriores termos. IV. DISPOSITIVO E TESE: Nego provimento ao recurso de apelação, mantendo a rejeição da impugnação e determinando o prosseguimento do procedimento de usucapião extrajudicial. Tese de julgamento: “1. Usucapião que deve prosseguir nos seus ulteriores termos ante a prova existente. 2. Mera alegação de invasão de área que não confere fundamento à impugnação”. Legislação e Jurisprudência relevantes citadas: Legislação: Lei nº 6.015/1973, art. 216-A. Jurisprudência: TJSP, Apelação nº 1032941-74.2023.8.26.0100, Rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 30.09.2023” (CSM, Apelação n. 1013432-35.2022.8.26.0152, de minha relatoria, j. 22.11.2024).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJEN de 05.09.2025 – SP)