CSM|SP: Direito Registral – Registro de Imóveis – Qualificação negativa – Título de aquisição de imóvel rural oriundo de leilão extrajudicial da União (contrato de compra e venda) – Exigências de declaração do ITR (Lei 9.393/1996, art. 1º; Lei 4.947/1966, art. 22, caput e §3º) e de inscrição no CAR (Lei 12.651/2012, art. 29, §3º; NSCGJ/SP, Cap. XX, Tomo II, item 9, “b”, nº 38; Prov. CNJ 195/2025, art. 440-AQ, IV, “b”, 3) mantidas – Arrematação extrajudicial não configura aquisição originária; título apresentado é derivado (contrato com a União) e se submete às condicionantes fiscais e ambientais para ingresso no fólio real – Apresentação do CCIR superada, remanescendo a necessidade de comprovação do ITR e do CAR – Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000889-67.2024.8.26.0204, da Comarca de General Salgado, em que é apelante VALDENIR DAS DORES DIOGO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GENERAL SALGADO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 7 de agosto de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000889-67.2024.8.26.0204
Apelante: Valdenir das Dores Diogo
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de General Salgado
VOTO Nº 43.869
Direito registral – Apelação – Qualificação negativa do título de aquisição de imóvel – Exigências de apresentação de inscrição no Cadastro Ambiental Rural e declaração do ITR mantidas – Recurso desprovido.
I. Caso em Exame
1. Recurso de apelação interposto contra sentença que manteve a recusa do registro de título de aquisição de imóvel, exigindo comprovante de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e apresentação da declaração do Imposto Territorial Rural (ITR).
II. Questão em Discussão
2. Discutem-se as exigências de inscrição no CAR e de apresentação da declaração do ITR para o registro de título de aquisição de imóvel. Alegação de que há aquisição originária da propriedade porque o imóvel foi arrematado extrajudicialmente.
III. Razões de Decidir
3. O título apresentado a registro foi o contrato de compra e venda do imóvel firmado entre a UNIÃO e o arrematante do bem em leilão extrajudicial, modalidade de licitação, nos termos da Lei nº 8.666/1993. Descabido, portanto, discutir se a aquisição da propriedade é originária ou derivada porque não se tratou de leilão judicial. Aliás, as arrematações são títulos derivados de aquisição da propriedade, pois guardam relação de causa e efeito com a titularidade dominial do executado.
4. Declaração do ITR necessária. Fato gerador do tributo é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município (artigo 1º da Lei nº 9.393/1996). Imóvel adquirido da legítima proprietária.
5. Inscrição do imóvel rural no CAR que decorre do disposto no artigo 29, §3º, da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal). A averbação do correspondente número de inscrição no CAR está prevista no item 9, letra “b”, nº 38, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ e também no artigo 440-AQ, IV, “b”, 3, do Código Nacional de Normas do CNJ.
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: “Exigências de apresentação de declaração de ITR e de inscrição do imóvel rural no CAR que se justificam à luz da legislação aplicável”.
Legislação Citada:
Lei nº 8.666/1993; artigo 1º da Lei nº 9.393/1996; caput e §3º do artigo 22 da Lei nº 4.947/1966; §3º do artigo 29 da Lei nº 12.651/2012; item 9, letra “b”, nº 38, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ e artigo 440-AQ, IV, “b”, 3, do Provimento CNJ nº 195/2025.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Valdenir das Dores Diogo, em causa própria, contra a r. sentença de fls. 176/180, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de General Salgado, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo referido Oficial, mantendo a recusa em se proceder ao registro do título de aquisição do imóvel de matrícula de nº 2.722 daquela serventia.
O suscitado, inconformado, interpôs a apelação de fls. 187/194, insistindo na alegação de que a arrematação do imóvel em leilão realizado pela União configura aquisição originária da propriedade, pelo que devem ser afastadas as exigências de comprovação da inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural e da apresentação do Imposto Territorial Rural.
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 224/226).
É o relatório.
O recorrente pretende o registro do contrato de compra e venda de nº 0602.SP.000016/2024, com força de escritura pública (fls. 09/13), que firmou com a UNIÃO em 26/09/2024 (fl. 13), para dela adquirir parte ideal, correspondente a 50% sobre o imóvel registrado sob nº 2.722 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de General Salgado/SP.
Esclarece-se, de início, que a UNIÃO/Fundo Nacional Antidrogas – Funad obteve a propriedade da parte ideal do bem imóvel por força de sentença judicial proferida no Processo Crime nº 204.01.2008.000344-9/000000-000, conforme R27 na matrícula do imóvel (fl. 61).
A referida parte ideal foi, então, levada a leilão extrajudicial, modalidade de licitação, nos termos da Lei nº 8.666/1993, conforme edital de fls. 62/75, e foi arrematada pelo ora recorrente (fls. 21/22), conforme carta de arrematação expedida em 14/12/2020 (fl. 24).
Contudo, para cumprir a normatização relativa aos imóveis da União, foi necessário celebrar o supracitado contrato de compra e venda (fls. 09/13),
Vale dizer, ante o leilão extrajudicial do imóvel pertencente à União e sua arrematação pelo ora recorrente, foi necessária, por força da normatização incidente (vide cláusula segunda do contrato a fl. 10), a formalização da aquisição do imóvel por meio do contrato celebrado entre a União e o adquirente.
Apresentado tal contrato a registro no fólio real, conforme prenotação nº 54.575, sobreveio a qualificação negativa do título, nos termos da Nota de Devolução de nº 143/24 (fl. 97):
“O título apresentado não pode ser registrado, pois:
1) Não foram apresentados os seguintes documentos fiscais: (i) Comprovante de última declaração do ITR (2024) para o devido cálculo emolumentar – art. 22, da lei n. 4947/66; (ii) CCIR/2024 – art. 22, da lei n. 4947/66 (iii) Comprovante de inscrição no CAR – art. 29,§ 3º da lei n. 12651/12”.
A r. sentença julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do Serviço de Registro de Imóveis e Anexos de General Salgado, mantendo as exigências, com o que o suscitado se insurge em suas razões de recurso, mas não tem razão.
Oportuno constar que a exigência do item (ii) está superada porque o recorrente obteve a emissão do CCIR/2024, conforme consta no pedido de suscitação de Dúvida de fls. 05/07.
Remanesceram, então, as exigências relativas à apresentação da última declaração do ITR (2024) e à comprovação de inscrição do imóvel no CAR.
Com efeito, a discussão sobre ser originária ou derivada a aquisição da propriedade do imóvel tratado nos autos é de todo descabida neste procedimento administrativo.
Isso porque não se está diante de arrematação em leilão judicial, mas de arrematação em leilão extrajudicial, modalidade de licitação, conforme descrito no Edital de fls. 62/75 de 08/09/2020, regido, à época (eis que firmado em 13/11/2020) pela Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública de nº 8.666/1993.
Tanto que o título apresentado a registro não é a carta de arrematação, mas o contrato de compra e venda de fls. 09/12, firmado entre a UNIÃO e o ora recorrente.
Deste modo, toda a jurisprudência mencionada é inaplicável ao caso concreto e, portanto, deve ser desconsiderada.
No tocante à exigência registrária de apresentação da última declaração do ITR (2024), a assertiva do recorrente no sentido de que necessita, primeiramente, do registro do imóvel para, só então, apresentar a declaração, não prevalece.
Dispõe o artigo 1º da Lei nº 9.393 de 19/12/1996, que instituiu o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ITR:
“1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano”. (grifei)
Vê-se, portanto, que o fato gerador do imóvel é a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel, de sorte que a alegação do recorrente de que só logrará obter a declaração do ITR com o registro do imóvel em seu nome não tem respaldo na legislação incidente.
Ademais, o recorrente adquiriu os direitos sobre o imóvel em questão da legítima proprietária (R27, fl. 61), o que é suficiente para obter a declaração do ITR.
Considerando, ainda, que o recorrente apresentou o CCIR/2024, não há justificativa para não apresentar a declaração do ITR, na medida em que o comprovante de recolhimento do ITR deve acompanhá- la.
Assim dispõe o caput e o §3º do artigo 22 da Lei nº 4.947/1966:
“Art. 22 – A partir de 1º de janeiro de 1967, somente mediante apresentação do Certificado de Cadastro, expedido pelo IBRA e previsto na Lei n º 4.504, de 30 de novembro de 1964, poderá o proprietário de qualquer imóvel rural pleitear as facilidades proporcionadas pelos órgãos federais de administração centralizada ou descentralizada, ou por empresas de economia mista de que a União possua a maioria das ações, e, bem assim, obter inscrição, aprovação e registro de projetos de colonização particular, no IBRA ou no INDA, ou aprovação de projetos de loteamento. (vide Decreto nº 59.428, de 27,10.1966)
(…)
§ 3°. A apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR, exigida no caput deste artigo e nos §§ 1o e 2o, far-se-á, sempre, acompanhada da prova de quitação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ITR, correspondente aos últimos cinco exercícios, ressalvados os casos de inexigibilidade e dispensa previstos no art. 20 da Lei no 9.393, de 19 de dezembro de 1996. (redação dada pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)”. (grifei)
Assim sendo, desnecessário o anterior registro para a regularização e apresentação da declaração de ITR/2024, conclui-se que a exigência deve ser mantida.
Por fim, no que se refere à exigência de comprovação da inscrição do imóvel no CAR, o Oficial igualmente está com a razão.
O Código Florestal, Lei nº 12.651/2012, dispõe:
“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
(…)
§3º. A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedade e posses rurais”.
As NSCGJ, por sua vez, preveem a averbação do número de inscrição no Cadastro Ambiental Rural, conforme o disposto no item 9, letra “b”, nº 38, do Capítulo XX, do Tomo II:
“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
(…)
b) a averbação de:
(…)
38. número de inscrição do imóvel rural no Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural SICAR-SP ou Cadastro Ambiental Rural CAR”.
E, recentemente, o Provimento CNJ nº 195/2025, que alterou o Código Nacional de Normas, estabeleceu que, no ato de abertura de matrícula, deverá ser informado o número de inscrição no Cadastro Ambiental Rural. Confira-se:
“Art. 440-AQ. Além das informações obrigatórias constantes do art. 176, II, da Lei n. 6.015/1973, por ocasião do ato de abertura, a matrícula deverá conter:
(…)
IV – os códigos dos seguintes cadastros imobiliários obrigatórios que abranjam total ou parcialmente a área objeto da matrícula:
(…)
b) no caso de imóveis rurais:
(…)
3) o código de inscrição do Cadastro Ambiental Rural (CAR), emitido pelos órgãos ambientais competentes”.
As exigências, portanto, eram pertinentes e ficam mantidas.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJEN de 20.08.2025 – SP)