CSM|SP: Direito Registral – Apelação Cível – Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Existência de ordens de indisponibilidade em nome da vendedora – Registro inviável – A decretação de indisponibilidade de bens, ainda que posterior à lavratura da escritura pública, obsta o registro do título de transmissão voluntária da propriedade, em observância ao princípio tempus regit actum – Compete ao interessado buscar na via jurisdicional o levantamento da restrição ou autorização para o ingresso do título no fólio real – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso desprovido. 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1024045-32.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante RAUL MACHADO FILHO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 7 de agosto de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1024045-32.2024.8.26.0577

Apelante: Raul Machado Filho

Apelado: 1º Oficial de Registro de imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.873

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que manteve o óbice ao registro da Escritura Pública de Compra e Venda de imóvel, devido a ordens de indisponibilidade em nome da vendedora.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se as ordens de indisponibilidade, decretadas após a lavratura da escritura pública, impedem o registro do título de aquisição voluntária da propriedade imobiliária.

III. Razões de Decidir

3. As ordens de indisponibilidade, mesmo posteriores à escritura pública de compra e venda, impedem seu registro, conforme o princípio tempus regit actum. Nada impede, é claro, que o interessado obtenha na esfera jurisdicional o levantamento da indisponibilidade, ou a determinação de registro do título. O que se veda é ao Oficial de Registro, na esfera administrativa, ignorar a indisponibilidade pelo só fato de o título ser anterior à restrição.

4. Precedentes do Conselho Superior da Magistratura confirmam a impossibilidade de registro devido à indisponibilidade de bens.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido. Tese de julgamento:

1. A indisponibilidade de bens impede o registro de alienação voluntária, mesmo que a escritura tenha sido lavrada anteriormente.

Jurisprudência Citada:

TJSP – Apelação Cível n. 777-6/7, rel. Des. Ruy Camilo, n. 530-6/0, rel. Des. Gilberto Passos Freitas; TJSP – Apelação Cível n. 0004535-52.2011.8.26.0562, rel. Des. José Renato Nalini; TJSP – Apelação Cível nº 29.886-0/4, Relator Desembargador MARCIO MARTINS BONILHA; TJSP – 1001755-32.2022.8.26.0338, de minha relatoria, Conselho Superior de Magistratura, j. 31/10/2024; TJSP – Apelação Cível 1027485-33.2021.8.26.0224, Rel. Fernando Antonio Torres Garcia, Conselho Superior de Magistratura, j. 31/08/2023; TJSP – Apelação Cível 1039545-36.2019.8.26.0506; Rel. Ricardo Anafe; Conselho Superior de Magistratura; j: 04/05/2021.

Trata-se de apelação interposta por RAUL MACHADO FILHO contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, que julgou procedente a dúvida e manteve o óbice ao registro da Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel objeto da matrícula nº 208.844 (fls. 79/81).

O apelante afirma, em síntese, que as ordens de indisponibilidade foram decretadas muitos anos após a aquisição do imóvel, feita por escritura pública. Aduz que não tem condições financeiras de proceder ao cancelamento das averbações, já que são de diversos Estados da Federação. Pede, assim, a reforma da sentença (fls. 88/92).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 108/111).

É o relatório.

Decido.

O registro da Escritura Pública de Compra e Venda referente ao imóvel objeto da matrícula nº 208.844 foi negado pela Oficial, que expediu nota de devolução relativa à prenotação nº 752.934 (fls. 13/16), noticiando a existência de várias indisponibilidades em nome da vendedora do imóvel, Concic Engenharia S/A, que impedem a prática de atos de transmissão ou oneração de propriedade ou direito real, até que sejam canceladas pelos respectivos Juízos.

Nenhum reparo merece o r. decisum.

O título cujo registro se pretende inscrever no fólio real consiste em Escritura Pública de Venda e Compra (fls. 08/11), lavrada em 30 de agosto de 1995, referente ao imóvel identificado como uma casa residencial, e seu respectivo terreno e quintal, constituído pelo lote nº 04 RI. 4096, da quadra nº 112, integrante do Conjunto Residencial Satélite V, situada na Rua Barra Velha, nº 538, constando como vendedora, a empresa Concic Engenharia S/A e, como compradores, o apelante, Raul Machado Filho e Vera Lucia Monteiro Machado.

Em análise à matrícula (certidão a fls. 17/36), o Oficial constatou a existência de diversas ordens de indisponibilidade em nome da vendedora, a primeira averbada em 15 de outubro de 2013 (AV.1) e, a última delas, averbada em 16 de março de 2022 (AV. 43).

É sabido que a decretação da indisponibilidade de bens inviabiliza o ingresso de título que implique alienação voluntária do imóvel.

O fato de a escritura pública de venda e compra do imóvel ser anterior às ordens de indisponibilidade averbadas na correspondente matrícula não determina o ingresso do título no fólio real.

Com efeito, a análise do título apresentado a registro está sujeita ao princípio tempus regit actum (Apelação Cível n. 115-6/7, rel. José Mário Antonio Cardinale; Apelação Cível n. 777-6/7, rel. Des. Ruy Camilo, n. 530-6/0, rel. Des. Gilberto Passos Freitas, e Apelação Cível n. 0004535-52.2011.8.26.0562, rel. Des. José Renato Nalini).

Dizendo de outro modo, é a data da prenotação que marca o início do procedimento registral, cabendo ao Registrador, quando da qualificação, observar as normas vigentes na referida data (prenotação), e não as que vigoravam no momento da celebração do negócio ou da formação do título e muito menos aquelas vigentes em momento posterior.

Dessa forma, a existência de ordens de indisponibilidade que recaem sobre o imóvel ou direitos a ele relativos obsta o registro da escritura pública, ainda que a decretação tenha ocorrido muito após sua lavratura.

Nesse sentido, já decidiu o Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 29.886-0/4, Relator Desembargador MARCIO MARTINS BONILHA: “A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade.” (grifei)

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro em razão da transmissão voluntária:

“Registro de imóveis. Dúvida. Recusa de ingresso de escritura de venda e compra de parte ideal correspondente a dois décimos do bem. Orientação da Corregedoria Geral da Justiça pela impossibilidade de registro de venda de parte ideal por caracterizar possível fraude à lei do parcelamento do solo. Caso concreto que não envolve novo parcelamento, mas venda de parte ideal nas condições originalmente estabelecidas pelos condôminos, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.6.766/79 e sem referência a localização específica ou metragem definida para cada copropriedade. Elementos suficientes para afastar, na espécie, a aplicação do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ. Averbação de indisponibilidade de bens em nome do vendedor. Medida acautelatória que impede o registro de alienação voluntária, ainda que a escritura tenha sido lavrada anteriormente, uma vez que a qualificação registral é levada a efeito no momento da apresentação do título para registro (tempus regit actum). Averbação de penhora para garantia de execução Constrição que não impede a alienação do imóvel. Dúvida procedente. Recurso não provido”. (TJSP; Apelação Cível 1001755-32.2022.8.26.0338; de minha relatoria; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 31/10/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA -ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA – ORDEM DE INDISPONIBILIDADE QUE OBSTA O REGISTRO DA ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO ÓBICE MANTIDO – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1027485-33.2021.8.26.0224; Relator(a): Fernando Antonio Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 31/08/2023).

“Registro de Imóveis. Dúvida. Partilha ‘causa mortis’. Escritura pública. Renúncia por herdeiro contra o qual pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais. Cessão de parte dos bens do espólio a filho desse herdeiro. Óbice aos pretendidos registros decorrentes da partilha. Indisponibilidade que, entretanto, não impunha ao herdeiro o dever de aceitar. Fraude contra credores e fraude à execução que não podem ser apreciadas na via administrativa. Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados”. (TJSP; Apelação Cível 1039545-36.2019.8.26.0506; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 04/05/2021).

Assim, sendo correta a exigência oposta pelo Oficial ao registro da escritura apresentada, é de rigor a manutenção da r. sentença proferida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJEN de 20.08.2025 – SP)