CNJ: Direito notarial e registral – Consulta – Inclusão extrajudicial de sobrenome por pessoa com agnome – Possibilidade – Recomendação de exclusão do agnome – Prevalência de atos normativos da Corregedoria Nacional de Justiça sobre os das corregedorias estaduais.

Autos: CONSULTA – 0000880-79.2024.2.00.0000

Requerente: JOSE EUSTAQUIO DE OLIVEIRA JUNIOR

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

EMENTA

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL. CONSULTA. INCLUSÃO DE SOBRENOME. REQUERENTE COM AGNOME. QUESTIONAMENTOS RESPONDIDOS.

I. CASO EM EXAME

1. Consulta sobre a possibilidade de alteração extrajudicial de sobrenome familiar por pessoa que possua agnome.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é possível a inclusão de sobrenome familiar, por via extrajudicial, por pessoa que possua agnome; e (ii) havendo conflito entre provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça e das Corregedorias Estaduais, definir qual ato normativo deve prevalecer.

III. RAZÕES DE DECIDIR          

3. O art. 57, I, da Lei n. 6.015/1973, com redação dada pela Lei n. 14.382/2022, autoriza a inclusão de sobrenomes familiares por via administrativa, desde que haja requerimento pessoal e apresentação dos documentos pertinentes.

4. O agnome é elemento identificador utilizado para diferenciar membros da mesma família que possuam nome idêntico, conforme dispõem os arts. 515-B, § 7º e 515-N, ambos do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, instituído pelo Provimento CNJ n. 149/2023.

5. Caso o requerente tenha agnome poderá solicitar a inclusão de sobrenomes familiares ao seu nome, sendo recomendável, no entanto, a exclusão do seu agnome, ante a perda de sua finalidade e em atenção aos princípios da veracidade, da individualização do nome e da imutabilidade relativa.

6. O art. 8º, X, do RICNJ atribui à Corregedoria Nacional competência para expedir atos normativos destinados ao aperfeiçoamento dos serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro, devendo, portanto, em caso de conflito, prevalecer seus atos sobre os das corregedorias estaduais.

IV. DISPOSITIVO E TESE       

7. Consulta conhecida e respondida.

Tese de julgamento: É admissível a inclusão extrajudicial de sobrenomes familiares por pessoa que possua agnome, nos termos do art. 57, I, da Lei n. 6.015/1973, sendo recomendável, no entanto, a exclusão do seu agnome, ante a perda de sua finalidade e em atenção aos princípios da veracidade, da individualização do nome e da imutabilidade relativa.

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 6.015/1973, art. 55 e art. 57, I; Provimento CNJ n. 149/2023, arts. 515-B, § 7º, e 515-N; RICNJ, art. 8º, X.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta nos seguintes termos: (i) é possível que a solicitação de inclusão de sobrenomes familiares, nos termos do art. 57 I, da LRP, seja formulada por pessoa que possua agnome em seu sobrenome, desde que requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e documentos necessários, recomendando-se, em razão dos princípios da veracidade e imutabilidade relativa, a exclusão do agnome (em razão da perda de sua finalidade), salvo, nessa hipótese, se houver, também, a alteração do nome do ascendente para manter a homonímia que justificou a inserção do agnome; e (ii) a conduta dos oficiais registradores, em caso de conflito entre os provimentos expedidos pelas Corregedorias Estaduais de Justiça e aqueles expedidos pela Corregedoria Nacional de Justiça deve ser a de fazer prevalecer estes sobre aqueles, sendo certo que as corregedoria gerais de Justiça devem modificar suas normas para adequarem-se aos provimentos expedidos no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos do art. 8º, X, do RICNJ, conforme voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 13 de junho de 2025. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Ulisses Rabaneda, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Rodrigo Badaró.

RELATÓRIO

O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator): 

Trata-se de Consulta apresentada por José Eustáquio de Oliveira Júnior na qual questiona este Conselho sobre a aplicação do art. 57, I, da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973), incluído pela Lei n. 14.382/2022, na hipótese de pedido de alteração extrajudicial de sobrenome familiar quando o solicitante tenha, ao final de seu nome, algum agnome distintivo de geração, tais como “filho(a)”, “júnior”, “neto(a)” ou “sobrinho(a)”.

O Consulente relata que diversas serventias extrajudiciais do país estão obstando a adição de sobrenomes familiares, com base em normas locais mais restritivas e em uma interpretação equivocada do art. 57, I, da Lei de Registros Públicos, pois a norma previu a possibilidade de inclusão dos sobrenomes familiares de maneira extrajudicial e sem necessidade de justificativa, impondo como condição apenas demonstrar a origem do sobrenome a ser adicionado.

Diante da alegada divergência interpretativa, formula as seguintes indagações:

1. À luz da legislação vigente, mormente a redação conferida ao art. 57, inciso I, da Lei n.º 6.015/1973 pela Lei n.º 14.382/2022, que buscou simplificar e desjudicializar o procedimento de mudança de nome, INDAGA-SE: há limitações ou condições estabelecidas pela norma em referência que afetem a sua aplicação a indivíduos que possuam partículas distintivas de geração em seus nomes, exigindo a alteração ou remoção destes para possibilitar a inclusão de um sobrenome familiar?

2. Quanto aos encarregados das serventias extrajudiciais responsáveis pelos registros, INDAGA-SE: frente a um possível conflito entre normativas locais, e.g., o art. 552 do Provimento Conjunto n.º 93/2020 do CGJ/TJMG, e as disposições da legislação federal e do Provimento n.º 149/2023 do CNJ, estariam eles autorizados ou obrigados a dar preferência às normas locais mais restritivas ou genéricas, contrariando o objetivo de desburocratização e facilitação estabelecido pela legislação específica?

Em 15.3.2024, determinei o encaminhamento dos autos à Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR), da Corregedoria Nacional de Justiça, solicitando subsídios técnicos para análise da matéria (Id 5471524).

É o relatório.

VOTO

O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator): 

Conhecimento 

Nos termos do art. 89 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, “o Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência”.

Na hipótese dos autos, os questionamentos foram formulados de maneira abstrata e se referem à aplicabilidade de lei cujo objeto está inserido no âmbito da competência do Conselho Nacional de Justiça, qual seja, a normatização dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Além disso, identifico interesse geral, uma vez que a parte indica aparente conflito de normas sobre registros de pessoas naturais, bem como propõe questionamentos que podem impactar na uniformidade dos atos notariais e registrais em todo o país.

Assim, presentes os requisitos normativos, conheço da consulta.

Mérito 

Conforme relatado, trata-se de consulta em que se questiona qual o procedimento a ser adotado em pedidos de alteração extrajudicial de sobrenome familiar em casos nos quais o solicitante tenha, ao final de seu nome, algum agnome distintivo de geração.

Desde logo, acolho os fundamentos trazidos no parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (Id 5645108), os quais utilizo como razões de decidir.

Transcrevo os dispositivos normativos pertinentes à controvérsia:

Lei n. 6.015/1973 (Dispõe sobre os registros públicos)

Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim de: (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

I – inclusão de sobrenomes familiares; (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

Provimento CNJ n. 149 de 30/08/2023 (Institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), que regulamenta os serviços notariais e de registro)

Art. 515-B. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome, de livre escolha dos pais, e o sobrenome, que indicará a ascendência do registrado. (incluído pelo Provimento n. 153, de 26.9.2023) […]

§7º Se o nome escolhido for idêntico ao de outra pessoa da família, é obrigatório o acréscimo de agnome ao final do nome a fim de distingui-los. (incluído pelo Provimento n. 153, de 26.9.2023)

Art. 515-N. Nas alterações de prenome ou de sobrenome, se o nome escolhido for idêntico ao de outra pessoa da família, é obrigatório o acréscimo de agnome ao final do nome a fim de distingui-los. (incluído pelo Provimento n. 153, de 26.9.2023)

No que se refere ao primeiro questionamento, de início, anoto que o art. 55 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos – LRP) assegura que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome, tal como previsto no Provimento CNJ n. 149/2023.

Embora não mencionado expressamente no art. 16 do Código Civil, o nome também é composto pelo que se denomina de “agnome” “cuja função única é distinguir e conectar parentes, na específica situação em que é atribuído nome idêntico ao parente mais novo àquele que pertence ou pertenceu ao mais velho, como forma de homenagem, indicando o grau de parentesco e, ao mesmo tempo, diferenciando-os” (Id 5645108). São as denominações filho(a), neto(a), sobrinho(a) ou júnior.

A utilização do agnome, portanto, somente se justifica na hipótese de coincidência do binômio prenome/sobrenome, a fim de evitar a homonímia na seara familiar. Nesse sentido, o citado art. 515-B, § 7º do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), instituído pelo Provimento n. 149, de 30 de agosto de 2023.

A Lei n. 14.382/2022, por sua vez, inseriu o inciso I no art. 57 da LRP para permitir a inclusão de sobrenomes familiares ao nome a fim de proteger os vínculos de parentesco e de ancestralidade, desde que: (i) o pedido seja formulado pessoalmente perante o oficial de registro civil; e (ii) com a apresentação de certidões e documentos necessários; (iii) independentemente de autorização judicial.

Assim, caso o requerente tenha agnome, por certo, poderá solicitar a inclusão de sobrenomes familiares ao seu nome, sendo recomendável, no entanto, a exclusão do seu agnome, ante a perda de sua finalidade e em atenção aos princípios da veracidade e da individualização do nome, segundo os quais, o nome deverá refletir a ascendência familiar, mas sempre buscando identificar a pessoa de maneira singular e ao princípio da imutabilidade relativa.

Somente não se justificaria a exclusão do agnome na hipótese de ocorrer “também, a alteração do nome do ascendente para manter a homonímia que justificou a inserção do agnome” (Id 5645108).

Quanto ao segundo questionamento formulado, em caso de eventual conflito entre os provimentos expedidos pelas Corregedorias Estaduais e aqueles editados pela Corregedoria Nacional de Justiça, os registradores devem adotar as normas da Corregedoria Nacional de Justiça, “que, nos termos do art. 8º, X, do RICNJ, tem competência para expedir recomendações, provimentos, instruções normativas, orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento dos serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro” (Id 5645108).

Ante o exposto, conheço da Consulta para respondê-la, na linha do parecer técnico, nos seguintes termos:

(i) é possível que a solicitação de inclusão de sobrenomes familiares, nos termos do art. 57 I, da LRP, seja formulada por pessoa que possua agnome em seu sobrenome, desde que requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e documentos necessários, recomendando-se, em razão dos princípios da veracidade e imutabilidade relativa, a exclusão do agnome (em razão da perda de sua finalidade), salvo, nessa hipótese, se houver, também, a alteração do nome do ascendente para manter a homonímia que justificou a inserção do agnome; e

(ii) a conduta dos oficiais registradores, em caso de conflito entre os provimentos expedidos pelas Corregedorias Estaduais de Justiça e aqueles expedidos pela Corregedoria Nacional de Justiça deve ser a de fazer prevalecer estes sobre aqueles, sendo certo que as corregedoria gerais de Justiça devem modificar suas normas para adequarem-se aos provimentos expedidos no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos do art. 8º, X, do RICNJ.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

Pablo Coutinho Barreto

Conselheiro Relator

Dados do processo:

DJ 16.06.2025