2ª VRP|SP: Direito registral – Pedido de providências – Registro civil das pessoas naturais – União estável com pacto antenupcial – Convivente maior de 70 anos – Regime de separação de bens – Escritura pública lavrada em 23.02.2021 – Aplicação do art. 1.641, II, do Código Civil – Impossibilidade de afastamento da separação obrigatória à época do ato – Princípio do tempus regit actum – Decisão do STF no ARE 1309642/SP (01.02.2024) com efeitos prospectivos – Ausência de requisitos autorizadores do registro – Manutenção do óbice imposto pelo registrador – Pedido indeferido.

Processo 1093274-21.2025.8.26.0100
Classe – Assunto: Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais
Requerente: J.I.A.H.M.M.
Juiz de Direito: Marcelo Benacchio

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por J. I. A. H. M. M., que se insurge em face do óbice imposto pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, ao requerimento de Registro de Escritura Pública de União Estável com Pacto Antenupcial.

Cópia da referida Escritura Pública consta às fls. 10/13.

O Senhor Interino se manifestou às fls. 22, referindo que, em vista da data da lavratura do instrumento notarial, não verifica preenchidos os requisitos que permitem o registro do ato, tal como declarado.

A parte interessada tornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 26/28).

O Ministério Público manifestou-se pela manutenção do óbice imposto, no entendimento de que a Escritura Pública foi lavrada em momento anterior à decisão do STF (fls. 32/34).

É o relatório. Decido.

Cuida-se de impugnação ao óbice imposto pelo Senhor Interino do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, ao requerimento de Registro de União Estável com Pacto Antenupcial.

Consta dos autos que a Escritura Pública Declaratória de União Estável que se pretende registrar foi lavrada aos 23.02.2021, quando o convivente masculino contava com mais de 70 anos de idade.

Do instrumento público figurou que o regime de bens adotado na convivência era o da separação total de bens.

O Senhor Interino impôs óbice ao registro do título no entendimento de que o disposto no instrumento notarial afronta o Código Civil, no sentido de que, em face da idade do convivente, o único regime de bens possível seria aquele da separação obrigatória, nos termos do art. 1.641, II, da citada lei.

A parte interessada impugnou a negativa, com fundamento no que restou decidido no bojo do ARE 1309642/SP, do STF, de 01.02.2024, que sustentou, com repercussão geral, que nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação obrigatória previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante a lavratura de escritura pública.

Por fim, o Ministério Público opinou em favor da manutenção do óbice, na compreensão de que o título foi lavrado em momento anterior à decisão pela Corte Superior.

Fundamentação.

Verifica-se dos autos que os requisitos autorizadores do registro, isto é, a regularidade formal e jurídica do título, conforme imposto pela legislação que recai sobre a matéria, não foram preenchidos, de modo que assiste razão ao i. Interino.

No momento da lavratura da Escritura Pública, não havia que se falar em afastamento da causa suspensiva, a qual obstava a escolha do regime de bens para maiores de 70 anos (conforme art. 1.641, II, do Código Civil).

Com efeito, a qualificação registral deve seguir o princípio do tempus regit actum, o que significa que o título deve se sujeitar às regras válidas ao tempo de sua elaboração e, à essa época, conforme acima exposto, não era possível a liberalidade na escolha do regime de bens.

Não menos, destaque-se que constou expressamente na decisão da Corte Suprema a modulação dos efeitos do decisum:

“A presente decisão tem efeitos prospectivos, não afetando as situações jurídicas já definitivamente constituídas. É possível, todavia, a mudança consensual de regime, nos casos em que validamente admitida (e.g., art. 1.639, § 2º, do Código Civil).”
(in: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15365774108ext=.pdf, consultado em 01.09.2025).

Dessa maneira, o que pretende a parte interessada não pode ser obtido, ao menos nesta estreita via extrajudicial, devendo o pleito ser levado às vias ordinárias ou, então, alterada e atualizada a declaração de vontade, se o caso.

Nessa ordem de ideias, acolho o óbice imposto pelo Senhor Interino e indefiro o pedido de registro, haja vista que não preenchidos os requisitos autorizadores do ato.

Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.

Ciência ao Senhor Designado e ao Ministério Público.

P.I.C.

(DJEN de 03.09.2025 – SP)