2ª VRP|SP: Direito notarial – Ata notarial – Pedido de providências – Reclamação contra tabelionato de notas – Alegações de entrada forçada para lavratura de ata notarial, negativa de expedição de certidão e atuação de preposta como advogada de parte interessada – Esclarecimentos do delegatário quanto à inexistência do ato à época da solicitação e adoção de medidas disciplinares internas – Parecer ministerial pelo arquivamento – Ausência de responsabilidade funcional do tabelião – Reconhecimento de atuação irregular da preposta por ofensa ao dever de imparcialidade, com determinação de bloqueio administrativo da ata notarial para impedir expedição de certidões sem autorização judicial – Advertência ao delegatário quanto à fiscalização de prepostos – Remessa de cópia à Corregedoria Geral da Justiça – Pedido julgado improcedente.
Processo 1052065-72.2025.8.26.0100
Pedido de Providências
Reclamação do extrajudicial (formulada por usuários do serviço)
Requerente: A. C. M.
Juiz de Direito: Dr. Marcelo Benacchio
Vistos.
Trata-se de representação formulada por A. C. M., na qual noticia supostas falhas na prestação do serviço extrajudicial a cargo do (…) Tabelionato de Notas desta (…).
Em apertada síntese, sustenta a representante que teria havido entrada forçada de prepostos do Tabelionato em sua residência para a lavratura de Ata Notarial.
Ainda, alega que colaboradora da serventia estaria, concomitantemente, exercendo atividades como advogada de seu ex-cônjuge.
Ademais, aponta que requereu cópia do referido instrumento notarial à serventia, que lhe negou a emissão do documento.
Requer a responsabilização funcional dos prepostos envolvidos e do Senhor Tabelião (fls. 01/15, 18/19, 22).
O Senhor Titular prestou esclarecimentos, explicando que o preposto responsável pela lavratura da Ata Notarial limitou-se a acompanhar o ex-cônjuge para a constatação, na presença de duas testemunhas, sem participação em entrada forçada no imóvel.
Informou, ainda, que a Ata foi efetivamente lavrada apenas em 04.04.2025, motivo pelo qual, à época do contato da interessada, declarou sua inexistência.
Quanto à auxiliar Mariana Barbosa, destacou que esta foi advertida, por ter atuado como advogada sem ciência do Delegatário, conduta em desacordo com o regulamento interno que havia subscrito, ressaltando não haver registro de outras atuações semelhantes e que, por fim, a funcionária cancelou sua inscrição na OAB (às fls. 23/32, 135/137 e 152/170).
Cópia da discutida Ata Notarial às fls. 53/62.
Instada a se manifestar, em síntese, a parte Representante reiterou os termos de seu protesto inaugural (fls. 37/51 e 68/70).
O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de ilícito funcional por parte do Senhor Titular (fls. 140/145 e 174/175).
É o breve relatório. Decido.
Insurge-se a parte Representante contra falhas no serviço extrajudicial prestado pelo (…) Tabelionato de Notas da (…).
Em suma, alega a parte interessada que teria havido a entrada forçada em seu imóvel, por seu ex-cônjuge acompanhado de funcionários da serventia, para a lavratura de Ata Notarial.
Sustenta, ainda, que preposta do Tabelionato estaria exercendo atividades profissionais na condição de advogada de seu ex-cônjuge, situação que configuraria evidente irregularidade, uma vez que representaria hipótese de potencial conflito de interesses, incompatível com a imparcialidade e a neutralidade que devem orientar os serviços notariais e registrais.
Acrescenta, ainda, que, ao solicitar a expedição de cópia do referido instrumento notarial junto à serventia, seu pedido foi negado, impedindo-lhe o acesso ao documento que entende indispensável para a defesa de seus interesses.
Diante desse quadro, pugna pela responsabilização funcional não apenas dos prepostos diretamente envolvidos, mas também do próprio Senhor Tabelião, na qualidade de delegatário responsável pela unidade e pelos atos praticados em seu âmbito, conforme se depreende das peças e documentos encartados aos autos.
A seu turno, o Senhor Titular veio aos autos para informar que o preposto responsável pela lavratura da Ata Notarial não participou de qualquer entrada forçada no imóvel da interessada, tendo somente acompanhado o ex-cônjuge para a confecção da constatação.
Ainda, o escrevente se fez acompanhar de duas testemunhas, para garantir a higidez do ato.
Não menos, no que tange à suposta negativa de expedição de certidão da Ata Notarial à interessada, explanou o Notário que o instrumento notarial somente foi efetivamente lavrado e concluído aos 04.04.2025, razão pela qual, na data do contato pela reclamante, foi declarada a inexistência de tal documento.
Relativamente à indevida atuação da Sra. Auxiliar como Advogada, noticiou o Notário que, quando de sua contratação, a funcionária foi expressamente notificada quanto à impossibilidade do exercício da advocacia, conforme regulamento interno que assinou.
Aponta, e confirma por declaração da própria colaboradora, que esta atuação se deu sem o conhecimento do Delegatário, razão pela qual foi formalmente advertida.
Por fim, noticia o Notário que a preposta reclamada não atuou como advogada em outros atos notariais da serventia, bem como que a funcionária cancelou sua inscrição junto à OAB.
Noutra quadra, a parte representante, não obstante as explicações apresentadas, manteve os termos de sua insurgência inicial.
O Ministério Público acompanhou o feito e apresentou parecer final pelo arquivamento dos autos, na compreensão de que não houve falha ou ilícito funcional na atuação do Senhor Tabelião.
Pois bem.
À luz dos esclarecimentos detalhadamente prestados, não verifico a ocorrência de responsabilidade funcional do Sr. Tabelião em seus deveres de orientação e controle dos prepostos.
Assim o é porque o Senhor Delegatário bem esclareceu e comprovou a negativa inicial informada à reclamante, quanto à inexistência do ato debatido, posto que à época, não lavrado.
Ainda, restou confirmado que o Titular bem orientou a preposta, quando de sua contratação, em relação à impossibilidade de atuação concomitante em funções advocatícias.
Dessa forma, evidencia-se que o Titular adotou as cautelas necessárias e compatíveis com a função de fiscalizar e dirigir os trabalhos da serventia.
Com efeito, o conjunto dos esclarecimentos prestados conduz à conclusão de que não houve descumprimento de seus deveres funcionais, tampouco falha no dever de supervisão dos prepostos sob sua responsabilidade.
Apesar do grave equívoco da preposta auxiliar em se identificar como Advogada, esse erro é tão fundamental que não se cogita da configuração de responsabilidade do Sr. Tabelião e sim ato doloso daquela, não decorrente de falta de orientação ou controle.
Além disso, houve aplicação de sanção formal àquela em razão dos fatos.
Destaco que a atuação individual de cada preposto não recai sobre o poder correicional deste Juízo, que somente detém atribuição para a supervisão da atuação do Delegatário do serviço público, de modo que outras questões de interesse cível e criminal, se o caso, deverão ser levadas às instâncias competentes.
Portanto, reputo satisfatórias as explicações e medidas adotadas pelo Senhor Titular, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar.
Não obstante, advirto o Senhor Delegatário para que se mantenha atento na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, de modo a evitar a repetição de fatos assemelhados.
De outra parte, a atitude da Sra. Preposta Auxiliar em tomar parte em favor do solicitante do ato notarial configura violação de pressuposto da atividade notarial, ou seja, a imparcialidade daqueles que atuam na realização de atos notariais.
A respeito, Andrea Gigliotti e Jussara Citroni Mondaneze afirmam:
“É dever dos notários conduzir sua atividade com absoluta imparcialidade, ou seja, não deve se envolver nos interesses privados das partes contratantes. O tabelião deve estar acima dos interesses envolvidos, sendo obrigação sua proteger as partes com igualdade, dando-lhes todas as explicações necessárias e oportunas, e livrando-as com imparcialidade dos enganos que podem engendrar sua ignorância ou até mesmo uma possível presença de má-fé.
Ele deve, em igual medida e com a mesma lealdade, tratar com esmero tanto o cliente habitual como o acidental; o que o elege como o que o aceita; o que o paga como o que se beneficia de sua atividade sem despesa alguma.
É notário das partes e de nenhuma em particular: preside as relações dos particulares, e sua posição equidista dos diversos interessados.” (GENTIL, Alberto. Registros Públicos. Rio de Janeiro: Método, 2025, p. 862).
Esse fato configura vício extrínseco de pressuposto do ato notarial, impedindo a produção de seus efeitos normais.
Nessa ordem de ideias, determino bloqueio administrativo do ato notarial objeto desta representação, de forma que não sejam expedidas certidões sem autorização desta Corregedoria Permanente.
As questões referentes à atuação da Sra. Preposta já foram informadas ao Ministério Público Criminal, assim, desnecessária repetição da providência.
Encaminhe-se cópia integral dos autos à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício.
Ciência ao Senhor Delegatário que deverá informar em cinco dias a realização do bloqueio administrativo e ao Ministério Público.
P.I.C.
(DJEN de 01.09.2025 – SP)