CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida Registrária – Formal de Partilha – Insurgência parcial contra exigências – Dúvida prejudicada – Fiscalização do ITCMD – Emolumentos – Justiça Gratuita Judicial não exime pagamento extrajudicial sem expressa determinação – Apelação não Conhecida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000904-74.2024.8.26.0062, da Comarca de Bariri, em que é apelante MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARIRI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e deram por prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível: 1000904-74.2024.8.26.0062

Apelante: Maria Aparecida de Souza Guelfi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bariri

VOTO Nº 43.817

Apelação – Registro de imóveis – Dúvida – Negativa de registro de formal de partilha – Exigências de recolhimento do ITCMD (ou comprovação de isenção) e dos emolumentos – Insurgência parcial quanto às exigências formuladas pelo registrador – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida – Análise das exigências para orientar futura prenotação – Exigências cabíveis.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o ingresso do formal de partilha no fólio real, sob a alegação de que a justiça gratuita concedida nos autos da ação judicial de inventário deveria isentar a cobrança dos emolumentos incidentes. 2. Recurso que não ataca todos os óbices registrais.

II. Questão em Discussão

3. Discute-se eventual prejuízo da dúvida e da apelação em razão da impugnação parcial das exigências. 4. Para orientar futura prenotação, questiona-se a exigência de recolhimento do ITCMD ou de comprovação de isenção, assim como o óbice de recolhimento de emolumentos à vista da concessão dos benefícios da justiça gratuita nos autos judiciais.

III. Razões de Decidir

5. A ausência de insurgência contra todas as exigências registrárias prejudica a dúvida, pois não permite decisão sobre a registrabilidade do título. Consequentemente, a apelação não pode ser conhecida.

6. Ao registrador cabe fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados (art. 289 da Lei nº 6.015/1973 e art. 134, VI, do CTN). Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.

7. A justiça gratuita deferida na esfera judicial não se estende automaticamente aos emolumentos do registro, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

IV. Dispositivo e Tese

8. Apelação não conhecida e dúvida prejudicada.

Tese de julgamento:

1. A ausência de impugnação de todas as exigências registrárias prejudica a dúvida e impõe o não conhecimento da apelação.

2. Para orientar futura prenotação, os óbices prevaleceriam.

Legislação Citada:

Código de Processo Civil, art. 98, IX.

Lei nº 6.015/73, art. 289.

Código Tributário Nacional, art. 134, VI.

Lei Estadual nº 11.331/2002, art. 9º, incisos I e II.

NSCGJ, item 68 do Capítulo XIII. Constituição Federal, § 2º do art. 236.

Jurisprudência Citada:

CSM/SP, Apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022.

CSM/SP, Apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 11/5/2015.

CGJ/SP, RA. nº 1001907-19.2024.8.26.0562, Parecer de nº 536/2024-E, de autoria do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Carlos Henrique André Lisboa, aprovado em 29/08/2024 pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça, Des. Francisco Loureiro.

CSM/SP, Apelação nº 1024661-80.2024.8.26.0100; Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 29/08/2024.

Trata-se de apelação (fls. 104/115) interposta por MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI contra a r. sentença (fls. 91/94) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Bariri/SP, que manteve a recusa do ingresso, no fólio real, do formal de partilha judicial expedido nos autos do Inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062 (fls. 25/68).

A apelante insiste, em suma, em que, por lhe terem sido concedidos os benefícios da justiça gratuita nos autos do referido inventário (fls. 46/47 e 65), o registro do formal de partilha deve ser efetivado sem a cobrança dos emolumentos registrais, nos termos do artigo 98, IX, do Código de Processo Civil. Requer, então, a reforma da sentença.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 155/156).

É o relatório.

O registro do formal de partilha expedido nos autos do inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri/SP, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062, foi negado pelo Oficial de Registro, que expediu a Nota de Devolução de nº 5042 (fls. 23/24), contendo as seguintes exigências:

“Conforme determina a Lei Estadual nº 10.705/00, e alterada pela Lei Estadual nº 10.992/01, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 46.655/02, bem como no artigo 289 da Lei nº 6.015/73 Lei de Registros Públicos e Artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional CTN, se faz necessário apresentar junto ao Formal de Partilha, os seguintes documentos:

a) Apresentar o Procedimento Administrativo realizado junto a Fazenda do Estado de São Paulo, onde apurou eventual incidência ou isenção do recolhimento de ITCMD Imposto de transmissão causa mortis ou doação, em virtude dos bens deixados pelos falecimentos de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza.

b) No caso de apuração de incidência de recolhimento de ITCMDs, apresentar cópia(s) autenticada(s) da(s) respectiva(s) guia(s) e do(s) correspondente(s) recolhimento(s).

c) Apresentar as Certidões de Homologação, emitidas pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, atestando que os lançamentos do ITCMDs foram homologados. (Inventário. Partilha. ITCMD. Recolhimento. Qualificação registral. Tributos. CSMSP -Apelação Cível: 1034876-28.2018.8.26.0100 São Bernardo do Campo -Data de Julgamento: 14/03/2019 Data DJ: 09/04/2019)

2 – Foi constatado por este Oficial que, na Decisão de fls. 34 do processo, foi concedido aos requerentes o benefício da assistência judiciaria para o tramite judicial.

Todavia, tais benefícios não são imediatamente estendidos aos emolumentos do serviço extrajudicial, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – CGJ/SP (EMOLUMENTOS COBRANÇA GRATUIDADE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA RECLAMAÇÃO CGJSP Recurso Administrativo 0004478-42.2023.8.26.0100 Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 28/08/2023 Data DJ: 01/09/2023).

Desta forma, com o cumprimento das exigências apontadas no item 1 acima, o interessado deverá efetuar o pagamento dos emolumentos referentes ao registro pretendido, observadas as disposições contidas no art. 9º, inciso II, in fine, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e, também contidas no item 68 e 68.1 do Capítulo XIII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

3 – Com o cumprimento das exigências acima, recolher os emolumentos para a prática dos atos do Formal de Partilha no valor de R$ 2.332,36 até a data de 20/05/2024, fazendo um pix na Chave Pix CNPJ Nº 52.787.780/0001-65 ou deposito bancário no Banco Itaú, agencia 0424, conta corrente 99793-0, favorecido Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bariri-SP, e encaminhar o comprovante de depósito no e-mail registrobariri@uol.com.br ou trazer pessoal uma cópia do comprovante de pagamento”.

Inconformada, a ora apelante solicitou a reconsideração das exigências e, alternativamente a suscitação de Dúvida (fls. 06/16), o que foi atendido pelo Oficial (fls. 01/04).

Após a manifestação do Ministério Público pela improcedência do pedido (fl. 90), sobreveio a r. sentença que manteve os óbices registrários, mencionando, contudo, que a dúvida havia sido suscitada pela interessada, quando foi o Oficial quem a suscitou, além de ter julgado a dúvida improcedente.

Saliente-se, por oportuno, que, tanto nas hipóteses de dúvida, diretamente ou inversamente suscitada, a regra da procedência ou improcedência não se modifica: será procedente quando o registro não se fizer, improcedente quando o registro for autorizado.

Nesse sentido, há equívoco na sentença ao manter as exigências registrárias e, não obstante, julgar a dúvida (direta) improcedente.

Feita a observação, verifica-se que a dúvida, todavia, está prejudicada.

Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não, é preciso que todas as exigências, e não apenas parte delas, sejam impugnadas.

A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrais, e, do mesmo modo, a anuência em relação a qualquer um dos óbices prejudica a dúvida, a qual só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) a manutenção da recusa do Oficial.

Na espécie, a dúvida está prejudicada porque o interessado, ao requerer a suscitação de dúvida e, posteriormente, ao recorrer, não se insurgiu com relação a todas as exigências (fls. 104/115). Com efeito, há insurgência apenas quanto ao recolhimento dos emolumentos, conforme fl. 114. Por consequência, a dúvida e o recurso de apelação estão prejudicados.

Apesar disso, é pertinente analisar os óbices para orientar futura prenotação.

Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.

Isso porque são sucessivos os precedentes deste Conselho, dando concretude ao art. 289 da Lei nº 6.015/73 e ao art. 134, VI, do CTN, no sentido de que cabe ao registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados.

Especificamente em relação ao imposto de transmissão causa mortis, cito os seguintes julgados:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – Suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva não configurada – Exigência de documentação pessoal atualizada afastada – ITCMD – Necessidade de comprovação de recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Óbice mantido – Apelação não provida” (CSM/SP – apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022).

“Registro de Imóveis – Formal de partilha – ITCMD – Recolhimento do tributo não comprovado – Dever do Oficial de fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício – Via administrativa incompetente para dispensar a apresentação de comprovantes de pagamento – Dúvida procedente – Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. Em 11/5/2015).

Ademais, quanto à exigência impugnada, ao contrário do que a apelante alega, o benefício da justiça gratuita, deferido na esfera jurisdicional, não atinge o recolhimento dos emolumentos devidos ao registro do formal de partilha.

À falta de decisão judicial específica que estenda os benefícios da justiça gratuita aos emolumentos, deve haver sua cobrança.

Nesse sentido, destaca-se trecho do seguinte parecer de nº 536/2024-E, do Juiz Assessor desta Corregedoria Geral da Justiça, Carlos Henrique André Lisboa, proferido nos autos do RA. Nº 1001907-19.2024.8.26.0562, que acolhi em 29 de agosto de 2024:

“Sobre o tema, preceitua o art. 98, § 1º, IX, do Código de Processo Civil:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: (…) IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Já a Lei Estadual nº 11.331/2002, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, prescreve, de forma mais específica:

Artigo 9° – São gratuitos: I – os atos previstos em lei; II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.

Em sentido muito semelhante, o item 68 do Capítulo XIII das NSCGJ:

68. São gratuitos os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados e demais títulos judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.

Nota-se que a regulamentação da concessão de gratuidade para a prática de atos notariais e de registro segue os parâmetros definidos pelo § 2º do art. 236 da Constituição Federal, ou seja, enquanto o Código de Processo Civil e a Lei Federal nº 10.169/2000 estabelecem normas gerais sobre o tema, a Lei Estadual nº 11.331/2002 e as Normas de Serviço da Corregedoria de Justiça regulamentam a matéria de forma mais detalhada.

E pela análise do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e do item 68 das NSCGJ resta claro que a gratuidade de ato extrajudicial depende de expressa determinação do magistrado que preside o feito na esfera jurisdicional.” (grifei)

Assim também já foi decidido por este CSM, em voto recente de minha lavra (Apelação Cível 1024661-80.2024.8.26.0100; julgado em 29/08/2024):

“REGISTRO DE IMÓVEIS. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA INVERSA. MANDADO DE PENHORA. NECESSIDADE DE PRÉVIO REGISTRO DE TÍTULO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO EXECUTADO PARA DAR CUMPRIMENTO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 98, §1º, IX DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE PROCESSUAL QUE SE ESTENDE AOS EMOLUMENTOS DEVIDOS PARA O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. DECISÃO JUDICIAL NOS AUTOS DA EXECUÇÃO COM DETERMINAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO PROVIDA.”

E, na espécie, não há decisão específica emanada do Juízo do inventário determinando o registro do formal de partilha de maneira gratuita. A r. sentença que homologou a partilha e determinou a expedição do respectivo formal não determinou de maneira expressa o registro do título judicial com isenção de emolumentos (fl. 65).

Enfim, não fosse a dúvida prejudicada, seria o caso de manter os óbices registrais pelas razões expostas.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação e dou por prejudicada a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 24.06.2025 – SP)