CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida Registrária – Formal de Partilha – Ausência de Cláusula Resolutiva em Contrato de Compra e Venda – Registro Possível – Cláusula Resolutiva deve ser expressa – Art. 1.359 do CC – Apelação Provida – Dúvida Julgada Improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0008082-34.2024.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante ANTÔNIO DE PAULO PERUZZI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 0008082-34.2024.8.26.0566
Apelante: Antônio de Paulo Peruzzi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Carlos
VOTO Nº 43.816
Direito civil – Apelação em dúvida registrária – Registro de imóveis – Provimento.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve o óbice ao registro de formal de partilha. O apelante sustenta que não há cláusula resolutiva no contrato de compra e venda que deu origem ao registro anterior e pede a improcedência da dúvida.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível registrar o formal de partilha.
III. Razões de Decidir
3. Diferentemente do sustentado pelo registrador, não há cláusula resolutiva nem nos registros das matrículas, nem nas escrituras públicas que lhes deram origem.
4. Mesmo que houvesse cláusula resolutiva, o registro do título translativo deveria ser efetuado, dele constando menção à cláusula.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: “1. A cláusula resolutiva de contrato de compra e venda (pacto comissório) deve ser enunciada de forma clara. 2. A existência de cláusula resolutiva não impede o registro do título subsequente, conforme art. 1.359 do Código Civil”.
Legislação Citada:
– Código Civil, art. 1.359.
Trata-se de apelação interposta por Antônio de Paulo Peruzzi contra a r. sentença de fls. 77/79, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis e Anexos de São Carlos, que, em suscitação de dúvida, manteve o óbice ao registro de formal de partilha nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 daquela serventia.
Alega o apelante, em síntese, que não há propriedade resolúvel na espécie, pois não houve previsão de cláusula comissória no contrato de compra e venda. Sustenta, ainda, que a menção à forma de pagamento do preço no registro não dá origem, por si só, à clausula resolutiva. Pede, ao final, o provimento do apelo para que o formal de partilha seja registrado (fls. 82/93).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 101/103).
Por meio da decisão de fls. 104, o processo foi remetido da Corregedoria Geral da Justiça a este Conselho Superior da Magistratura.
É o relatório.
Discute-se neste procedimento de dúvida a possibilidade de se registrar nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 do Registro de Imóveis e Anexos de São Carlos formal de partilha extraído dos autos de arrolamento dos bens deixados por Nelson Peruzzi.
A aquisição da propriedade do imóvel matriculado sob nº 175.570 pelo falecido se deu da seguinte forma, consoante R.1:
“Por escritura pública de Venda e Compra, datada de 04/06/1980, (…) o proprietário Luiz Motta (…) vendeu para Nelson Peruzzi (…) este IMÓVEL pelo valor de Cr$150.000,00, que será pago por intermédio de 15 notas promissórias, de Cz$10.000,00 cada uma, vencendo-se a 1ª em 03/11/1981 e as demais nos mesmos dias dos meses subsequentes, até final liquidação, as quais ficam vinculadas à presente e, valendo-se como comprovantes dos aludidos pagamentos, a entrega dos respectivos títulos quitados” (fls. 17/18).
Com conteúdo semelhante, consta o que segue no R.3 da matrícula nº 7.343:
“Por escritura datada de 04/06/1980, (…) os proprietários José Santos Zangotti (…) e sua mulher Clara Dirce Soares Zangotti (…) venderam para Nelson Peruzzi (…) este IMÓVEL pelo valor de Cr$ 150.000,00, importância que será paga por intermédio de 15 notas promissórias, de Cr$ 10.000,00 cada uma, de emissão do comprador, à favor do vendedor varão, sem juros e correção monetária, vencendo-se a 1ª em 3 de agosto de 1980, os quais ficam vinculadas à presente e, valendo-se como comprovante dos aludidos pagamentos, a entrega dos respectivos títulos quitados” (fls. 19/20).
O Oficial, cujo entendimento foi chancelado pela MM. Juíza Corregedora Permanente, desqualificou o título, forte no argumento da necessidade do prévio cancelamento do pacto comissório constante no registro (fls. 3).
Em outros termos, registrador e Corregedora Permanente entenderam que os atos de registro acima transcritos, por conterem cláusula resolutiva expressa, não podem ser modificados até a comprovação do pagamento integral do preço acertado no início da década de oitenta.
Sem razão, contudo.
Em primeiro lugar, porque no R.1 da matrícula nº 175.570 e no R.3 da matrícula nº 7.343 não houve previsão de cláusula resolutiva. É certo que ambos os registros mencionados, a exemplo das escrituras que lhes deram causa, se referem à forma de pagamento do preço, inclusive com alusão às parcelas respectivas e aos títulos de crédito representativos da dívida. Ainda assim, não decorre dos registros acima transcritos que o não pagamento de alguma das parcelas daria ensejo à resolução do contrato, com o retorno das partes aos status quo ante.
E a mesma conclusão acima ou seja, de que as partes não convencionaram cláusula resolutiva é obtida pela leitura das escrituras públicas que originaram os registros, pois não há uma única menção que indique a possibilidade de desfazimento da venda pelo inadimplemento do preço (fls. 64/67 e 68/70).
Ausente cláusula resolutiva nas escrituras registradas há mais de quarenta anos, não pago o preço ajustado, caberia ao vendedor tão somente cobrar o valor inadimplido.
Washington de Barros Monteiro, em comentário ao art. 163 do Código Civil de 1916[1], o qual não foi repetido no Código Civil atual, enaltece a necessidade de o pacto comissório ser expressamente convencionado pelas partes:
“O pacto comissório tem de resultar de convenção expressa; de outro modo, ou em caso de dúvida, a resolução contratual obedecerá à regra geral e comum[2]”.
Mas não é só.
Caso houvesse cláusula resolutiva expressa que não há, repita-se , o registro da transferência da propriedade não seria inviável. Apenas e tão somente deveria constar do registro a menção à existência de cláusula resolutiva expressa (art. 474 CC) que não se confunde, como é elementar, com condição resolutiva.
Ou seja, mesmo se houvesse cláusula resolutiva, o registro do título translativo deveria ser efetuado. Nesse caso, o novo proprietário, em virtude da inscrição constante da matrícula, estaria plenamente ciente da possibilidade de resolução do negócio anterior. E na hipótese de inadimplemento do preço por parte do proprietário anterior, o novo proprietário seria despojado do direito que obteve, uma vez que informado de que a propriedade era resolúvel.
É o que ensina Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
“Sendo a resolução negocial (ou convencional) porque inserida no contrato cláusula resolutória por incumprimento, levado o contrato ao registro de imóveis, incide o art. 1.359; nesse caso, a resolução produz efeitos reais quanto à contraparte e também relativamente ao terceiro subadquirente; isto é, desfaz-se o negócio também quanto a terceiro[3]“.
A cláusula comissória expressa levada ao registro imobiliário, portanto, não torna o bem inalienável. Ao contrário, na forma do art. 1.359 do CC, o imóvel pode ser normalmente transferido, ficando o adquirente ciente de que a perda da propriedade pode ocorrer pelo inadimplemento de obrigação anterior.
Finalmente, há de se destacar que o título cuja inscrição se pretende no caso concreto é mero formal de partilha (fls. 25 e seguintes). Não haverá, dessa forma, transferência de propriedade por força de alienação, mas mera regularização formal em virtude do falecimento do proprietário do bem.
Destarte, mesmo que houvesse cláusula resolutiva expressa que não há e não existisse a previsão do art. 1.359 do CC, não haveria motivo para se impedir o ingresso de título judicial, que simplesmente transfere o imóvel de Nelson Peruzzi a seus herdeiros.
Razão assiste, portanto, ao apelante, cujo recurso deve ser integralmente provido.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago desfazer o contracto ou pedir o preço.
Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda.
[2] Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações: 2ª Parte: Contratos, Declarações Unilaterais da Vontade; Obrigações por Atos Ilícitos, 28. ed., rev. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 108.
[3] Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 262.
(DJe de 24.06.2025 – SP)