CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Usucapião na via extrajudicial – Necessidade de anuência de todos os titulares de domínio (e seus sucessores) afetados pelo processo extrajudicial – Óbice bem formulado – Sentença bem lançada – Apelo a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1070697-20.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes APARECIDA CLAUDINA SIQUEIRA PANAGOULIAS, ALEXANDRA PANAGOULIAS LUCENA, VASSILI DEMETRIUS PANAGOULIAS e ANGELA PANAGOULIAS, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1070697-20.2023.8.26.0100

APELANTES: Aparecida Claudina Siqueira Panagoulias, Alexandra Panagoulias Lucena, Vassili Demetrius Panagoulias e Angela Panagoulias

APELADO: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.259

Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Usucapião na via extrajudicial – Necessidade de anuência de todos os titulares de domínio (e seus sucessores) afetados pelo processo extrajudicial – Óbice bem formulado – Sentença bem lançada – Apelo a que se nega provimento.

Cuida-se de apelação (fls. 1.611/1.620) interposta por Aparecida Claudina Siqueira Panagoulias, Angela Panagoulias, Alexandra Panagoulias Lucena e Vassili Demetrius Panagoulias contra r. sentença (fls. 1.586/1.592 e 1.608) pela qual a MM.ª Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Corregedora Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis daquela Comarca, manteve óbice (fls. 01/06) ao prosseguimento de processo extrajudicial de usucapião (fls. 15/27).

Segundo a r. sentença (fls. 1.586/1.592 e 1.608), os requerentes pretendem a declaração da usucapião extraordinária dos apartamentos matriculados sob os nºs 101.783 e 101.784 e da vaga de garagem matriculada sob o nº 51.799, pela alegação de que a posse existe há mais de quinze anos, ou seja, desde 7 de abril de 1997; conforme o registro imobiliário, o dono desse bem é Carlos de Carli Filho, falecido, casado com Dalva Santos de Carli; não é possível, entretanto, dispensar notificações de quem não haja dado consentimento expresso, ainda que a diligência implique morosidade ou dificuldade; no caso de titular falecido, por força da regra da saisina (Cód. Civil, arts. 1.784 e 1.791), direitos que lhe competiam passam ipso iure aos herdeiros, circunstância que faz necessário apresentar escritura pública declaratória de herdeiros únicos, com nomeação de inventariante, não bastando a notificação ou eventual consentimento, ainda que expresso (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, item 418.14); no caso concreto, porém, homologada a partilha (fls. 1.405), cada herdeiro, exercendo direito próprio, tem de manifestar anuência, destacando-se que o título apresentado só indica relação jurídica com alguns deles; assim é que no inventário de Carlos de Carli Filho receberam pagamentos, sobre o bem usucapiendo, a viúva Dalva Santos de Carli, de um lado, o legatário Carlos Antônio de Carli Filho, os herdeiros filhos Carlos Antônio de Carli, Carlos Alberto de Carli, Maria Divane de Carli Miranda, Denise Helena de Carli Baroni, Heloísa Helena de Carli Barone Lassance, e os herdeiros netos Carlos de Carli, Jhonny Eduardo de Carli, Hélio Carlos de Carli, Carlos Ricardo de Carli, Maria Cristina Cordeiro de Melo Anselmo, Antônio Cordeiro de Melo e Pedro Cordeiro de Melo Filho; todavia, no instrumento particular que dá causa à posse só figuraram a viúva Dalva Santos de Carli, os herdeiros Carlos Antônio de Carli, Carlos Alberto de Carli, Denise Helena de Carli Baroni, Heloísa Helena de Carli Baroni Lassance e Carlos Antônio de Carli Filho, que prometeram a alienação de suas frações ideais a Basile Demetrius Panagoulias; logo, é necessário notificar Maria Divane de Carli Miranda, Carlos de Carli, Jhonny Eduardo de Carli, Hélio Carlos de Carli, Carlos Ricardo de Carli, Maria Cristina Cordeiro de Melo Anselmo, Antônio Cordeiro de Melo, Pedro Cordeiro de Melo Filho, bem como seus cônjuges e companheiros, cuja fração ideal corresponde a mais de dez por cento dos bens usucapiendos; porém, sendo necessárias tais notificações, deve-se entretanto notar que não é necessário demonstrar o estado civil de herdeiros netos, por conta e risco dos requerentes, depois de esgotadas as providências possíveis para localização, cabendo ao Oficial, oportunamente, avaliar o cabimento da notificação por edital.

Os interessados apelaram (fls. 1.611/1.620), pedindo a reforma do julgado e sustentando que exercem posse mansa e pacífica desde 1997, como provam os documentos que trouxeram, os quais indicam, de forma peremptória, que o poder fáctico lhes foi transmitido com anuência de todos os titulares e sucessores, fazendo desnecessárias as notificações exigidas pelo r. decisum para o reconhecimento de usucapião extraordinária.

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento da apelação (fls. 1.642/1.645).

É o relatório.

De meritis: em que pese aos termos do recurso, a r. sentença tem de ser mantida por seus próprios termos, pois foram bem lançados os óbices pelo Oficial de Registro de Imóveis. É que, a despeito da aparente complexidade do caso, derivada tão somente no grande número de atingidos, a solução é uma só, como exigem a natureza das coisas e as mais comezinhas regras de direito, a saber: todos os atingidos pela decisão extrajudicial de usucapião ou devem anuir, ou têm de ser notificados para que se possam manifestar (Constituição da República, art. 5º, II e LV; Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 216-A, II e §§ 2º-4º e 11-13). Pouco importa, para tanto, a espécie de pedido: ainda que se trate de usucapião extraordinária, o suposto da relação processual (administrativa ou judicial, que seja) é que se ouça quem for afetado pela perda do direito. Logo, se parte dos herdeiros dos donos tabulares não figuraram no título, é indispensável a sua vinda ao processo administrativo, como assinalado na r. sentença recorrida.

Como já ficou decidido por este Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível n. 1074288-29.2019.8.26.0100, da qual foi Relator o então Corregedor Geral da Justiça Des. Ricardo Mair Anafe, em 01.9.2020:

“E, conquanto o alegado tempo de posse seja superior ao exigido pelo Art. 1.238 do Código Civil, certo é que, em nenhuma modalidade de usucapião, há previsão legal para dispensa das notificações expressamente exigidas. Por meio da usucapião, quer judicial ou administrativa, o titular de domínio perde sua propriedade, de sorte que, em obediência ao princípio do contraditório, a notificação do proprietário tabular ou de seus herdeiros afigura-se indispensável, ressalvada a hipótese prevista no Art. 13 do Provimento CNJ nº 65/2017.”

Assim, como fez notar a douta Procuradoria de Justiça (fls. 1.644, especialmente), a solução correta é manter-se a r. sentença, como lançada.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 15.03.2024 – SP)