CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial (usucapião extraordinária) – Recusa de prosseguimento – Exigências – Identificação e notificação de herdeiros do titular tabular falecido: obrigação do interessado de diligenciar e indicar herdeiros quando possível; admissibilidade de afastamento de exigência impossível e, comprovada a inviabilidade de identificação, cabimento de notificação por edital – Emenda da ata notarial para repetir descrição do memorial: formalismo indevido diante de diferença irrisória de área entre registro e memorial e porque o memorial acompanha as notificações – Justo título: dispensável na usucapião extraordinária (cc, art. 1.238), mas necessária descrição consistente da origem, continuidade e datas (ainda que aproximadas) da cadeia possessória – Certidões de distribuição: exigíveis nos termos das NSCGJ/SP (item 416.2, iv), ressalvada a inviabilidade em nome de herdeiros não identificáveis – Manutenção de três exigências essenciais (notificação/herdeiros, esclarecimentos sobre a posse e certidões) – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006407-94.2025.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante VICENTE CORTEGIANO NETO, é apelado 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1006407-94.2025.8.26.0562
Apelante: Vicente Cortegiano Neto
Apelado: 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO Nº 44.002
Direito Registral – Apelação – Usucapião Extrajudicial – Recurso não provido.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa do Oficia em prosseguir com procedimento de usucapião extrajudicial.
II. Questão em Discussão
2. Discutem-se as seguintes questões: (i) necessidade de identificação e notificação dos herdeiros do titular de domínio; (ii) a exigência de emenda da ata notarial para repetir a descrição do memorial descritivo; (iii) falta de demonstração do justo título; (iv) a apresentação de certidões de distribuição para verificar oposição à posse.
III. Razões de Decidir
3. Embora a notificação dos herdeiros do proprietário seja necessária, não se pode inviabilizar o procedimento de usucapião extrajudicial se a identificação deles for impossível.
4. A diferença entre as áreas do registro e do memorial descritivo é irrisória, não justificando a exigência de emenda da ata notarial.
5. A usucapião extraordinária prescinde de justo título, mas a explicação acerca da origem e características da posse se faz necessária.
6. A impossibilidade de identificar herdeiros inviabiliza a apresentação de certidões de distribuição em nome deles.
IV. Dispositivo e Tese
7. Recurso não provido.
Tese de julgamento: 1. Desde que a identificação seja possível, a notificação dos herdeiros é obrigatória no procedimento de usucapião extrajudicial. 2. A diferença irrisória entre as áreas do registro e do memorial não justifica a emenda da ata notarial. 3. A usucapião extraordinária prescinde de justo título, mas requer explicações sobre a posse.
Legislação Citada:
– Art. 1.238 do Código Civil.
Jurisprudência Citada:
– CSM/SP – apelação nº 1004109-65.2023.8.26.0606, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 10/4/2025.
– CGJ/SP Recurso Administrativo nº 1046670-52.2024.8.26.0224, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 26/8/2025.
Trata-se de apelação interposta por Vicente Cortegiano Neto contra a r. sentença de fls. 215/226, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 3º Registro de Imóveis de Santos, que manteve a recusa do Oficial em dar prosseguimento a procedimento de usucapião extrajudicial iniciado pelo ora apelante.
O apelante alega, em suma, que a citação dos herdeiros do titular de domínio do imóvel usucapiendo não se mostra viável; que a citação por edital supre a necessidade de citação desses herdeiros; que a descrição na ata notarial repete a descrição que consta no registro imobiliário; que a usucapião extraordinária independe de justo título. Pede, ao final, o provimento do recurso, para que se dê continuidade ao procedimento extrajudicial de usucapião (fls. 233/250).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 277/278).
É o relatório.
A continuidade do procedimento extrajudicial de usucapião foi obstada por três motivos distintos: a) não apresentação de certidão de óbito de José Sartoris, titular de domínio do imóvel usucapiendo, impedindo a verificação de seu estado civil e identificação de seus herdeiros; b) necessidade de emenda da ata notarial para que nela seja repetida a descrição constante no memorial descritivo apresentado; c) falta de demonstração do justo título; d) não apresentação de todas as certidões de distribuição para aferir eventual oposição à posse.
Passa-se a analisar cada uma das exigências separadamente.
a) Identificação dos herdeiros do titular de domínio para fins de notificação.
A exigência está correta, embora algumas considerações mereçam ser feitas sobre o tema.
Em recente julgado deste Conselho Superior, restou firmado o entendimento de que cabe ao interessado tomar as medidas a seu alcance para que eventuais herdeiros do proprietário sejam notificados. Nesse sentido:
“EMENTA: REGISTRO DE IMÓVEIS. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. IDENTIFICAÇÃO E NOTIFICAÇÃO DE HERDEIROS DO PROPRIETÁRIO TABULAR. RECURSO NÃO PROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente dúvida em procedimento de usucapião extrajudicial de imóvel, mantendo exigência de apresentação de qualificação completa dos herdeiros do titular de domínio para fim de notificação.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão diz respeito à amplitude das medidas cabíveis no âmbito do procedimento administrativo de usucapião extrajudicial para a localização de herdeiros do titular do domínio com a finalidade de notificação.
III. Razões de Decidir
3. A notificação dos herdeiros é indispensável para garantir o contraditório e a ampla defesa, incumbindo à parte interessada identificação elocalização.
4. Diligências que demandam acionamento de outros órgãos são incompatíveis com a viaextrajudicial.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso não provido. Tese de julgamento: “A notificação dos herdeiros é obrigatória no procedimento de usucapião extrajudicial, o qual não comporta pesquisas que demandam intervenção judicial” (CSM/SP – apelação nº 1004109-65.2023.8.26.0606, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 10/4/2025).
Se por um lado o julgado cuja ementa foi acima transcrita estabeleceu que a notificação dos herdeiros do proprietário do imóvel usucapiendo é indispensável e que incumbe ao interessado identificá-los, por outro, firmou-se que diligências que demandam acionamento de outros órgãos são incompatíveis com a via extrajudicial.
E a vedação de uma busca infinita por herdeiros não se limita a pesquisas em outros órgãos.
No caso em tela, o titular de domínio do bem é o espólio de José Sartoris, que adquiriu o bem usucapiendo, por meio de carta de arrematação, em 1938 (cf. transcrição nº 10.456 do 1º Registro de Imóveis de Santos fls. 76). No registro, além do nome, não há nenhum outro dado de qualificação do proprietário (fls. 76/77).
Cabe ao interessado, desse modo, ou indicar quem são e onde podem ser encontrados os herdeiros de José Sartoris, ou comprovar que com as informações de que dispõe não há meios de obter tais dados. Ao Oficial, por sua vez, compete analisar as razões e os documentos apresentados. Caso reste comprovado que diligências razoáveis foram feitas e que os herdeiros de José Sartoris, o qual já é falecido há quase um século, não puderam ser identificados, caberá ao registrador valer-se do edital de notificação mencionado no item 418.16 do Capítulo XX das NSCGJ[1].
A expressão “caso não seja encontrado o notificando” deve ser interpretada com razoabilidade e estendida às hipóteses em que se mostra inviável a identificação de eventuais herdeiros de titular de domínio falecido há quase um século.
Até porque uma exigência impossível de ser cumprida deve ser afastada. Nesse sentido, parecer por mim aprovado, em 26 de agosto de 2025, no Recurso Administrativo nº 1046670-52.2024.8.26.0224:
“Todavia, não se pode olvidar o disposto no art. 198, VI, da Lei nº 6.015/73. In verbis:
Art. 198. Se houver exigência a ser satisfeita, ela será indicada pelo oficial por escrito, dentro do prazo previsto no art. 188 desta Lei e de uma só vez, articuladamente, de forma clara e objetiva, com data, identificação e assinatura do oficial ou preposto responsável, para que:
(…)
VI- caso não se conforme ou não seja possível cumprir a exigência, o interessado requeira que o título e a declaração de dúvida sejam remetidos ao juízo competente para dirimi- la. (grifei)
Nota-se que o afastamento de uma exigência não se dá apenas na hipótese de seu descabimento; embora muito menos frequente, o óbice a uma inscrição registrária pode ser afastado em decorrência da impossibilidade absoluta de se cumprir texto legal ou normativo“.
b) Emenda da ata notarial para que nela seja repetida a descrição constante no memorial descritivo apresentado.
Aqui, sem razão o registrador.
Em primeiro lugar, porque o imóvel usucapiendo, que é urbano, está devidamente descrito na transcrição de 1938. De acordo com o registro mencionado, o bem consiste em um retângulo de 11 metros de frente por 40 metros de lado, o que resulta em uma área total de 440m² (fls. 76).
O memorial descritivo de fls. 81, por sua vez, elaborado por agrimensor, que se valeu de métodos muito mais modernos de medição, calculou que o bem possui 444,215 m² de área.
Nota-se que a diferença entre as áreas do registro e do memorial (440 m² e 444,215 m²) é inferior a 1% e, portanto, irrisória.
A rigor, aplicar-se-ia ao caso o item 416.2 do Capítulo XX das NSCGJ, que dispensa em parcelamentos regulares a apresentação de memorial descritivo:
416.12. Será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula;
Ainda que assim não fosse, o memorial descritivo, na forma do item 418.3 do Capítulo XX das NSCGJ[2], obrigatoriamente acompanha a notificação. Desse modo, seria um inexplicável formalismo exigir o aditamento da ata notarial para que ela repita a descrição constante no memorial descritivo, se cópia de tal documento será entregue a todos as pessoas a serem notificadas.
c) Falta de demonstração do justo título.
A não apresentação de justo título é óbice descabido, uma vez que o interessado, com fundamento no art. 1.238 do CC[3], requereu o reconhecimento extrajudicial de usucapião extraordinária (cf. requerimento de fls. 29/39 e ata notarial de fls. 15/20), modalidade que prescinde de justo título e, portanto, de documento que aparente ser idôneo para a transferência da propriedade. No sentido de que o pedido extrajudicial de usucapião extraordinária independe de justo título, apelações nº 1000085-25.2023.8.26.0434 e 1012006-97.2025.8.26.0405, julgadas por este C. Conselho Superior, em acórdãos de minha relatoria, respectivamente, em 3 de maio de 2024 e em 15 de outubro de 2025.
A atenta leitura da suscitação da dúvida, todavia, revela que não houve explicação suficiente sobre a origem e as características da posse, com referência às respectivas datas de ocorrência (item 416.1, II, do Capítulo XX das NSCGJ).
Ora, se o avô do apelante adquiriu a posse do imóvel usucapiendo do espólio titular de domínio, necessário que seja indicada a data, mesmo que aproximada, da negociação (fls. 3). E se o avô do apelante faleceu deixando outros filhos, necessária a explicação do motivo pelo qual a posse original foi transferida unicamente ao pai do apelante (fls. 3).
O óbice, portanto, não se refere à falta de justo título, mas à ausência das necessárias explicações a respeito da forma e das datas de aquisição de todas as posses cujo cômputo se pretende.
d) Apresentação de todas as certidões de distribuição para aferir se não há oposição à posse.
Prescreve o item 416.2, IV, do Capítulo XX das NSCGJ:
416.2. O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:
(…)
IV – Certidões negativas cíveis e criminais dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel e do domicílio do requerente, expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas:
a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;
b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;
c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião;
O item esclarece quais certidões são necessárias e em nome de quem elas devem ser expedidas.
Pondera-se, apenas, considerando o que restou consignado no item “a” supra, que a impossibilidade de identificação dos herdeiros do proprietário inviabilizará, por consequência, a apresentação de certidões de distribuição em nome deles.
Mantidas três das quatro exigências (itens “a”, “c” e “d” supra), ainda que com considerações a respeito de seu exato alcance, a dúvida procede e ao recurso deve ser negado provimento.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] 418.16. Caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.
[2] 418.3. A notificação poderá ser realizada por carta com aviso de recebimento, devendo vir acompanhada de cópia do requerimento inicial e da ata notarial, bem como de cópia da planta e do memorial descritivo e dos demais documentos que a instruíram.
[3] Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
(DJEN de 17.12.2025 – SP)