CSM|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de Venda e Compra figurando como partes os ex-cônjuges – Transmissão de parte ideal pela cônjuge virago – Inexistência de registro de partilha de bens – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1031294-39.2021.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que são apelantes ADRIANA SIQUEIRA DIAS, THAIS DIAS DOS SANTOS TAMIRES CRISTINE DIAS DOS SANTOS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de junho de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1031294-39.2021.8.26.0577

APELANTES: Adriana Siqueira Dias, Thais Dias dos Santos e Tamires Cristine Dias dos Santos

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 39.019

Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de Venda e Compra figurando como partes os ex-cônjuges – Transmissão de parte ideal pela cônjuge virago – Inexistência de registro de partilha de bens – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Adriana Siqueira Dias e outras, visando a reforma da sentença (fls. 49/53) que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Comarca de São José dos Campos, mantendo a negativa de registro de escritura pública de venda e compra do imóvel objeto da matrícula nº 47.636, em que figuram como partes Adriana Siqueira Dias e seu excônjuge, Marcos Rodolfo dos Santos, exigindo-se o prévio registro da partilha dos bens do casal.

Sustentam as apelantes, em suma, que a escritura pública de venda e compra é resultado de acordo extrajudicial firmado entre a recorrente Adriana e seu ex-cônjuge falecido, em virtude do divórcio havido entre as partes em 2004. O título é anterior à alteração de entendimento exarado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, devendo prevalecer.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 96/99).

É o relatório.

Cuida-se de registro de escritura pública de venda e compra, lavrada em 29 de novembro de 2004, perante o 1º Tabelião de Notas da Comarca de São José dos Campos, em que figuram como partes Marcos Rodolfo dos Santos e Adriana Siqueira Dias, tendo por objeto parte ideal do imóvel matriculado sob o nº 47.636 do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José dos Campos.

Da matrícula telada constam como titulares de domínio Marcos Rodolfo dos Santos e Adriana Siqueira Dias, casados pelo regime da comunhão parcial de bens.

Na Av. 02, datada de 02 de junho de 2021, houve averbação do divórcio dos mesmos, sem informações sobre a partilha de bens do casal.

A despeito da averbação do divórcio junto à matrícula, não é possível a alienação de parte ideal do bem imóvel por quem não ostenta a condição de propriedade exclusivo desta parte ideal, mas, sim, de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Consoante dispõe o art. 195, da Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Deste comando decorre o princípio da continuidade registral, exigindo que novo título que ingresse no fólio se ampare no registro anterior em seus aspectos subjetivos e objetivos. Não há como se inscrever na matrícula ato jurídico que não tenha por base registro anteriormente constante da matrícula.

Não consta da matrícula registro da partilha e, por consequência, da propriedade de 50% do imóvel em nome da vendedora, mas, sim, a propriedade em comunhão com seu ex-marido em 100% do bem.

E tal comunhão, decorrente do regime de bens, não cessa com o fim da sociedade conjugal, mantendo-se a mancomunhão por força do regime de bens até que haja decisão ou acordo de partilha da propriedade.

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio.

Há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, exigindo o prévio registro da partilha para atos de disposição do comunheiro:

“Divórcio consensual sem partilha de bens. Bem imóvel em mancomunhão. Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio. Violação do princípio da continuidade. Inviabilidade do registro de doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges. Pena da violação ao princípio da continuidade recurso provido” (CSM Ap. 1041935-33.2019.8.26.0100 Rel. DES. PINHEIRO FRANCO j. 19.09.2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Imóvel registrado em nome de pessoas casadas. Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada. Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio. Princípio da Continuidade. Além disso, a inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel. Impossibilidade da consideração de situações jurídicas não inscritas no registro imobiliário. Recurso não provido” (CSM Ap. 1000237-38.2018.8.26.0664 Rel. DES. PINHEIRO FRANCO j. 12.11.2018)”.

Desta forma, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, não há como ingressar no registro título de transmissão de parte ideal do bem.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 12.09.2023 – SP)