CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida – Mantida a recusa – Insurgência parcial às exigências formuladas – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000895-59.2022.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante CONSTRUTORA MATUTANO LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES/SP.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso e julgaram prejudicada a dúvida, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 15 de dezembro de 2022.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000895-59.2022.8.26.0361
APELANTE: Construtora Matutano Ltda
APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes/SP
VOTO Nº 38.876
Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida – Mantida a recusa – Insurgência parcial às exigências formuladas – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.
Trata-se de apelação (fls. 213/223) interposta por Construtora Matutano Ltda. contra a r. sentença (fls. 208/210), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Mogi das Cruzes, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo as exigências para o reconhecimento da usucapião da área de 11.459,94m² do imóvel de transcrição nº 13.435 do 1º Oficial de Registro de Imóveis local.
Insurge-se a apelante parcialmente contra os óbices apresentados pelo Registrador, suscitando ser admissível a insurgência parcial nos casos de dúvida em processo administrativo de usucapião, uma vez que se está diante de um título em formação, devendo ser observado o artigo 17, do Provimento 65/2017, do CNJ, que admite diligências para elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas. Como pretendia apresentar a documentação solicitada pelo Oficial no curso do processo, limitou-se a atacar a rejeição de seguimento de plano do feito administrativo de usucapião por conta de bloqueio judicial da transcrição. Nesse mister, alega que a legislação de regência não impede o prosseguimento da ação administrativa de usucapião quando há bloqueio de matrícula.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela prejudicialidade do recurso ou, alternativamente, pelo seu desprovimento (fls. 242/245).
É o relatório.
Construtora Matutano Ltda. requereu a deflagração do processo de usucapião extrajudicial relativamente a uma área de 11.459,94m², localizada na Rua Dr. José Oswaldo Cruz nº 741, na Vila Lavínia, comarca de Mogi das Cruzes, perante o 2º Oficial de Registro de Imóveis da referida comarca, e recebeu qualificação negativa, com posterior atendimento de algumas das exigências, mas tendo prevalecido os seguintes óbices na Nota de Devolução nº 3774:
“(a) o Bloqueio da Transcrição nº 13.435, do 1º CRI de Mogi das Cruzes, origem tabular do imóvel usucapiendo;
(b) a ausência de Ata Notarial (artigo 216-A, I, da Lei nº 6.015/73);
(c) a ausência das assinaturas dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, bem como ausência de pedido de notificação destes com a identificação de cada notificado, seus endereços para as diligências e as correspondentes vias suplementares dos projetos para instruir a notificação (artigo 216-A, II e § 2º, da Lei nº 6.015/73); e,
(d) a ausência das Certidões Negativas dos Distribuidores das Justiças Estadual e Federal da situação do imóvel e de domicílio da requerente (artigo 216-A, III, da Lei nº 6.015/73).”
Ocorre que a recorrente se insurgiu contra o óbice indicado no item “a”, deixando de cumprir as demais exigências da nota devolutiva. Há, portanto, impugnação parcial das exigências apresentadas, o que prejudica o exame da dúvida, como, aliás, opinou a Procuradoria Geral de Justiça (fls. 242/245).
O processo de dúvida é reservado à análise da discordância do interessado com os motivos que levaram à recusa do registro do título e de seu julgamento decorrerá a manutenção dessa recusa, com o cancelamento da prenotação, ou a improcedência da dúvida, que terá como consequência a realização do registro (inciso II do artigo 203, da Lei n. 6.015/1973) ou, ainda, no caso da usucapião na via extrajudicial, ao exame das circunstâncias apresentadas como óbice ao prosseguimento da ação administrativa (§ 10 do artigo 216-A, da mencionada Lei de Registros Públicos).
A insurgência parcial quanto às exigências do Oficial prejudica a dúvida, pois não se admite o prosseguimento condicional do feito administrativo, ou seja, não há lugar para que se admita o avanço da instância extrajudicial, deixando-se para depois providências que desde logo se mostram indispensáveis para marcha válida e regular do feito.
E a ausência de impugnação ou anuência em relação a uma, ou mais, das exigências apontadas atribui ao processo de dúvida natureza consultiva, meramente doutrinária, pois em caso de reapresentação deverá a nova qualificação ser realizada conforme os requisitos para o registro que então se mostrarem pertinentes.
Nesse sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Constituição de garantia hipotecária por cédula de crédito bancária. Impugnação parcial às exigências formuladas. Precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura. Dúvida prejudicada. Recurso não conhecido.” (TJSP; Apelação Cível 1009988-64.2018.8.26.0077; Rel. DES. PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Birigui – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/10/2019; Data de Registro: 30/10/2019).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Irresignação parcial – Dúvida – Apelação interposta que impugnou apenas parte das exigências – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.” (TJSP; Apelação Cível 1001900-32.2020.8.26.0541; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Fé do Sul – Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 18/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).
Apenas a bem da clareza, e por fim, afasta-se a alegação de que deve ser admitida a insurgência parcial porque se está diante de um título em formação, sendo possível cumprir as demais exigências no curso do procedimento administrativo.
A ata notarial, exigência que não foi atendida, não é documento que pode ser relegado para o curso do processo. Ao contrário, ela é essencial para a inauguração da instância administrativa.
Além disso, o que o artigo 17, do Provimento CNJ nº 65/2017, permite é a realização de diligências para elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, mas não para suprir ausência de documentação que deveria ser desde logo apresentada.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço do apelo e julgo prejudicada a dúvida.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 13.03.2023 – SP)