CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de Escritura de Compra e Venda – Transmissão de bem imóvel – ITBI – Base de cálculo – Imposto recolhido ao tempo da lavratura da escritura conforme as informações fiscais e guia de arrecadação obtidas junto ao próprio ente tributante – Modificação do valor venal constatada pelo Oficial de Registro de Imóveis dias após a lavratura da escritura que não autoriza a exigência de pagamento da diferença – Ainda que justificável a diligência do Oficial de Registro pela razoável diferença de valores e para ver afastada sua responsabilidade pessoal pelo pagamento do tributo (art. 289 da Lei n.º 6.015/73, do art. 30, XI, da Lei n.º 8.935/94, do art. 134, VI, do Código Tributário Nacional e dos arts. 163 e 176 do Decreto Municipal 59.579/2020), na espécie, a exigência não tem cabimento – Ao ente tributante é que cabe a revisão do lançamento, nos termos do art. 149, parágrafo único do Código Tributário Nacional – Precedente vinculante (Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.294.969/SP – Tema n. 1124) que definiu a ocorrência do fato gerador do ITBI como sendo o registro não implica exigir complementação de valores para o caso de recolhimento antecipado do tributo e realizado com base nos dados e montantes a recolher fornecidos oficialmente pela entidade tributante – Óbice ao prosseguimento do requerimento afastado – Dúvida improcedente – Apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1093315-27.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JOSÉ AIRTON DOS SANTOS, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).

São Paulo, 11 de fevereiro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1093315-27.2021.8.26.0100

Apelante: José Airton dos Santos

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 38.565

Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de Escritura de Compra e Venda – Transmissão de bem imóvel – ITBI – Base de cálculo – Imposto recolhido ao tempo da lavratura da escritura conforme as informações fiscais e guia de arrecadação obtidas junto ao próprio ente tributante – Modificação do valor venal constatada pelo Oficial de Registro de Imóveis dias após a lavratura da escritura que não autoriza a exigência de pagamento da diferença – Ainda que justificável a diligência do Oficial de Registro pela razoável diferença de valores e para ver afastada sua responsabilidade pessoal pelo pagamento do tributo (art. 289 da Lei n.º 6.015/73, do art. 30, XI, da Lei n.º 8.935/94, do art. 134, VI, do Código Tributário Nacional e dos arts. 163 e 176 do Decreto Municipal 59.579/2020), na espécie, a exigência não tem cabimento – Ao ente tributante é que cabe a revisão do lançamento, nos termos do art. 149, parágrafo único do Código Tributário Nacional – Precedente vinculante (Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.294.969/SP – Tema n. 1124) que definiu a ocorrência do fato gerador do ITBI como sendo o registro não implica exigir complementação de valores para o caso de recolhimento antecipado do tributo e realizado com base nos dados e montantes a recolher fornecidos oficialmente pela entidade tributante – Óbice ao prosseguimento do requerimento afastado – Dúvida improcedente – Apelo provido.

Trata-se de apelação interposta por José Airton dos Santos contra a r. sentença (fls. 103/106) proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que manteve as exigências formuladas pelo Registrador (fls. 37/38), o qual recusou o registro de escritura de compra e venda (livro nº 3.947, fls. 247/250, lavrada em 27/05/2021, pelo 21º Tabelião de Notas desta Capital, fls. 05/08), com referência ao imóvel descrito na matrícula 33.521 daquele Registro (fls. 39/44).

A Nota de Exigência de fls. 33 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Pela escritura de compra e venda apresentada verifica-se que ao imóvel objeto da matrícula n. 33.521 foi atribuído o preço de R$ 465.000,00. Bem como, em consulta ao site da Prefeitura verifica-se que valor venal de referência no ano de 2021 é de R$ 1.502.725,00.

Ocorre que, o ITBI foi recolhido sobre o valor de R$ 465.000,00O que resultou em um recolhimento a menor. Desse modo, se faz necessário à correção, devendo apresentar no original ou cópia autenticada a guia complementar do DAMSP – Documento de Arrecadação do Município de São Paulo, com o recolhimento da diferença, ou apresentar certidão emitida pela PMSP homologando o recolhimento do tributo (artigo 289 da Lei n. 6.015/73, c/c artigos 1.º, 2.º, inciso III, 28.º e 29.º, inciso I, do Decreto Municipal n. 55.196 de 11/06/2014).”

Posteriormente, nova nota de exigência foi exarada (fls. 37/38), reiterando a nota de devolução anterior.

Em suas razões, o recorrente alega, em suma, (i) que adquiriu imóvel situado na Rua João Boemer, nº 1.148, objeto da matrícula de nº 33.521, do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, e cadastrado na municipalidade sob nº 017.072.0015-7, mediante a lavratura da escritura de compra e venda em 27/05/2021, junto ao 21º Tabelião de Notas da Capital, recolhendo o ITBI com base no valor de transação, R$ 465.000,00, superior ao valor venal de referência que era de R$ 463.135,00, como constatado pelo preposto escrevente do 21º Tabelião de Notas, mediante informações extraída do próprio “site” da Prefeitura Municipal; (ii) que o Município indicou valor venal diverso, qual seja R$ 1.502.725,00, posteriormente ao negócio jurídico celebrado, em 20/08/2021, o que ofende o princípio da segurança jurídica; (iii) que não é atribuição do Oficial de Registro verificar a exatidão do tributo recolhido. Por isso, buscou a via recursal para a reforma da r. decisão (fls. 110/122).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 162/164).

É o relatório.

O recorrente pretende afastar a recusa do Oficial de Registro de Imóveis quanto ao registro da escritura de compra e venda do imóvel matriculado sob nº 33.521, junto ao 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Analisados o requerimento e os documentos apresentados, tem-se que a controvérsia diz respeito ao recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, sustentando, o apelante, que realizou o recolhimento do tributo corretamente e mediante dados extraídos do próprio “site” da Prefeitura Municipal pelo preposto escrevente do Tabelião que lavrou a escritura de compra e venda; e, o Oficial de Registro, que o valor recolhido foi muito inferior ao valor venal de referência para a data da lavratura da escritura, conforme pesquisa que realizou por ocasião da apresentação do título a registro.

Da escritura de compra e venda a fls. 05/08, consta no item II, fls. 06, que o imóvel está “lançado pela Prefeitura do Município de São Paulo, sob Contribuinte nº 017.072.0015-7ao qual foi atribuído para esta data (a referência é à data da escritura), o valor venal de referência de R$ 463.135,00, conforme consulta efetuada junto ao endereço eletrônico da referida Prefeitura”.

Mais adiante, no item VIII, fls. 07, consta que “o imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI), devido pela presente, à Prefeitura do Município de São Paulo, no valor de R$ 13.950,00, foi recolhido em 27/05/2021, junto ao Banco Bradesco S/A (237), agência 2385, conforme guia de recolhimento n° 54488545-7, apresentada pelos outorgados compradores, sendo que uma via da mesma acompanhará o primeiro traslado desta escritura e outra via ficará arquivada nestas notas, na pasta própria nº 300, sob o nº de ordem 132.”

A consulta extraída do “site” da Prefeitura de São Paulo está a fls. 23 e ostenta, para o imóvel cadastrado sob nº 017.072.0015-7, situado na Rua João Boemer, 01148, o valor venal de R$ 463.135,00, que é, portanto, inferior ao valor da compra e venda, equivalente a R$ 465.000,00.

A guia de recolhimento 54488545-7, por sua vez, está a fls. 13/15 e confirma o valor venal de R$ 463.135,00 para o referido imóvel, apurando o valor do ITBI de R$ 13.950,00, com base no valor da venda (R$ 465.000,00). A guia em apreço foi emitida pela própria Prefeitura do Município de São Paulo, como se vê de sua mera observação. E, por fim, o comprovante de pagamento está a fls. 19, no exato valor apurado.

Diante disso, a conclusão a ser extraída, até o presente momento, é a de que, na ocasião da lavratura da escritura de compra e venda, o comprador e ora recorrente comprovou o recolhimento do tributo devido ao Município, mais especificamente do imposto de transmissão sobre bens imóveis, conforme os dados obtidos pelo próprio credor, a Prefeitura Municipal de São Paulo, e conforme verificação realizada pelo Tabelião de Notas.

O título foi apresentado a registro e prenotado no registro imobiliário em 23 de junho de 2021 (fls. 09), menos, portanto, de trinta dias da lavratura da escritura de compra e venda (27/05/2021).

O Oficial de Registro de Imóveis fez, então, a exigência (fls. 33), aduzindo que havia diferença a recolher do ITBI porque o valor venal de referência para 2021 era R$ 1.502.725,00, e não R$ 465.000,00, conforme consulta ao “site” da Prefeitura Municipal. A informação do Oficial de Registro de Imóveis é datada de 05 de julho de 2021. Em 15/07/2021, o Oficial reitera a exigência.

Diante disso, conclui-se que, por ocasião da aferição realizada pelo Oficial de Registro de Imóveis para o fim de registro da escritura de compra e venda do imóvel, a informação extraída do “site” da Prefeitura Municipal quanto ao valor venal de referência era divergente da obtida pelo Tabelião de Notas no momento da lavratura da referida escritura.

Em suma, em 27/05/2021, o comprador, ora apelante, recolheu o valor do ITBI em conformidade com a informação e valor fornecidos pela Prefeitura Municipal, mas esses dados sofreram alteração em julho de 2021, quando se deu a pesquisa do Oficial de Registro no ensejo do requerimento do comprador para registro do imóvel no “site” da Prefeitura Municipal.

Sem dúvida que, diante desse quadro e da razoável discrepância de valores, já que o valor venal de referência passou de R$ 463.135,00 para R$ 1.502.725,00, era justificável que o Oficial de Registro realizasse a exigência, até porque temia por ser responsabilizado pessoalmente quanto ao recolhimento do tributo, nos termos do art. 289 da Lei n.º 6.015/73, do art. 30, XI, da Lei n.º 8.935/94, do art. 134, VI, do Código Tributário Nacional e dos arts. 163 e 176 do Decreto Municipal 59.579/2020.

E ainda que a orientação do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo seja no sentido de que a fiscalização do recolhimento deve se limitar a aferir se há recolhimento do tributo e não se o pagamento está correto, haja vista que essa atribuição é da entidade tributante, é certo que há ressalva para hipóteses de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo, como a sentença bem esclareceu, ao destacar a jurisprudência aplicável (fls. 104/105).

Apesar disso, a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro deve ser julgada improcedente, eis que, bem analisada a hipótese vertente, conclui-se que a razão está com o apelante.

O comprador recolheu o ITBI com base nas informações dadas pela Prefeitura Municipal, e em guia de arrecadação por ela mesmo gerada, na data em que lavrada a escritura de compra e venda, de modo que apenas a entidade tributante é que poderá, se entender cabível, rever o lançamento, como estipula o art. 149, parágrafo único do Código Tributário Nacional.

Quer dizer, o comprador realizou o negócio de compra e venda, providenciou a lavratura da escritura, foi informado do valor venal como sendo de R$ 463.135,00, mas como o negócio foi realizado por R$ 465.000,00, efetuou o recolhimento do tributo com base nesse valor mais elevado, como de rigor. E tudo o que fez foi com base nas informações colhidas do próprio endereço eletrônico da Prefeitura Municipal, destacando-se que a guia de arrecadação para recolhimento do tributo foi pela Prefeitura gerada, de modo que o comprador apenas confiou nas informações prestadas e realizou o pagamento do ITBI que lhe competia.

Não bastasse, isso consta expressamente da escritura de compra e venda lavrada pelo 21º Tabelião de Notas, dando conta de que a informação sobre o valor venal foi obtida junto ao “site” da Prefeitura, seguindo-se o recolhimento do quanto apurado.

Em suma, sem qualquer ingerência da vontade do comprador seja no tocante à fixação do valor venal de referência, seja no preenchimento da guia de recolhimento do tributo, foi apurado o valor do ITBI, restando, ao comprador, simplesmente recolher o valor devido, como fez.

De outra parte, não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal fixou a tese no sentido de que “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” (Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.294.969/SP – Tema n. 1124), mas isso não implica exigir complementação de valores para o caso de recolhimento antecipado do tributo e realizado com base nos dados e montantes a recolher fornecidos oficialmente pela entidade tributante.

Então, na espécie, constata-se que o recolhimento do ITBI pelo comprador do imóvel estava de acordo com os dados oficiais fornecidos pela Prefeitura Municipal, conforme atestado pelo Tabelião de Notas que lavrou a escritura, de sorte que eventual erro quanto ao recolhimento depende da diligência do ente tributante, no caso o Município de São Paulo.

Assim, é o caso de julgar procedente a apelação, e improcedente a dúvida, reformando-se a r. sentença (fls. 103/106).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de julgar improcedente a dúvida, liberando, em consequência, o título para registro.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 12.05.2022 – SP)