Considerações sobre Capacidade x Maioridade: Institutos Iguais ou diferentes?

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Considerações sobre Capacidade x Maioridade: Institutos Iguais ou diferentes?

Por Christiano Cassettari*

A capacidade civil é a aptidão para adquirir direitos e exercer por si, ou por outrem, atos da vida civil.

Duas são as espécies de capacidade: a capacidade de direito e a capacidade de fato.

A capacidade de direito ou de gozo é aquela que não pode ser recusada ao indivíduo, pois é ínsita a quem possui personalidade jurídica, já que se define como sendo a aptidão genérica para aquisição de direitos e deveres. A capacidade de direito se inicia com o nascimento com vida.

Já a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão para exercer por si os atos da vida civil, dependendo, portanto, do discernimento, cujo critério será aferido, sob o prisma jurídico, pela aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.

Porém, a capacidade de fato pode sofrer restrições legais quanto ao seu exercício pela ocorrência de um fato genérico, como o tempo (maioridade ou menoridade), ou por um problema que afete o discernimento da pessoa (como os que não puderem, por algum motivo, exprimir a sua vontade, por exemplo). Aos que assim são tratados por lei, o direito os denominam como “incapazes”.

A incapacidade advém da lei, por isso, é uma restrição legal ao exercício dos atos da vida civil.

Dois são os tipos de incapacidade: a absoluta e a relativa.

Os absolutamente incapazes estão descritos no art. 3º do Código Civil, e não podem praticar pessoalmente atos da vida civil, sob pena do mesmo ser nulo, pois quem deverá fazê-lo é o seu representante legal (pais tutor ou curador).

Já os relativamente incapazes estão descritos no art. 4º do Código Civil, e podem praticar pessoalmente atos da vida civil, porém deverão ser assistidos por seu representante legal (pais tutor ou curador), sob pena do mesmo ser anulável, no prazo de 04 anos, contado de quando cessar a incapacidade.

A incapacidade termina, em regra, ao desaparecerem as causas que a determinaram, como por exemplo a dependência de química, a deficiência mental, a prodigalidade, etc.

Com relação à menoridade, a incapacidade cessa em dois casos:

a) quando o menor completar 18 anos, ou seja atingir a maioridade;

b) quando ocorrer a sua emancipação, nas formas previstas no art. 5º do Código Civil.

Com a maioridade, conquistada aos dezoito anos, a pessoa tornar-se-á maior, adquirindo a capacidade de fato, podendo então, exercer pessoalmente os atos da vida civil. Reza o art. 5º do Código Civil que aos dezoito anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.

Assim, como há duas formas de se adquirir a capacidade de fato, maioridade ou emancipação, verifica-se que o emancipado adquiriu a capacidade sem ter adquirido a maioridade, motivo pelo qual continua, mesmo emancipado, a ser menor.

A qualificação de uma pessoa emancipada num ato notarial ou registral, deve ser feita como menor capaz, até que o mesmo complete 18 anos e adquira a maioridade civil.

Existem três formas, descritas no parágrafo único do art. 5º do Código Civil, para ocorrer a emancipação:

1º forma: Emancipação expressa ou voluntária – é aquela feita por escritura pública, antes de completada a maioridade legal, por concessão dos pais, se o menor tiver 16 anos completos. De acordo com o art. 9, inciso II, do Código Civil, essa escritura deve ser registrada no Registro Civil.

2º forma: Emancipação judicial – é a forma necessária para emancipar quem está sob tutela, pois ocorre por sentença, ouvido o tutor, desde que o menor tenha 16 anos completos.

3º forma: Emancipação legal – é a que decorre da lei, motivo pelo qual é automática, quando ocorre algum dos fatos descritos nos incisos II a V do parágrafo único do art. 5º do Código Civil. São eles:

(i) pelo casamento, (ii) pelo exercício do emprego público efetivo, (iii) pela colação de grau científico em curso de ensino superior, e (iv) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor de 16 anos tenha economia própria.

2-) A importância da distinção aos notários nas escrituras de separação e divórcio

Como vimos acima, a capacidade de fato é adquirida com a maioridade ou com a emancipação, motivo pelo qual a pessoa emancipada é qualificada como menor capaz, até completar 18 anos, ou seja, adquirir a maioridade.

Com base nesse raciocínio, necessário se faz estudar uma questão polêmica, que envolve ambos os conceitos, e que gera inúmeros problemas aos notários e registradores.

Refiro-me a necessidade de saber se um casal que tem filhos menores, mas emancipados, pode separar-se ou divorciar-se por escritura pública O ponto nodal da polêmica está no texto do caput do art.1.124-A do Código de Processo Civil, que determina:

Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

O texto legal permite a adoção do procedimento somente quando não houver filhos menores ou incapazes. Como o legislador foi abrangente, entendemos que a emancipação voluntária dos filhos maiores de 16 e menores de 18 anos (inciso I do parágrafo único do art. 5.º do Código Civil) não é suficiente para permitir que a separação e o divórcio possam ser realizados por escritura pública, já que nesse caso haverá a aquisição da capacidade de direito, mas não da maioridade, que se dá aos 18

anos (idade em que se alcança a maioridade civil, segundo o art. 5.º do Código Civil). Ao ser emancipado voluntariamente pelos pais, o filho se torna capaz, mas continua sendo menor até completar 18 anos.

O art. 47 da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que são requisitos para lavratura da escritura pública de separação consensual, dentre outros, a ausência de filhos menores não emancipados ou incapazes do casal. Com isso, parece que o CNJ permite que possa ser lavrada a escritura de separação e divórcio, se os filhos menores do casal forem emancipados.

Acreditamos que não é essa a posição que deve prevalecer, no nosso entendimento.

Não vemos a emancipação como algo bom para o menor, em regra, visto que ele deixa de contar com a proteção que a dependência dos pais estabelecida na Lei determina. Em razão disso, tememos que vários casais, no intuito de se separar ou divorciar, prejudiquem seus filhos emancipando-os, o que não seria aceitável.

Por tudo isso, entendemos necessário o debate para que se proíba a separação e o divórcio de casal, por escritura pública, que possui filhos menores, mas que tenham mais do que 16 anos, pois nesse caso é possível os pais quererem emancipar o filho não porque ele possui condições para tal, mas apenas porque eles querem se aproveitar da celeridade do procedimento, e o filho é quem acaba sendo prejudicado, por perder garantias legais com o fim da incapacidade relativa.

*Doutorando em Direito Civil pela USP, Mestre em Direito Civil pela PUC-SP, Diretor Cultural do IBDFAM-SP, autor do livro “Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: Teoria e Prática”, pela Editora Método, que está na 4º Edição – www.professorchristiano.com.br

Fonte: Jornal do Notário, Informativo do Colégio Notarial do Brasil – seção São Paulo – Ano XII – N.º 137 maio – 2010