CSM|SP: Registro de Imóveis – Carta de sentença – Deficiência na descrição do imóvel – Irrelevância – Imóvel urbano – O princípio da especialidade objetiva estará atendido quando o imóvel vier descrito de modo tal que possa ser individualizado – Descrição, na situação em epígrafe, que se mostra suficiente, haja vista tratar-se de casa na zona urbana, com endereço completo – A falta de menção à área total do bem não causa empecilhos ao registro de transferência de domínio – Descrição do título, ademais, que coincide com a da matrícula – Recurso Provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1006795-59.2016.8.26.0320, da Comarca de Limeira, em que são partes é apelante JEFFERSON ROBERTO BOTECHIA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE LIMEIRA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida, registrando-se o título, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (Presidente), ADEMIR BENEDITO, PAULO DIMAS MASCARETTI, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 31 de julho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1006795-59.2016.8.26.0320

Apelante: JEFFERSON ROBERTO BOTECHIA

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Limeira

VOTO Nº 29.781

Registro de Imóveis – Carta de sentença – Deficiência na descrição do imóvel – Irrelevância – Imóvel urbano – O princípio da especialidade objetiva estará atendido quando o imóvel vier descrito de modo tal que possa ser individualizado – Descrição, na situação em epígrafe, que se mostra suficiente, haja vista tratar-se de casa na zona urbana, com endereço completo – A falta de menção à área total do bem não causa empecilhos ao registro de transferência de domínio – Descrição do título, ademais, que coincide com a da matrícula – Recurso Provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Limeira, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de carta de sentença expedida em separação judicial, por deficiência na descrição do imóvel e ausência de cópia autenticada de documentos pessoais dos interessados.

O apelante afirma, em síntese, que a descrição havida na matrícula é suficiente para identificar o imóvel, versando sobre a impossibilidade de absoluta individualização, como pretendido pelo Oficial. Sustentou, ainda, a prescindibilidade de apresentação de cédulas de identidade e CPF de Laerte e Celia, partes no processo de separação e pais do apelante.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

À luz do art. 176, II, 3, b, da Lei de Registros Públicos:

“Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

II – são requisitos da matrícula:

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.”

Na hipótese vertente, a descrição da matrícula, transcrita a fls. 2, omite a extensão dos fundos do imóvel, inviabilizando o cálculo da respectiva área. Todavia, há expressa alusão a logradouro completo, com nome e número da rua em que situado (Rua do Rosário, 104). Em se tratando de uma casa, na zona urbana, é o quanto basta para que o princípio da especialidade objetiva seja satisfeito, embora, por óbvio, seja sempre conveniente e desejável que absolutamente todos os requisitos legais estejam satisfeitos. Daí, porém, não decorre que a falta de um deles necessariamente viole a especialidade.

Importa, outrossim, que a descrição permita a identificação do imóvel, como se dá no caso em comento.

Frise-se, ademais, que a descrição havida na carta de sentença coincide com a da matrícula do imóvel (fls. 11 e 80), novo fator relevante a satisfazer a especialidade objetiva, nos moldes da orientação deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura:

“Conquanto seja louvável a preocupação do Oficial do Registro de Imóveis e da Juíza Corregedora Permanente, no sentido de evitar a quebra da especialidade objetiva e a possibilidade de sobreposição de áreas, por conta da descrição precária do imóvel, o fato é que a negativa de registro baseia-se em entendimento pretérito do CSM. A orientação atual é no sentido de que, havendo identidade entre a descrição do título e da matrícula – ou da transcrição -, deve-se possibilitar o registro, sem necessidade, aliás, de bloqueio da matrícula a ser criada.” (Apelação n° 0015003-54.2011.8.26.0278, Rel. Des Elliot Akel, j. 2/9/14)

Cuida-se, também, de interpretação a senso contrário do teor do art. 225, §2º, da Lei de Registros Públicos:

“Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.”

Conforme leciona Luiz Guilherme Loureiro:

“A descrição constante do título deve coincidir (mas não necessariamente ser idêntica) com aquela que consta do registro. O tabelião, via de regra, reproduz na escritura pública a descrição constante do registro. Pode ocorrer de esta descrição ser imperfeita, mas, neste caso, não pode o registrador negar o registro do título sob o fundamento de que não foi observado o princípio da especialidade.” (Registro de Imóveis, ed. Jus Podivm, 8ª ed., p. 571, grifos não constam do original)

Nem se olvide que se trata de carta de sentença para transferência de propriedade do bem, para o quê, a omissão da medida de fundos ou da área do imóvel afiguram-se irrelevantes. Situação distinta haveria caso se almejasse desmembramento ou fusão do imóvel, com criação de outro, fazendo de rigor, para tanto, precisa descrição do imóvel originário, para viabilizar, por conseguinte, precisa descrição daqueles que se estão a formar.

De todo pertinentes os ensinamentos do Des. Francisco Eduardo Loureiro, então Assessor desta Altiva Corregedoria Geral, nos autos registrados sob nº CG n° 1241/96:

“Não se nega, portanto, a possibilidade de ser descerrada matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de medidas perimetrais e da área de superfície. O que não se admite é a criação de nova unidade imobiliária contendo descrição perfeita, por fusão de matrículas, quando um dos imóveis unificandos não dispõe de todas as medidas tabulares. Em termos diversos, imóvel com figura imprecisa não pode gerar, por fusão ou desmembramento, nova unidade com figura e descrição precisas. Logo, quando do descerramento de matrícula que abranja a totalidade do imóvel, vale a descrição contida no registro anterior, ainda que imperfeita, desde que suficiente para a identificação do prédio. Quando, porém, criam-se novos imóveis decorrentes de desmembramentos ou de fusões, as unidades segregadas ou unificadas devem subordinar-se aos requisitos do artigo 176 da Lei n. 6.015/73. Não há razão, em tais casos, para tolerar a imprecisão, porque o novo prédio não mais tem identidade descritiva com o registro de origem.”

Por fim, não se vê qualquer amparo legal, tampouco esclarecimento de eventual razão excepcional de desconfiança, para que se exigisse apresentação de fotocópias autenticadas de cédula de identidade e CPF de Laerte e Cecília, já falecidos, de quem o recorrente é filho e herdeiro. Frise-se que, diversamente do quanto afirmado pelo Sr. Oficial, houve pronta impugnação da exigência por parte do apelante, no momento em que postulou a suscitação de dúvida (fls. 15).

Desta feita, por meu voto, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida, registrando-se o título.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 07.12.2017 – SP)