CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Impugnação parcial da nota de devolução – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Registro de imóveis – Formal de Partilha – Falta de dados qualificativos do titular de domínio e dos cedentes intermediários – Especialidade subjetiva – Mitigação Segurança jurídica não atingida – Compromissos de compra e venda antigos – Suficiente identificação dos últimos cedentes, de quem o imóvel foi herdado – Regra de transição prevista no art. 176, parágrafo 2º, da Lei n. 6.015/73 – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1101560-03.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante ANA BLANDINA DE ALMEIDA PRADO, é apelado 13º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicado o recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1101560-03.2016.8.26.0100

Apelante: ANA BLANDINA DE ALMEIDA PRADO

Apelado: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 29.778

Registro de Imóveis – Dúvida – Impugnação parcial da nota de devolução – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Registro de imóveis – Formal de Partilha Falta de dados qualificativos do titular de domínio e dos cedentes intermediários – Especialidade subjetiva – Mitigação Segurança jurídica não atingida – Compromissos de compra e venda antigos – Suficiente identificação dos últimos cedentes, de quem o imóvel foi herdado – Regra de transição prevista no art. 176, parágrafo 2º, da Lei n. 6.015/73 – Recurso não conhecido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 51/54, que julgou prejudicada a dúvida suscitada pelo 13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, envolvendo imóvel objeto da inscrição n. 4.336, sob o argumento de que apenas uma das três exigências foi impugnada.

Sustenta a apelante que a recusa do Oficial viola os princípios registrais, em especial, o da continuidade e que deve ser considerada a fé pública emanada nos registros anteriores. Ademais, é a apelante quem vive no imóvel há anos e, portanto, o que consta dos registros públicos estaria dissociado da realidade.

As exigências da Lei de Registros Públicos somente podem ser aplicadas às transações praticadas durante sua vigência, em respeito ao ato jurídico perfeito, não sendo o caso da titularidade dominial do imóvel em análise, porque ocorridas entre os anos de 1957 e 1967. Por fim, alega que o registro não prejudicaria terceiros e que a recusa viola a garantia constitucional ao direito de propriedade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 96/99).

É o relatório.

O recurso não deve ser conhecido, na medida em que não houve impugnação em relação a duas exigências: a) apresentação do formal de partilha dos bens deixados em razão dos falecimentos de Maria Luiza de Castro Bicudo Tibiriçá e de Maria Helena Tibiriçá Gomes Guimarães; b) apresentação de requerimento subscrito pelo interessado, com firma reconhecida, em que conste qualificação e solicitação da averbação à margem da inscrição n. 4.336, acompanhado de certidões atualizadas de casamento, nascimento, óbitos e cópias de documentos pessoais das pessoas indicadas no item 2 da nota de devolução.

A concordância parcial com as exigências do Oficial prejudica o pedido, que só admite duas soluções: a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências – e não apenas parte delas – sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior.

Contudo, muito embora prejudicada a dúvida, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, supridas as exigências, a interessada venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de exame de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame do caso, portanto.

A recusa do registrador funda-se no princípio da especialidade subjetiva, cuja finalidade é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

Contudo, referido princípio, assim como o registro em si, não pode ser considerado um fim em si mesmo, sob pena de negar o que pretende proteger, que é a segurança jurídica.

Por essas razões, o C. Conselho Superior da Magistratura tem admitido, em hipóteses excepcionais, a mitigação da especialidade subjetiva:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pela apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido. (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, rel. Des. José Renato Nalini, 20/09/2012).

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

Assim, embora as qualificações das partes no título não estejam perfeitas, o registrador não afirmou não haver elementos suficientes a eliminar qualquer dúvida quanto às pessoas que figuram como titulares de domínio e cedentes.

Tanto assim é que o registrador justifica a exigência por não ter localizado, no registro da instituição e convenção do condomínio, informações que pudessem dispensar as exigências que formulou, e não porque tem dúvidas em relação às partes do negócio (fl. 4).

É preciso observar, ainda, que os sucessivos compromissos de compra e venda cujos dados estão incompletos são datados de período compreendido entre 1957 e 1966, época em que não havia o rigor legal de hoje quanto à precisão da qualificação das partes, o que explica o motivo das omissões levantadas pelo registrador. Ademais, estão completos os dados de MARIA LUIZA DE CASTRO BICUDO TIBIRIÇÁ e de MARIA HELENA TIBIRIÇÁ GOMES GUIMARÃES, de quem os últimos cedentes herdaram o imóvel que pretendem alienar à recorrente.

Ciente da falta de precisão de dados qualificativos antes da vigência da Lei de Registros Públicos, o legislador, ao editar a norma vigente, previu a regra de transição disposta no § 2º do art. 176:

§ 2º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior.

Diante deste cenário, especialmente por não constar que haja dúvidas quanto à identidade das pessoas, o registro deve ser admitido, uma vez superada a primeira das exigências, ressalvada dúvida concreta quanto à identidade dos titulares de domínio e cedentes.

Pelo exposto, pelo meu voto, julgo prejudicado o recurso interposto.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1101560-03.2016.8.26.0100 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 49.243 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar nãoconhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para oexercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior daMagistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniammeu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 11.10.2017 – SP)