CSM|SP: Registro de Imóveis – Doação conjuntiva em favor de marido e mulher – Bem que, em virtude do direito de acrescer estabelecido no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não poderia ter sido inventariado e partilhado – Desqualificação correta da escritura de inventário e partilha – Apelação não provida.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1012088-83.2016.8.26.0037

Registro: 2017.0000631321

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação n.º 1012088-83.2016.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante ESPÓLIO DE ELIZABETH APARECIDA STIVALETTI RAPATONI, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1012088-83.2016.8.26.0037

 Apelante: Espólio de Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni

 Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 29.775

Registro de Imóveis – Doação conjuntiva em favor de marido e mulher – Bem que, em virtude do direito de acrescer estabelecido no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não poderia ter sido inventariado e partilhado – Desqualificação correta da escritura de inventário e partilha – Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo espólio de Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni contra a sentença de fls. 218/219, que, em dúvida inversa, manteve a recusa ao registro, na matrícula n.º 9.891 do 2º Registro de Imóveis de Araraquara, de escritura de inventário e partilha dos bens deixados pelo espólio apelante.

Sustenta o apelante, em síntese, que o direito de acrescer previsto no parágrafo único do artigo 551 é renunciável; que a escritura de doação dá certa dúvida acerca dos beneficiários da doação (se só a falecida Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni ou se ela e seu marido); e que o marido de Elizabeth, passados dois anos do falecimento dela, não requereu que a propriedade que pertencia à falecida lhe fosse transferida. Pede, por fim, a reforma da sentença de primeiro grau e, de modo subsidiário, a autorização para que a renúncia ao direito de acrescer seja veiculada por escritura pública (fls. 267/274).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 254/257).

É o relatório.

De início, cabe registrar que embora no dispositivo da sentença tenha constado o acolhimento em parte do pedido (fls. 219), tecnicamente, tendo em vista que o óbice ao registro do título foi mantido, a dúvida mesmo que inversamente suscitada foi julgada procedente.

Consoante escritura copiada a fls. 234/236, no ano de 1991, José Stivalette e Dirce Gracia Stivalette doaram um terreno urbano, situado na Rua dos Andradas, no Município de Santa Lúcia, comarca de Araraquara, a Aldo Fernando Rapatoni e a Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni, marido e mulher. Referido título deu origem ao R.1 da matrícula nº 9.891 do 2º Registro de Imóveis de Araraquara (fls. 37/38).

Em 20 de junho de 2014, Elizabeth Aparecida faleceu (fls. 9).

Ao realizarem o inventário e a partilha extrajudiciais do patrimônio da falecida, seus herdeiros atribuíram o bem matriculado sob nº 9.891 no 2º Registro de Imóveis de Araraquara ao herdeiro filho Fernando Stivaletti Rapatoni (fls. 12/13 e 26).

Alegando afronta ao disposto no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que repete o parágrafo único do artigo 1.178 do Código Civil de 1916, o registrador de imóveis desqualificou a escritura de inventário e partilha (fls. 36).

Suscitada dúvida inversa, o óbice foi mantido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 218/219).

Agora, contra essa decisão insurge-se o espólio apelante.

Preceitua o artigo 551 do Código Civil:

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

caput do artigo acima transcrito trata da doação conjuntiva, que, salvo estipulação em contrário, entende-se distribuída igualmente entre os donatários. Já o parágrafo único cuida de hipótese mais específica: doação conjuntiva em favor de marido e mulher. Nesse caso, ao contrário do disposto no caput, em caso de morte de um dos donatários, a lei civil estabelece o direito de acrescer em benefício do cônjuge sobrevivo.

Ou seja, se marido e mulher forem beneficiados com a doação de um bem, ocorrendo a morte de um deles, o outro receberá o bem inteiro, independentemente de inventário, simplesmente em virtude do direito de acrescer.

Desse modo, correta a recusa do título no caso em análise, uma vez que, com a morte de Elizabeth Aparecida, o bem doado passou a pertencer integralmente a seu marido, de modo que não poderia ter sido inventariado e muito menos partilhado entre os herdeiros.

Recentemente, aprovei parecer da lavra do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, que foi assim ementado:

Registro de imóveis – doação a apenas um dos cônjuges – marido pré-morto – impossibilidade de se averbar a certidão de óbito, com efeitos translativos da propriedade à esposa – inteligência do art. 551, parágrafo único, do Código Civil – precedentes da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça – recurso desprovido (processo n.º 204.333/2015, j. em 11/3/2016).

Assim, se no caso acima citado, por ter havido doação a apenas um dos cônjuges, não pôde se reconhecer o direito de acrescer do outro; aqui, em que ambos os cônjuges foram beneficiados pela doação, de rigor que se observe o direito de acrescer que favorece o sobrevivo.

Anoto, por fim, que embora a renúncia ao direito de acrescer seja, em tese, possível por escritura pública, na forma do artigo 108 do Código Civil, esse procedimento provavelmente não resolverá o problema do apelante.

Com efeito, a renúncia se limitará à parcela do bem que o cônjuge sobrevivo receberia em virtude do direito de acrescer estabelecido no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, ou seja, metade ideal do imóvel da matrícula n.º 9.891. No entanto, a outra metade ideal do bem, recebida por ocasião da doação propriamente dita, por ser de propriedade do marido, não entrará na partilha.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 25.09.2017 – SP)