TJ|SP: Apelação – Mandado de Segurança – ITCMD – Tabelião incluído como responsável solidário no AIIM, em conjunto com a contribuinte – Cobrança de diferença de ITCMD em razão de ter sido atribuído ao imóvel o valor constante do ITR, enquanto a Fazenda entende que a base de cálculo deveria ser o valor de mercado do bem – Impossibilidade – Ademais, responsabilidade do tabelião que é supletiva, e não solidária, apenas podendo ser cobrado no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação pelo contribuinte – Sentença denegatória da segurança reformada – Recurso provido.

Registro: 2017.0000554529

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1051401-03.2016.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante DENIZART VICENTE AZEVEDO, é apelado PROCURADOR GERAL DO ESTADO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ (Presidente sem voto), TERESA RAMOS MARQUES E PAULO GALIZIA.

São Paulo, 31 de julho de 2017.

MARCELO SEMER

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1051401-03.2016.8.26.0053

Apelante: Denizart Vicente Azevedo

Apelado: Procurador Geral do Estado da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

Comarca: São Paulo Voto nº 7976

Apelação. Mandado de Segurança. ITCMD. Tabelião incluído como responsável solidário no AIIM, em conjunto com a contribuinte. Cobrança de diferença de ITCMD em razão de ter sido atribuído ao imóvel o valor constante do ITR, enquanto a Fazenda entende que a base de cálculo deveria ser o valor de mercado do bem. Impossibilidade. Ademais, responsabilidade do tabelião que é supletiva, e não solidária, apenas podendo ser cobrado no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação pelo contribuinte. Sentença denegatória da segurança reformada. Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 118/122, que julgou improcedente o pedido, denegando a segurança pretendida, por entender que a responsabilidade do tabelião é subsidiária apenas no que se refere à execução fiscal e não ao protesto. Custas na forma da lei.

Inconformado, o impetrante recorre (fls. 128/153). Alega que: (i) foi emitida CDA em seu nome e levada a protesto, a despeito de não terem sido esgotados todos os meios de perquirir o suposto débito tributário em face da devedora principal; (ii) o próprio débito tributário é objeto de discussão judicial, uma vez que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal do imóvel, e não o de mercado; (iii) é caso de responsabilidade subsidiária e não solidária; (iv) não compete ao tabelião a verificação do cálculo do imposto pago, mas apenas a solicitação da guia paga; (v) caso haja imposto complementar a ser recolhido, isto deve ser cobrado da contribuinte, e não do tabelião; (vi) o ITCMD foi calculado sobre o valor venal do imóvel, em consonância com a lei; (vii) a CDA é nula, uma vez que ele é responsável subsidiário; (viii) é inconstitucional protestar CDA.

Contrarrazões às fls. 176/190

Recurso tempestivo e preparado. Posto isso, recebo-o em seus regulares efeitos.

É O RELATÓRIO.

Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo ora apelante com o objetivo de que a autoridade coatora se abstenha de apresentar o seu nome e CPF a protesto, bem como sejam excluídos da Dívida Ativa do Estado. Assevera que sua responsabilidade pelo débito tributário de ITCMD em questão é apenas subsidiária, uma vez que é tabelião, devendo ser, primeiramente, esgotados todos os meios de satisfação do crédito tributário junto à contribuinte, Sra. Daniela Torrenzani.

O magistrado de primeiro grau denegou a segurança, por entender que a responsabilidade do tabelião é subsidiária apenas no que se refere à execução fiscal e não ao protesto.

E a sentença comporta reforma.

De início, insta consignar que apesar de na inicial o impetrante apenas pautar seu pedido no fato de sua responsabilidade, como tabelião, ser subsidiária, não há como se ignorar o que gerou a cobrança da diferença do ITCMD.

Isso porque ele juntou aos autos o resultado do julgamento do recurso administrativo, no qual se vê que o débito tributário decorre justamente do fato de ter a contribuinte atribuído ao imóvel o valor declarado para efeito do ITR, enquanto que a FESP entende que a base de cálculo) deveria ser o valor de mercado, com fulcro no decreto n° 46.655/02 (fls. 39/48).

E não foi só isso, a própria autoridade coatora, em suas informações, novamente traz essa questão à tona no processo, ao mencionar que:

“A CDA n° 1.219.943.339 decorre do AIIM n° 4.062.790-1, lavrado em face da Sra. Daniela Torrezani e do ora impetrante, em razão do pagamento do ITCMD em valor menor que o efetivamente devido, resultante de uma diferença no montante de R$ 3.551,85, em 22/11/2012.

Tal diferença decorre da atribuição de valor inferior ao praticado no mercado ao imóvel rural descrito na matrícula n° 64.299 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Cotia-SP, imóvel este que foi objeto de doação, conforme Escritura de Doação lavrada no 1º Tabelião de Notas de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Cotia-SP e Declaração de ITCMD Doação n° 25396618.

O valor do imóvel objeto de doação constitui a base de cálculo do ITCMD. Assim, a atribuição ao bem de valor menor do que o praticado no mercado levou ao recolhimento do tributo em valor menor do que o efetivamente devido, infringindo o disposto no art. 12, § 1º do Decreto n° 46.655/2002 c/c o art. 16, parágrafo único, item 1, do mesmo Decreto, e art. 16-A, parágrafo único, item 1, da Portaria CAT n° 29/2011.

O impetrante, titular do Primeiro Tabelião de Notas e de Protesto de Letras da Comarca de Cotia, também sofreu a autuação e a imposição de multa, por ser devedor solidário do imposto, nos termos da legislação vigente”. (fls. 63/64).

Assim, considerando que esta Câmara possui entendimento pacífico no sentido de que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal do imóvel, e não o de mercado, com fulcro nas alterações promovidas pelo Decreto n° 55.002/2009, a segurança pretendida deve ser concedida.

O Código Tributário Nacional, ao tratar do imposto de transmissão sobre bens, no artigo 38, estipula que “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos” (g.n.).

No Estado de São Paulo, conforme o determinado no artigo 155, I, da CR, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações foi instituído pela Lei Estadual nº 10.705/00 (regulamentado pelo Decreto nº 46.655/02 – RITCMD). Para a transmissão hereditária de bens imóveis, a base de cálculo para o recolhimento do imposto está prevista nos artigos 9º, § 1º e 13, inciso I, nestes termos:

“Artigo 9º: a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo). §1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal  o valor de  mercado do bem ou direito na data da abertura  da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.” Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior: (…) II em se tratando de imóvel rural ou direito a ele relativo, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.”(g. n.)

E o artigo 16, do Decreto n.º 46.655/02 (RITCMD) disciplina o seguinte:

“Artigo 16 – O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.750/00, art. 13): I em se tratando de: (…) b) rural, não inferior ao total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.” (g. n.)

Ocorre que o Decreto Estadual nº 55.002, que entrou em vigor em 09/11/09, alterou o referido dispositivo legal, nestes termos:

“Artigo 1º – Passa a vigorar com a redação que se segue o parágrafo único do artigo 16 do Regulamento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos RITCMD, aprovado pelo Decreto 46.655, de 1º de abril de 2002: Parágrafo único – Poderá ser adotado, em se tratando  de  imóvel:  1 – rural, o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou por outro órgão de reconhecida idoneidade, vigente à data da ocorrência do fato gerador, quando for constatado que o valor declarado pelo interessado é incompatível  com o de mercado.” (g. n.)

A razão de ser desses dispositivos é considerar como critério de avaliação do bem o valor lançado pela Administração Pública.

No caso, a lei paulista aceitou como valor para lançamento do ITCMD aquele fixado no IPTU ou ITR, de sorte que qualquer modificação nesse sentido dependeria de alteração legislativa, o que não se coaduna com a hipótese dos autos. Assim, o Decreto nº 52.002/09 não tem aplicabilidade, porque não pode alterar a base de cálculo do ITCMD para o valor de referência (valor de mercado) praticado para o lançamento do ITBI.

Em hipótese análoga à dos autos, neste sentido, esta C. 10ª. Câmara já decidiu a questão:

“ITCMD. Base de cálculo. Imóvel urbano. LE nº 10.705/00, art. 9º e 13, I. DE nº 46.655/02. DE nº 55.002/09. A LE nº 10.705/00 preceitua no art. 9º, caput e § 1º, que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido, o qual não será inferior àquele fixado para o lançamento do IPTU. O DE nº 55.002/09, por sua vez, inova ao permitir a adoção do valor venal de referência do ITBI para fins de cálculo do ITCMD. Alteração da base de cálculo de tributo que somente pode ser introduzida por intermédio de lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Inteligência do art. 97, II e IV e § 1º do CTN. Precedentes do TJSP. Segurança concedida. Recurso da Fazenda desprovido” (Apelação nº 1031593-80.2014.8.26.0053, Relator Des. Torres de Carvalho, j. em 23/02/15, g.n.)

“MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. BASE DE CÁLCULO DO ITCMD VALOR VENAL DO IMÓVEL VALOR CONSTANTE DO IPTU. Incidência do artigo 38 do CTN e artigos 9º, § 1º e 13, inciso I, da Lei Estadual nº 10.750/02. Dispensa da avaliação administrativa ou judicial dos bens, a menos que haja exigência legal. Inocorrência. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (Apelação nº 0007732-53.2012.8.26.0053, Relator Des. Antonio Celso Aguilar Cortez, j. em 26/01/15).

No mesmo sentido, o acórdão desta relatoria, proferido na apelação de n° 1045660-50.2014.8.26.0053, dentre outras.

Mas, de qualquer forma, ainda que assim não fosse, a responsabilidade do apelante, tabelião, é mesmo subsidiária, e não solidária, como pretende a FESP.

O artigo 134 do Código Tributário Nacional é expresso no sentido de que: “Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (…) VI os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício.” (g.n.).

E, a despeito do alegado pela apelada, a Lei Estadual n° 10.705/2000 contém previsão análoga à supra referida, verbis:

Art. 8º: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – o tabelião, o escrivão e demais serventuários de ofício, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício”. (g.n.)

A doutrina é firme no sentido de que “apesar de se falar em ‘solidariedade’, a responsabilidade prevista possui caráter supletivo, apenas se aplicando quando não for possível cobrar o tributo do contribuinte, independentemente do motivo, como, por exemplo, sua insolvência.” (Código Tributário Nacional Comentado, Coordenação Vladimir Passos de Freitas, Ed. Revista dos Tribunais, 6ª edição, p. 707).

Na mesma linha de entendimento, Eduardo Sabagg, acerca do inciso VI, do art. 134, do CTN, diz que:

“O dispositivo direciona-se à atividade dos tabeliães ou notários, os quais têm a incumbência de instrumentalizar certos atos jurídicos, atribuindo-se-lhes fé pública e autenticidade. Como praxe, tais profissionais do direito exigem a comprovação do pagamento do tributo eventualmente incidente sobre os atos que devam conferir, garantindo-se que não venham a ser ulteriormente chamados à responsabilização. Se não tomarem as cautelas, restando o tributo inadimplido, estes serventuários de oficio poderão ser subsidiariamente responsabilizados. Assim, só se pode exigir, v.g., o pagamento do ITBI de um tabelião se a legislação qualificar sua responsabilidade, por ocasião da lavratura da escritura diante da emissão na exigência (das partes envolvidas) do prévio recolhimento de seu valor.” (Manual de Direito Tributário, 8ª edição, Editora Saraiva, p. 823, g.n.).

Assim, de fato, não há que se falar em responsabilidade solidária do tabelião, in casu, mas sim em supletiva, apenas na hipótese de impossibilidade de adimplemento pela contribuinte. Mostra-se equivocada, portanto, a atitude da FESP de já incluir o impetrante como responsável solidário no AIIM, antes mesmo de qualquer tentativa de cobrança do ITCMD da contribuinte.

Dessa forma, por qualquer lado que se olhe a questão, é caso de conceder a segurança pretendida, devendo ser reformada a sentença, portanto, com inversão dos ônus sucumbenciais.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

MARCELO SEMER

Relator