CSM|SP: Formal de partilha – Desqualificação – Descrição do imóvel que não corresponde à descrição contida nas transcrições do Registro de Imóveis – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1105416-72.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante IZILDA LUCIA MATUGUMA, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, JOÃO CARLOS SALETTI, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA.

São Paulo, 20 de julho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1105416-72.2016.8.26.0100

Apelante: Izilda Lucia Matuguma

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

VOTO Nº 29.770

Formal de partilha – Desqualificação – Descrição do imóvel que não corresponde à descrição contida nas transcrições do Registro de Imóveis – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Ao suscitar dúvida, o Oficial de Registro apontou a discrepância entre a descrição contida no inventário e as que constam das transcrições de origem, indicando a necessidade de prévia abertura de matrícula com unificação e descrição do imóvel resultante, ponderando que eventual alteração de medidas demandaria concordância dos confrontantes (art. 213, II, da LRP). Destacou a divergência entre a soma das áreas dos imóveis segundo o que consta das transcrições (332,50 m2) e a área que constou do formal de partilha (330,00 m2). Por fim, destacou que a descrição da transcrição nº 14.223 indica que o imóvel é irregular, o que impede que se conheça precisamente as características do imóvel a partir da descrição existente.

Após ouvida a suscitada e, sobrevindo manifestação do Ministério Público, a dúvida foi julgada procedente, motivo por que a suscitada interpôs apelação, sustentando que não haverá prejuízo aos confrontantes por ser o imóvel murado e sua posse estar consolidada há mais de sessenta anos, sem oposição. Impugnou a alegação de que haveria discrepância entre as dimensões apresentadas no formal de partilha e as presentes nas transcrições n. 12.346, 14.223 e 16.919, uma vez que constou da transcrição n. 12.346 que a medida do lote seria de um metro de frente por trinta e três metros, “mais ou menos, da frente aos fundos”, indicando que ficou a critério do titular do domínio definir a real medida do imóvel, o que foi feito com a construção aprovada pela Municipalidade, não sendo necessária retificação de área.

Por fim, a Procuradoria Geral da Justiça propôs o não provimento do recurso.

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de inventário e partilha do espólio de Tikahisa Plínio Matuguma e Isabel Mattuci Matuguma. Seu ingresso no fólio real foi recusado pelo Oficial porque: (1) faltam dados de descrição do imóvel em cada uma das transcrições que o compõem (posição do observador, medidas laterais e dos fundos); (2) a área quantitativa do imóvel unificado (330,00 m2) não confere com a somatória das áreas dos terrenos das transcrições (332,50 m2); (3) faltam as confrontações do imóvel já unificado e croquis (fls. 23).

A deficiente identificação do imóvel impede a inscrição pretendida, pois em desconformidade com os princípios da legalidade e da especialidade objetiva. Dispõe o art. 225, parágrafo 2º, da Lei de Registros Públicos, que “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.”

No caso vertente, a descrição que consta do título não corresponde às transcrições, o que é bastante para que o Oficial desqualifique o título, recusando seu ingresso no cadastro imobiliário, em respeito ao princípio da especialidade objetiva, que impõe que cada imóvel tenha descrição precisa que viabilize sua completa identificação e localização, distinguindo-se de todos os demais (LRP, art. 176).

O tema já foi tratado em precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, como no apelo n. 0010422-67.2013.8.26.0361, de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Dr. Hamilton Elliot Akel:

“(…)

No que respeita ao principio da especialidade objetiva, ele apenas seria respeitado se o título descrevesse o imóvel tal como no assento e, também, se esse assento contivesse perfeita individualização do bem.

Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6.015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.

Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).

É certo que caberia mitigação no princípio da especialidade, caso o título – formal de partilha – espelhasse a antiga transcrição. Mas nem isso ocorre no caso. Enquanto a certidão oriunda do 1º registro de Imóveis menciona dois lotes de terreno, o formal de partilha, ao tratar de deles, discrimina-os como um só imóvel, não obstante a ausência de qualquer procedimento de unificação. E, mais, como ressalta o Oficial, traz medidas laterais inéditas, que não constam do assento. (grifo nosso)

A situação não melhora com os documentos trazidos no curso do processo, que, de mais a mais, não integram o título e, portanto, não podem ser admitidos.

Por meu voto, à vista do exposto, nega-se provimento ao recurso.”

Os precedentes citados pela recorrente cuidam de circunstâncias em que, a despeito de haver pequenas imperfeições dos registros dos imóveis, não houve dissonância com os títulos submetidos a registro ou averbação.

No caso em exame, a descrição contida nos autos do inventário não corresponde às descrições contidas nas transcrições imobiliárias, o que obsta a individualização segura do imóvel partilhado, não se tratando de mera questão de diferença mínima de metragem.

Portanto, bem andou a Oficiala ao desqualificar o título e apontar como caminho correto a prévia abertura de matrícula com unificação das áreas e retificação, nos termos dos art.213, II, da Lei de Registros Públicos.

É necessário ressaltar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Cap. XX, das NSCGJ.

O Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. Pelo contrário, “a circunstância de exibir-se a inscrição do título de origem judicial não implica isenção dos requisitos registrários, incumbindo ao registrador: a) verificar a competência (absoluta) da autoridade judiciária; b) aferir a congruência do que se ordena ao registro com o processo respectivo; c) apurar a presença das formalidades documentais; d) examinar se o título esbarra em obstáculos propriamente registrários (p.ex.: legalidade, prioridade, especialidade, consecutividade)” (RJTJESP 137/588)

A exigência questionada, em suma, encontra respaldo nas disposições legais acima especificadas, bem como nos itens 2, 3, 24, 40, 59, I, 60, 60.2, do Cap. XX das NSCGJ.

Isto posto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 31.08.2017 – SP)