CSM|SP: Registro de Imóveis – Conferência de bens para integralização de capital social – Dúvida julgada procedente em primeira instância – Análise das três exigências – Óbito da outorgante da procuração ocorrido entre a conferência de bens e o registro do título – Afastamento do óbice – Aplicação do artigo 674 do Código Civil – Falta de identificação dos imóveis a serem transferidos na procuração outorgada – Procuração que confere ao apelante amplos poderes para representar sua esposa, inclusive para alienação de bens – Afastamento do óbice – Precedente deste Conselho – Conferência de bens comuns do casal para integralizar participação em sociedade da qual apenas o marido se tornará sócio – Regime da comunhão parcial de bens – Participação societária que entrará na comunhão de bens, ainda que as ações fiquem em nome do recorrente – Inteligência do artigo 1.660, I, do Código Civil – Anuência suprida pelos termos da procuração e pela futura partilha da participação societária – Exigência afastada – Apelação provida, para julgar improcedente a dúvida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1001689-21.2015.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que são partes é apelante REYNALDO JOÃO MILANI FILHO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURIDICA – COMARCA DE MOGI MIRIM.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente, determinando o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1001689-21.2015.8.26.0363

Apelante: Reynaldo João Milani Filho

Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE TITULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURIDICA – COMARCA DE MOGI MIRIM

VOTO Nº 29.806

Registro de Imóveis – Conferência de bens para integralização de capital social – Dúvida julgada procedente em primeira instância – Análise das três exigências – Óbito da outorgante da procuração ocorrido entre a conferência de bens e o registro do título – Afastamento do óbice – Aplicação do artigo 674 do Código Civil – Falta de identificação dos imóveis a serem transferidos na procuração outorgada – Procuração que confere ao apelante amplos poderes para representar sua esposa, inclusive para alienação de bens – Afastamento do óbice – Precedente deste Conselho – Conferência de bens comuns do casal para integralizar participação em sociedade da qual apenas o marido se tornará sócio – Regime da comunhão parcial de bens – Participação societária que entrará na comunhão de bens, ainda que as ações fiquem em nome do recorrente – Inteligência do artigo 1.660, I, do Código Civil – Anuência suprida pelos termos da procuração e pela futura partilha da participação societária – Exigência afastada – Apelação provida, para julgar improcedente a dúvida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Reynaldo João Milani Filho contra a sentença de fls. 162/165, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Mogi Mirim, impedindo o registro nas matrículas nº 40.348 e 67.150 de instrumento particular de conferência de bens para integralização do capital social da empresa Fhasel Administração e Participação S/A.

Sustenta o apelante, em síntese: que a constituição da empresa Fhasel Administração e Participação S/A e a conferência dos imóveis ocorreram antes do falecimento da esposa do apelante, de modo que a procuração outorgada é válida; que a procuração pretendeu lhe conceder poderes irrestritos na administração do patrimônio comum; e que o registro tal como pleiteado não causa prejuízo aos sucessores de sua esposa. Pede, assim, a improcedência da dúvida, com a determinação de registro do título (fls. 189/226).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 239/243).

É o relatório.

Segundo consta, o apelante apresentou a registro instrumento particular, por meio do qual conferiu os imóveis matriculados sob nºs 40.348 e 67.150 no Registro de Imóveis e Anexos de Mogi Mirim para a integralização do capital social da empresa Fhasel Administração e Participação S/A.

Esses bens, de acordo com as cópias das matrículas juntadas a fls. 249/251 e 252/254, são de propriedade do apelante, Reynaldo João Milani Filho, e de sua esposa, Aurora Aparecida Viola Milani (cf. R.8 da matrícula nº 40.348 e R.9 da matrícula nº 67.150 fls. 251 e 254), casados pelo regime da comunhão parcial de bens.

De acordo com a nota devolutiva de fls. 70, a desqualificação foi motivada por três razões: a) o mandato utilizado pelo apelante para representar sua esposa no ato de conferência dos bens está extinto em decorrência do óbito da outorgante, Aurora Aparecida Viola Milani, ocorrido em 12 de janeiro de 2015; b) os imóveis com que o apelante pretende integralizar o capital social da empresa não estão identificados na procuração; e c) não consta na procuração apresentada poderes para a integralização de capital social somente em nome do mandatário, ora apelante.

A primeira exigência deve ser afastada, como já observado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, embora por fundamento diverso.

Com efeito, não obstante a outorgante da procuração copiada a fls. 102/104 tenha falecido em 12 de janeiro de 2015 (fls. 144), a conferência de bens levada a registro simplesmente conclui negócio iniciado em 31 de dezembro de 2014 (cf. fls. 122/123 e 139/141), data em que Aurora Aparecida Viola Milani ainda estava viva e o mandato, portanto, era válido.

Aplica-se à hipótese o artigo 674 do Código Civil, segundo o qual “embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora”.

Nesse sentido, decisão deste Conselho Superior, nos autos da Apelação nº 990.10.473.290-5:

Por fim, o falecimento do mandante em 24 de dezembro de 2002 não constitui óbice à utilização do mandato, já que a conferência do bem se deu em 16 de outubro de 2002, antes do óbito. O ato a ser praticado por meio da procuração era o de alienação do imóvel, o que se deu com a sua conferência, independentemente do registro” (Rel. Des. Maurício Vidigal, j. em 19/4/2011).

A segunda exigência também não se sustenta.

Isso porque a mesma apelação acima mencionada (990.10.473.290-5) afastou a necessidade de que procuração que concede ao representante amplos poderes inclusive de alienação de bens imóveis tenha obrigatoriamente que identificar os bens a serem alienados para autorizar o negócio. Nesse sentido:

O art. 661, par. 1º, do Código Civil exige poderes especiais para os atos de alienação de imóveis. Ocorre que a procuração outorgada pelo sócio Benedicto Laporte Vieira da Motta outorgou aos mandatários poderes para: “gerir e administrar todos os bens, negócios e interesses dele outorgante; podendo adquirir, vender, compromissar, ceder, transferir, permutar, hipotecar, renunciar, dar em pagamento ou por qualquer outra forma ou título alienar, a quem quiser, por preço e condições que convencionar, quaisquer bens, móveis ou imóveis…” (fls. 56 verso). E ainda para “…fazer quaisquer contratos, hipotecários, de venda e compra, contratos sociais e alterações, inclusive para aumento ou redução de capital” (fls. 57).

Tais circunstâncias, aliadas ao fato de tratar de hipótese de integralização de capital, levaram este Egrégio Conselho Superior da Magistratura a decidir, que “Esses poderes, respeitados os entendimentos em sentido contrário expostos nos autos, são, a meu ver, suficientes para o reconhecimento de que pela procuração outorgada o mandante habilitou os mandatários a alienar qualquer de seus bens imóveis mediante integralização do aumento do capital social da empresa apelante, integralização que, ainda ‘in casu’, foi concomitante com a subscrição, pelo mandante, de novas ações ordinárias emitidas pela apelante, como decorre do documento de fls. 29/57” (fls. 182 do apenso)”.

É o que se observa nos autos, em que a procuração copiada a fls. 102/104 confere ao apelante amplos poderes para representar sua esposa.

Ressalte-se que por se tratar de esposo da representada, a presunção é de que o procurador goza efetivamente da confiança de quem o nomeou.

A terceira exigência também deve ser afastada.

Refere-se ela ao fato de não constar na procuração poderes para a integralização de capital social somente em nome do mandatário, ora apelante. Ou seja, segundo o Oficial, não poderia Reynaldo João Milani Filho, valendo-se da procuração de fls. 102/104, conferir um imóvel comum do casal para integralizar, unicamente em seu favor (já que sua esposa não passou a integrar a sociedade Fhasel Administração e Participação S/A), o capital social dessa empresa.

No entanto, como já ressaltado, o recorrente e sua falecida esposa eram casados pelo regime da comunhão parcial de bens.

Em capítulo dedicado a esse regime de bens, preceitua o artigo 1.660 do Código Civil:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

Ou seja, ainda que a participação societária permaneça exclusivamente em nome do recorrente, pelo regime de bens que regulava o casamento já extinto, as ações adquiridas onerosamente na constância da união entrarão na comunhão de bens.

Assim, pouco importa se as ações estão em nome do recorrente ou dele e de sua mulher. Tudo será partilhado.

Note-se, ainda, que a procuração concede amplos poderes ao representante, inclusive para a alienação de bens.

Assim, se a conferência de bens para a integralização de capital social é uma modalidade de alienação patrimonial, lícito o negócio jurídico ora analisado, que integrará ao patrimônio comum do casal ações de uma sociedade anônima. Assim, considerando os termos da procuração outorgada pela falecida esposa do recorrente e a obrigatória partilha da participação societária resultante do negócio, a outorga conjugal exigida pelo artigo 1.647 do Código Civil está suprida.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente, determinando o registro do título.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 31.08.2017 – SP)