Apelação – Mandado de Segurança – ITCMD Pretensão inicial dos impetrantes voltada ao afastamento de multa devida em razão de suposta atraso no requerimento de abertura do inventário – Admissibilidade – Abertura requerida pela tabelião de notas dentro do prazo de 60 dias estabelecido pela legislação estadual – Inteligência do art. 21, da Lei nº 10.705/2000 e do art. 38, do Decreto nº 46.655/2002 – Multa que deve ser afastada ante a literalidade do dispositivo legal que prevê a contagem do prazo de 60 dias a partir da abertura da sucessão – Sentença mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 1026968-32.2016.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFÍCIO, é apelado ADALMIRO BAPTISTA SBRIGHI.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERREIRA RODRIGUES (Presidente) e ANA LIARTE.

São Paulo, 3 de julho de 2017.

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1026968-32.2016.8.26.0053

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADOS: ADALMIRO BATISTA SBRIGHI e OUTROS

INTERESSADO: DELEGADO DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL DRTC-III (autoridade impetrada)

ORIGEM: 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO

VOTO Nº 12.859

APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD Pretensão inicial dos impetrantes voltada ao afastamento de multa devida em razão de suposta atraso no requerimento de abertura do inventário Admissibilidade Abertura requerida pela tabelião de notas dentro do prazo de 60 dias estabelecido pela legislação estadual Inteligência do art. 21, da Lei nº 10.705/2000 e do art. 38, do Decreto nº 46.655/2002 Multa que deve ser afastada ante a literalidade do dispositivo legal que prevê a contagem do prazo de 60 dias a partir da abertura da sucessão Sentença mantida Recurso não provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos do “mandado de segurança” impetrado pelos apelados, ADALMIRO BATISTA SBRIGHI e OUTROS , contra ato dito coator praticado pelo DELEGADO DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL DRTC-III , cuja ordem de segurança foi concedida pelo Juízo “a quo”, uma vez  presente o direito líquido e certo dos impetrantes ao afastamento da incidência da multa por atraso de protocolo de inventário prevista no art. 21, inciso I, da Lei nº 10.705/2000, consoante r. sentença de fls. 64/66, cujo relatório se adota

Inconformada, a Fazenda Estadual, em suas razões de apelação (fls. 93/109), pugnou, preliminarmente, pelo reconhecimento da inadequação da via eleita pelos postulantes. No mérito, discorreu sobre as hipóteses de incidência do ITCMD previstas na legislação estadual de regência, dentre as quais se inclui aquelas referentes à sucessão causa mortis. Nesta linha, defendeu que a multa aplicada seria válida, posto que os impetrantes teriam de fato promovido a Declaração de ITCMD junto à SEFAZ/SP após decorrido o prazo legal de 60 dias da data de abertura da sucessão. Ao final, requereu o provimento do apelo interposto, reformando-se a r. sentença de primeiro grau.

Recurso regularmente processado, livre de preparo, por força da isenção legal conferida à Administração Pública, nos termos do art. 1.007, § 1º, do CPC/2015, desafiando contrarrazões dos apelados às fls. 137/145.

Remessa necessária efetivada pelo Juízo “a quo”, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009 (fls. 66).

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

Insurge a Fazenda Estadual contra a r. sentença de primeiro grau que concedeu a segurança pretendida no writ, uma vez presente o direito líquido e certo dos impetrantes ao afastamento da incidência da multa por atraso de protocolo de inventário prevista no art. 21, inciso I, da Lei nº 10.705/2000.

Porém, pelo que se depreende do acervo fático-probatório coligido aos autos, os recursos oficial e voluntário da FESP não comportam acolhimento.

Ab initio, em que pese o respeito ao entendimento diverso, tem-se não ser o caso de extinção do feito sem exame de mérito, tendo em vista que o mandado de segurança impetrado pelos apelados mostrou-se adequado para o reconhecimento do direito líquido e certo pleiteado na inicial, notadamente porque instruído com as provas (pré-constituídas) necessárias para o deslinde da questão.

Afastada, pois, a questão prejudicial aventada pela FESP, passa-se ao exame do meritum causae.

In casu, infere-se que os demandantes, enquanto legítimos herdeiros de Chrysanthéme Ribeiro Batista, com óbito em 14.01.2016 (fls. 19), promoveram a abertura de procedimento de inventário extrajudicial em 04.03.2016 (fls. 25/26).

Todavia, segundo alegam, no decorrer do aludido procedimento de lavratura de escritura de inventário extrajudicial foi constatada a existência de testamento público deixado pela de cujus e lavrado perante o 13º Tabelião de Notas (fls. 22/23), fato este que fez com que o tabelião responsável suspendesse o andamento do feito.

Com efeito, diante dos vícios constantes na declaração deixada pela falecida, os requerentes entenderam por bem ajuizar ação objetivando a declaração de ineficácia do testamento em questão (processo nº 1033795-15.2016.8.26.0100).

Ato contínuo, após a prolação da respectiva sentença, o 14º Tabelião de Notas, pôde, enfim, dar prosseguimento ao referido inventário. Ocorre que, ao elaborarem a “Declaração do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação” junto ao sistema eletrônico da Secretaria da Fazenda Estadual, os impetrantes foram surpreendidos com a cobrança de multa supostamente devida em virtude do atraso na “protocolização do inventário extrajudicial” (art. 21, inciso I, da Lei nº 10.705/2000).

Irresignados com a mencionada exação, os herdeiros, então, impetraram o presente mandado de segurança, objetivando o afastamento de sua incidência (fls. 01/12).

Pois bem.

A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, inaugura a Seção IV , do Capítulo I (sistema tributário nacional), Título VI (da tributação e do orçamento), disciplinando a respeito dos impostos dos estados e do distrito federal , dentre os quais se insere o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos (art. 155, I e § 1º, da CF/88).

Art. 155 . Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

A respeito do ITCMD, o jurista RICARDO ALEXANDRE leciona que:

“Segundo o art. 155, I, da CF/1988, os Estados e o Distrito Federal podem instituir imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos . O tributo possui natureza eminentemente arrecadatória ( fiscal ) e não incide sobre as transmissões originárias, como por usucapião (art. 1.238 do Código Civil) ou por acessão (art. 1.248 do Código Civil). O Código Tributário Nacional disciplina o imposto nos arts. 35 a 42 e deve ser interpretado à luz da atual Constituição, visto que a redação original do CTNtrata de um único imposto de transmissão, de competência estadual, incidente exclusivamente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Com a Constituição Federal de 1988, previu-se a instituição de dois impostos de transmissão, um estadual (ITCMD) e outro municipal (ITBI) , sujeitando à incidência do primeiro as transmissões a título gratuito (causa mortis e doação) e do segundo as transmissões a título oneroso ” 1 .

No âmbito paulista, a regulamentação do referido tributo vem consignada na Lei nº 10.705, de 29 de dezembro de 2000, sendo que, quanto à situação considerada pela lei como necessária e suficiente para ocorrência do fato gerador (hipótese de incidência), os arts. 2º e 3º, da legislação estadual prelecionam:

Artigo 2.º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legitima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II – por doação.

(…)

Artigo 3.º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;

II – dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e titulo que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, seja qual for o prazo e a forma de garantia;

III – bem incorpóreo em geral, inclusive título e crédito que o represente, qualquer direito ou ação que tenha de ser exercido e direitos autorais.

(…)

Nesta linha, a mesma Lei estadual impõe aos interessados, uma vez aberta a sucessão, o ônus de requerer, perante a autoridade competente, a abertura do inventário/arrolamento, em até 60 dias, sob pena da incidência de multa por atraso equivalente a 10% do valor do respectivo imposto (ITCMD), podendo esta ser elevada ao patamar de 20%, caso não requerida a abertura em até 180 dias. In verbis:

Artigo 21 – O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:

I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão , o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);

No mesmo sentido é o que dispõe o Decreto nº 46.655/2002, o qual regulamentou a legislação estadual supratranscrita:

Artigo 38 – O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades (Lei 10.705/00, art. 21):

I – independente de notificação, no inventário ou arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão , o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);

No caso em análise, consoante se depreende dos documentos de prova acostados aos autos, a abertura da sucessão se deu em 14.01.2016 , data do óbito da genitora dos requerentes (fls. 19), tendo estes, ao seu turno, pleiteado ante ao 14º Tabelião de Notas o início do procedimento de inventário extrajudicial em 04.03.2016 (fls. 25/26), dentro, portanto, do prazo de 60 dias estabelecido pela legislação paulista.

Ressalte-se, neste ponto, que a norma é clara e expressa , ao estabelecer que o ônus imputado ao interessado de realizar a abertura de inventário no prazo de 60 dias, sob pena de multa, é contada da abertura da sucessão , ou seja, da morte do de cujus (art. 1.784, do Código Civil).

Note-se que, ao contrário do quanto sustentado pela ré, em nenhum momento há referencia à data de eventual protocolização da declaração do ITCMD perante a Secretaria da Fazenda.

Outrossim, conforme anteriormente relatado, o atraso no aludido protocolo, na linha do quanto relatado pela FESP, se deu em razão da constatação de um Testamento Público em nome da “de cujus” lavrado perante o 13º Tabelião de Notas (fls. 22/23), fato este imprevisto e que ensejou a (obrigatória) suspensão do procedimento extrajudicial pelo tabelião responsável.

Portanto, constatada a tempestividade do requerimento de abertura de inventário pelos impetrantes, deve ser afastada a multa imposta pela ré, sendo, assim, de rigor a manutenção da r. sentença de primeiro grau.

Por fim, impende ressalvar que, em razão da sucumbência, deverá a Fazenda Estadual arcar com o pagamento de custas e despesas processuais, ressaltandose que não há condenação da apelante em honorários advocatícios, por se tratar de mandado de segurança, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/09.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da Fazenda Estadual, de modo a manter a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios e bem lançados fundamentos jurídicos.

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

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1 ALEXANDRE, Ricardo, Direito Tributário Esquematizado, 7ª Ed., São Paulo: Método, 2013, pp. 573-574.