CSM|SP: Registro de Imóveis – Exigência de certidão negativa de débitos (CND) como condição para registro de carta de adjudicação – Impossibilidade – Item 119.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Inconstitucionalidade de leis que veiculam similar exigência já reconhecida pelo E. STF – Orientação cediça deste E. CSM – Recuso Provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1001067-92.2016.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, em que são partes é apelante APPARECIDA CUSTODIO FERREIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE TAUBATÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento ao recurso, vencido o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 6 de junho de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1001067-92.2016.8.26.0625

Apelante: Apparecida Custodio Ferreira

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Taubaté

VOTO Nº 29.743

Registro de Imóveis – Exigência de certidão negativa de débitos (CND) como condição para registro de carta de adjudicação – Impossibilidade – Item 119.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Inconstitucionalidade de leis que veiculam similar exigência já reconhecida pelo E. STF – Orientação cediça deste E. CSM – Recuso Provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Taubaté, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de carta de adjudicação, por não ter a recorrente apresentado certidão negativa de débito do antigo proprietário do imóvel.

A apelante afirma, em síntese, que a exigência é descabida e viola as NSCGJ, além de precedentes do E. STF e deste E. CSM.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

À luz do item 119.1 do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:

“119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Idêntica intelecção é reprisada no item 59.2 do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ, agora, porém, quanto à qualificação notarial para a lavratura de escrituras relativas a bens imóveis e direitos reais:

“Nada obstante o previsto nos artigos 47, I, b, da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, e no artigo 257, I, b, do Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999, e no artigo 1.º do Decreto n.º 6.106, de 30 de abril de 2007, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e outras imposições pecuniárias compulsórias.”

Per si, bastariam os explícitos termos das normas supra para resolver a questão.

Sobremais, a exigência de prova da quitação de débitos fiscais para a prática de atos da vida civil vem sendo constantemente repelida pelo Excelso Pretório, que toma por inconstitucionais as leis que a veiculam:

“1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias.

2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. Da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/’988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal.” (ADI 173-6/DF, DJ 19/3/09, Rel. Min. Joaquim Barbosa; em idêntico sentido, ADI 394-1/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 20/3/09)

Reforcem-se os fundamentos partilhados pelo E. STF, no v. acórdão retrocompilado, para afastar a exigência de comprovação da quitação tributária: a) direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição); b) violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários); c) violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição.

Para o mesmo Norte, sedimentando a inexigibilidade de apresentação de certidões negativas de débito como condição do registro, ruma este Egrégio Conselho Superior da Magistratura, conforme, por exemplo, Apelações Cíveis de nºs 0014803-69.2014.8.26.0269, 0013913-10.2013.8.26.0482, 0057505-51.2014.8.26.0068, por mim relatadas.

Aliás, pelo que se colhe do tópico 19 de fls. 7, o MM. Juízo sentenciante já havia dispensado, em outra ocasião, mas de todo similar a esta, a apresentação da CND como condição para o registro (autos nº 625.01.2012.026248-7).

Desta feita, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1001067-92.2016.8.26.0625

Procedência: Taubaté

Apelante: Apparecida Custódio Ferreira

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca

VOTO DIVERGENTE (n. 47.836):

1. Reiterando, quase à letra, votos já por mim prolatados neste Conselho Superior da Magistratura, peço vênia para divergir da r. solução majoritária adotada na espécie.

2. É princípio hipotecário assente o da legalidade, a cujo controle se obriga o registrador, submetido que se acha à plenitude do ordenamento normativo posto.

3. Não é, todavia, da competência do registrador arguir inconstitucionalidade alguma de normas ou atos normativos.

Com efeito, no domínio administrativo, a recusa da observância de norma por incompatibilidade vertical é da competência privativa do Chefe do Poder (em nosso caso, do Presidente de nosso Tribunal de Justiça), com incontinenti adoção de medidas para que, em via jurisdicional, venha a declarar-se a inconstitucionalidade agitada.

No território administrativo que inclui a jurisdição administrativa- , entender que todo e qualquer agente possa recusar, por aventada inconstitucionalidade, a observância da normativa, é admitir, no fim e ao cabo, o caos burocrático e a instauração da insegurança jurídica.

4. Ora, para o caso sob exame: a alínea do inciso I do art. 47 da Lei n. 8.212/1991 (de 24-7) está em vigor, pois o art. 1º da Lei complementar n. 147, de 7 de agosto de 2014, e o Decreto n. 8.302, de 4 de setembro de 2014, só revogaram a alínea do inciso I do dito art. 47 (além do Decreto n. 6.106, de 30-4-2007, e alguns dispositivos do Decreto n. 3.048, de 6-5-1999).

5. Havendo lei vigente e há-o , contra seus termos não pode ter eficácia a dispensa administrativo-judiciária que se contém no item 119.1 do capítulo XX do código paulista de regras extrajudiciais (as nossas largas “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça”).

Vá lá que veneráveis decisões deste Conselho Superior reconheceram a inconstitucionalidade da regra da alínea do inciso I do art. 47 da Lei n. 8.212/1991: brevitatis causa, AC 0018870-06.2011 e AC 0020124-97.2012.

Calha que este mesmo nosso Conselho já afirmou, fortiter in modo, que nesta via administrativa do recurso do processo de dúvida não é viável reconhecer inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (cf. AC 0038442-73.2011, AC 43.694-0/0 e AC 18.671-0/8).

Além disso, fosse o caso de entender-se (mas não é) que a apreciação e decisão do processo de dúvida empolgam natureza jurisdicional, o reconhecimento de suposto vício de inconstitucionalidade exigiria reserva de plenário.

6. Bem andou, portanto, o r. decisum de origem, quando julgou procedente a dúvida objeto e manteve a apresentação de certidões negativas de débito para o perseguido registro stricto sensu.

O colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 173-6 declarou a inconstitucionais as exigências previstas no art. 1º, incisos I, III e IV e seus §§ 1º a 3º, e no art. 2º da Lei nº 7.711/1988 (de 22-12).

O caso em análise envolve diversa lei, a de n. 8.212. À falta de declaração judicial expressa de que essa Lei n. 8.212/1991 padeça de inconstitucionalidade, não pode o registrador de imóveis estender-lhe a fulminação que afligiu a Lei n. 7.711/1988.

Saliente-se que o art. 48 da Lei n. 8.212, de 1991, enuncia que o registrador é solidariamente responsável pela prática de atos com inobservância de seu art. 47:

“Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.

(…)

§ 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível.”

TERMOS EM QUEcum magna reverentia, nego provimento à apelação, para manter a r. sentença de primeiro grau.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 23.08.2017 – SP)