CSM|SP: Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de carta de adjudicação – Dúvida Inversa – Irresignação parcial e título em cópia – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Registro de carta de adjudicação – Indisponibilidade legal (art. 53, § 1.º, da Lei nº 8.212/1991) desprovida de força para obstaculizar a venda judicial forçada do bem imóvel e seu respectivo registro – Inteligência do item 405 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho Superior – Falta de recolhimento de ITBI – Imposto que incide em caso de adjudicação – Artigo 877, § 2º, do CPC – Exigência mantida.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032

Registro: 2017.0000390103

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que é apelante ATOS LOCAÇÕES PARA EVENTOS LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARAÇATUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso. V. U. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de maio de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0016149-53.2015.8.26.0032

Apelante: Atos Locações para Eventos Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araçatuba

VOTO Nº 29.760

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de carta de adjudicação – Dúvida Inversa – Irresignação parcial e título em cópia – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Registro de carta de adjudicação – Indisponibilidade legal (art. 53, § 1.º, da Lei nº 8.212/1991) desprovida de força para obstaculizar a venda judicial forçada do bem imóvel e seu respectivo registro – Inteligência do item 405 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho Superior – Falta de recolhimento de ITBI – Imposto que incide em caso de adjudicação – Artigo 877, § 2º, do CPC – Exigência mantida.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 60/61, que manteve a recusa do registro de carta de adjudicação extraída do processo nº 0010190-72.2013.8.26.0032 da Vara do Juizado Especial Cível de Araçatuba, na matrícula nº 47.272 do Registro de Imóveis de Araçatuba.

Sustenta a apelante que o mais recente posicionamento do Conselho Superior da Magistratura admite o registro da carta de adjudicação, mesmo existindo penhora do bem em favor da Fazenda Púbica (fls. 82/87).

A douta Procuradoria de Justiça opinou por se julgar prejudicado o recurso interposto (fls. 98/100).

É o relatório.

Inicialmente, verifica-se que, em dúvida inversamente suscitada, o título cujo registro o apelante pleiteia foi apresentado em cópia (fls. 13/34 e 50).

Nos moldes do subitem 41.1.1. do Capítulo XX das NSCGJ, era caso de se conceder o prazo de dez dias para o suscitante apresentar o original do título, sob pena de arquivamento do procedimento.

Como isso não foi feito em primeiro grau, agora resta reconhecer que a dúvida está prejudicada, pois título em cópia não pode obter acesso ao registro imobiliário.

Verifica-se, ainda, que houve irresignação parcial em relação à nota devolutiva juntada a fls. 35, pois a exigência relativa à apresentação de guia de recolhimento de ITBI não foi impugnada.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, seja pela irresignação parcial, seja pela juntada do título em cópia, a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, cumpridas as exigências não impugnadas, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame do caso.

A carta de adjudicação copiada a fls. 13/35 foi desqualificada por dois motivos (fls. 35): a) a Av.38 da matrícula nº 47.272, que noticia a penhora em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional de 16,66% do imóvel, impede o registro do título judicial, nos termos do artigo 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91; e b) falta de comprovação do recolhimento do ITBI relativo à arrematação.

O primeiro empecilho, qual seja existência de penhora anterior decorrente de execução judicial de dívida ativa da Fazenda Nacional, o que tornaria o bem indisponível1 deve ser afastado.

Isso porque é pacífico neste Conselho Superior, que a indisponibilidade referida no artigo 53, § 1º da Lei nº 8.212/91 não se aplica a alienações judiciais forçadas. Nesse sentido, cito trecho de voto por mim proferido na Apelação nº 9000001-36.2015.8.26.0443, julgada em 18/10/2016, que, embora se refira à carta de arrematação, ajusta-se igualmente à carta de adjudicação:

Por sua vez, a indisponibilidade decorrente dessas penhoras, todas efetivadas em execuções fiscais, também não é óbice ao registro da carta de arrematação. Aliás, conforme o item 405 do Cap. XX das NSCGJ, “as indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012, e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a alienação, oneração e constrição judiciais do imóvel.” (grifei)

Ademais, de acordo com entendimento assente no C. CSM, essas indisponibilidades dizem respeito exclusivamente à venda voluntária do bem imóvel pelo devedor. Não impedem que se o penhore, que se o leve à hasta, nem que se registre a alienação forçada. No mesmo sentido, há precedentes das Câmaras de Direito Privado e de Direito Público desta E. Corte. Não bastasse, essa é a posição retirada de julgamentos proferidos pelo C. STJ.

E o artigo 16 do Provimento nº 39/2014 do CNJ, citado pelo registrador, em reforço, para fundamentar a recusa (fls. 35), também não frustra o ingresso da carta. Sobre o tema, cito outro trecho de meu voto na Apelação nº 9000001-36.2015.8.26.0443:

Com relação ao art. 16, caput, do Provimento nº 39/2014 da E. Corregedoria Nacional de Justiça, constata-se, à luz de seu trecho inicial, que as indisponibilidades averbadas nos termos desse ato normativo e as decorrentes do art. 53, § 1.º, da Lei nº 8.212/1991 não impedem a alienação judicial do bem imóvel, com respectivo registro. Esta, frise-se, a regra.

O dispositivo estabelece, todavia, não se ignora, as condicionantes que ora interessam de que a alienação tenha emanado do juízo que decretou a indisponibilidade ou de que esteja “consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Quanto a essa exigência, é de se amainar, mormente à vista dos precedentes mencionados, a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção sobre a prevalência da venda judicial. Ora, a preferência da alienação judicial em relação a eventuais restrições oriundas de outros Juízos ou de autoridade administrativa é ínsita a esse título judicial, cuja finalidade precípua é viabilizar o registro da venda forçada.

Seria de todo incongruente, realmente, que o Juízo onde ocorrida a hasta pública expedisse carta de arrematação, se não fosse para que o arrematante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que as indisponibilidades inscritas resultem de ordens de outros Juízos ou de autoridade administrativa.

Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado a indisponibilidade. O crédito que possui sub-roga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Nem mesmo se olvide que o destinatário da ordem judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta-se a obstar que ele, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Entretanto, insista-se, a indisponibilidade não impede a venda judicial do bem.

Já a segunda exigência (falta de comprovação do recolhimento do ITBI relativo à adjudicação) está correta.

Preceitua o artigo 877 do Código de Processo Civil:

Art. 877. Transcorrido o prazo de 5 (cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz ordenará a lavratura do auto de adjudicação.

§ 1º Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se estiver presente, pelo executado, expedindo-se:

I – a carta de adjudicação e o mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel;

II – a ordem de entrega ao adjudicatário, quando se tratar de bem móvel.

§ 2º A carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a provade quitação do imposto de transmissão.

Ou seja, a prova de quitação do imposto ou da isenção do pagamento deveria fazer parte da carta, de modo que o registro pretendido depende disso.

No mesmo sentido o item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 0016149-53.2015.8.26.0032 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 47.597 (com divergência)

1. Registro, à partida, adotar o relatório lançado pelo insigne Relator da espécie.

2. Permito-me, da veniam, lançar dois reparos.

3. Já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida “inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repeli-la, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunar-se permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez, o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado.

4. Peço ainda reverente licença para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar nãoconhecer do recurso.

Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legem que positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que não se conheça do recurso e se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniammeu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Art. 53 da Lei nº 8.212/91. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exequente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis. 

(DJe de 23.08.2017 – SP)