CSM|SP: Registro de Imóveis Dúvida inversa Escritura de Doação – Desqualificação Manutenção da exigência pelo MM. Juiz Corregedor Permanente Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD Atuação que extrapola as atribuições do registrador Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo Recurso provido para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0031287-16.2015.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que são partes são apelantes BENEDITO COELHO SIEBRA e NICHOLAS RONCALLY MARQUES SIEBRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, determinando o registro do título. V. U. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de maio de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0031287-16.2015.8.26.0564

Apelantes: Benedito Coelho Siebra e Nicholas Roncally Marques Siebra

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bernardo do Campo

VOTO Nº 29.744

Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Escritura de Doação – Desqualificação – Manutenção da exigência pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD – Atuação que extrapola as atribuições do registrador – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Benedito Coelho Siebra e Nicholas Roncally Marques Siebra contra a sentença de fls. 44/45, que manteve a recusa ao registro de escritura de doação com reserva de usufruto, lavrada no Tabelionato de Notas do Distrito de Riacho Grande.

Sustenta o apelante, em resumo, que a Lei do Município de São Bernardo do Campo nº 3.317/1989, com a redação dada pela Lei nº 6.388/2014, não se aplica ao ITCMD; e que a Lei Estadual nº 10.705/2000 estabelece que a base de cálculo para o cálculo do ITCMD é o valor do lançamento do IPTU. Pede, for fim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 51/55).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 78/79).

É o relatório.

Ao ser apresentada a registro, a escritura de doação de fls. 17/18 foi desqualificada. Nas notas devolutivas (fls. 13/14) e nas razões da dúvida (fls. 34/39), sustentou o registrador: a) que o valor venal do IPTU não poderia ser utilizado como base para o cálculo do ITCMD; b) que a base de cálculo correta é o valor de referência do ITBI; c) que não cabe a ele, registrador, analisar a constitucionalidade de norma; e d) que uma de suas funções é verificar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos registrados.

A sentença prolatada em primeiro grau ratificou o teor da exigência.

O caso é de se dar provimento à apelação.

Como já decidiu esse Conselho Superior, no julgamento da apelação 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini:

“A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material.

Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal interessada.

Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função.

Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).”

É o que ocorre no caso em tela.

Embora zelosa, a atitude do registrador vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe aferir se o montante do tributo recolhido está correto, devendo apenas zelar pela existência de recolhimento – ou ocorrência de isenção, como ocorre no caso dos autos (fls. 20/23) – e pela razoabilidade da base de cálculo utilizada.

Na hipótese, a escritura de doação de 50% do apartamento nº 21 do Edifício Columbia foi lavrada em 28 de julho de 2015 (fls. 17) e o valor utilizado para o cálculo do ITCMD (R$47.421,90 – fls. 20 e 17, verso) foi o correspondente à metade do valor do lançamento para fins de IPTU do exercício de 2015 (R$94.843,80 fls. 17, verso).

Utilizado esse valor, a doação realizada foi considerada isenta do recolhimento de ITCMD (fls. 20/23).

Pode-se questionar se o cálculo do tributo não deveria ter levado em conta valor venal de referência do ITBI (fls. 38), nos termos do artigo 16 do Regulamento do ITCMD (Decreto n° 46.655/2002, com a redação dada pelo Decreto nº 55.002/2009 [1]) e do artigo 8º da Lei do Município de São Bernardo do Campo nº 3.317/1989, com a redação dada pela Lei nº 6.388/2014 [2]. Trata-se, todavia, de base de cálculo que vem sendo sistematicamente rechaçada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

Mandado de Segurança – Recolhimento de ITCMD – Imposto de transmissão causa mortis e Doação – Base de cálculo – Valor venal do IPTU lançado no exercício – Sentença ratificada, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno desta E. Corte Recursos não providos” (Apelação n.º 0035140-24.2009.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aliende Ribeiro, j. 21/11/2011).

MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCMD). Base de cálculo. ITBI. Inadmissibilidade. A base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido. Concessão da segurança mantida. Recursos não providos” (Apelação n.º 0033279-32.2011.8.26.0053, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vera Angrisani, j. 21/08/2012).

Agravo de Instrumento – Inventário – Decisão que defere o pagamento do ITCMD com base no valor venal do bem para fins de IPTU – Alegação de que o pagamento do ITCMD deve ter como base de cálculo o valor venal de referência do ITBI – A base de cálculo do ITCMD, no caso em apreço, deve ser o valor venal do imóvel lançado para fins de IPTU, em razão da ilegalidade do Decreto 55.002/09 – Inteligência do art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000 – Decisão mantida. Recurso desprovido” (Agravo de Instrumento n.º 2138183-58.2016.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Júnior, j. 9/8/2016).

De todo modo, ainda que a Fazenda possa questionar a base de cálculo utilizada, fato é que o contribuinte valeu-se de valor razoável (valor do lançamento do IPTU de 2015 – fls. 17, verso), sendo esse fato suficiente para o Oficial, sem maiores questionamentos, permitir o ingresso do título.

Caso entenda que há tributo a ser recolhido, deve a Fazenda do Estado se valer dos meios adequados para tanto, administrativa ou judicialmente, não podendo utilizar a desqualificação do título para indiretamente coagir o contribuinte ao pagamento.

Nesse mesmo sentido, apelação nº 1006725-68.2015.8.26.0161, de minha relatoria:

Registro de Imóveis – Apelação interposta pela Fazenda do Estado de São Paulo – Legitimidade reconhecida – Terceira prejudicada – Escritura de Doação – Desqualificação – Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo – Discussão que deve ser travada em processo administrativo tributário ou em execução fiscal – Sentença de improcedência da dúvida mantida” (j. em 14/10/2016, votação unânime).

Ante o exposto, dou provimento à apelação para determinar o registro do título.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 0031287-16.2015.8.26.0564 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 47.599 (com divergência)

1. Registro, à partida, adotar o relatório lançado pelo insigne Relator da espécie.

2. Permito-me, da veniam, lançar um reparo.

3. Já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida “inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repeli-la, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunar-se permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez, o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado.

4. Superada a preliminar, entretanto, voto pelo provimento do recurso, porque, segundo o entendimento estável deste Conselho, tendo sido adimplido o tributo de transmissão com base em critério razoável (e esse é o caso dos auto), não toca ao oficial, no exercício do poder que lhe confere o art. 289 da Lei de Registros Públicos, pôr empeço ao registro pretendido, a pretexto de que exista erro ou imprecisão.

DO EXPOSTO, por meu voto preliminar, julgava extinto o processo, sem resolução de mérito, prejudicado o recurso de apelação interposto por Benedito Coelho Siebra e Nicholas Roncally Marques Siebra.

No mérito, dou provimento ao recurso, para o fim de que, reformado o r. decisum da inferior instância, se faça o rogado registro stricto sensu.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Parágrafo único – Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel:

(…)

2 – urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.” .

[2] Art. 8º A base de cálculo não poderá ser inferior ao valor mensalmente apurado pela Secretaria de Finanças, por meio de processos matemáticos e estatísticos empregados para avaliação dos preços praticados no mercado imobiliário.

§ 1º A base de cálculo apurada nos termos deste artigo deverá refletir o valor do bem colocado à venda no mercado imobiliário, de maneira consciente e voluntária, em condições normais e de livre negociação. 

(DJe de 23.08.2017 – SP)