CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Bem gravado com cláusula de impenhorabilidade não pode ser dado em alienação fiduciária, modalidade de garantia que se aperfeiçoa com leilão público da coisa alienada – A cláusula de impenhorabilidade abarca, além da penhora, atos voltados a futura venda forçada do bem, como arresto, hipoteca e alienação fiduciária – Precedente deste E. CSM – Registro negado – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1067944-37.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante BANCO TRICURY S/A, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de abril de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1067944-37.2016.8.26.0100

Apelante: Banco Tricury S/A

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 29.731

Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Bem gravado com cláusula de impenhorabilidade não pode ser dado em alienação fiduciária, modalidade de garantia que se aperfeiçoa com leilão público da coisa alienada – A cláusula de impenhorabilidade abarca, além da penhora, atos voltados a futura venda forçada do bem, como arresto, hipoteca e alienação fiduciária – Precedente deste E. CSM – Registro negado – Recurso desprovido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença que julgou procedente dúvida inversa, para o fim de manter a recusa a registro de alienação fiduciária de imóvel gravado com cláusula de impenhorabilidade.

O apelante afirma, em síntese, que a cláusula de impenhorabilidade não obsta a livre disposição do bem por seu proprietário. Pugna por interpretação restritiva do termo, como forma de se valorizar o direito à propriedade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

A empresa São Marco Administração de Bens e Participações Ltda emitiu, em favor do apelante, cédula de crédito bancário. Simultaneamente, Rodolfo Marco Bonfiglioli e Maria Helena Scuracchio Bonfiglioli firmaram, com o apelante, contrato de alienação fiduciária de imóvel, vinculado à cédula de crédito bancário. O imóvel alienado fiduciariamente, todavia, está gravado com cláusula de impenhorabilidade.

À luz do art. 22 da Lei 9514/97, “alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.” Nos termos do artigo 26 da mesma Lei, caso a obrigação garantida pela alienação fiduciária não seja saldada a tempo e modo, a propriedade do imóvel consolida-se em nome do fiduciário, que, todavia, não poderá mantê-la para si. Estará o credor obrigado a promover leilão público do imóvel. A dívida e os custos inerentes à contratação da garantia serão saldados com o produto da alienação forçada, entregando-se ao devedor o montante que eventualmente sobejar (art. 27).

Não é da voluntária alienação do imóvel, pelo devedor fiduciante, ao credor fiduciário, que se está a cuidar. Trata-se, cumpre repisar, de modalidade de garantia que se efetiva por meio de alienação forçada. A transferência da propriedade resolúvel do imóvel ao credor não esgota o instituto. É, apenas, forma de viabilizar posterior leilão público, a cargo do próprio fiduciário, caso inadimplida a obrigação. A garantia aperfeiçoa-se quando da venda forçada do bem a terceiro.

De outro bordo, em que pese a denominação que lhe foi atribuída, a cláusula de impenhorabilidade não se limita a obstar a penhora do bem. A correta intelecção de “impenhorabilidade” é a que abarca qualquer modalidade de garantia que possa implicar futura alienação forçada, aí, evidentemente, inserida a penhora, mas não a ela restrita. Espraia-se, e.g., ao arresto, à hipoteca e à alienação fiduciária.

Na esteira dos magistérios de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:

“Menos rigorosa é a imposição exclusivamente da impenhorabilidade, que impede que o bem seja objeto de atos de constrição judicial (arresto, penhora), inviabilizando sua alienação forçada, mas permitindo a livre alienação voluntária pelo proprietário, assim como sua comunicação em decorrência de matrimônio (dependendo, por certo, do regime de bens adotado).” (As Restrições Voluntárias na Transmissão de Bens Imóveis Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade, São Paulo: Quinta Editorial, 2012, p. 19, g.n.)

Pertinentes as lições de Ademar Fioranelli, que expressamente alude à vedação da alienação fiduciária de imóvel gravado com cláusula de impenhorabilidade:

Por seu lado, a cláusula de impenhorabilidade visa subtrair o imóvel da garantia de credores, que não podem apreender o bem para satisfação de obrigações. Ainda que o proprietário detenha o poder de disposição, pela imposição isolada da mesma cláusula, não poderá oferecer o bem assim gravado em garantia ‘hipotecária’ ou de ‘alienação fiduciária’, direitos reais de garantia típicos que têm como escopo assegurar a satisfação dos créditos concedidos. As consequências imediatas, quando promovida a execução para cumprimento da obrigação contraída, são a penhora e a expropriação da coisa; e para a alienação fiduciária, a perda do domínio em favor do credor fiduciário, após purgada a mora.” (Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25, g.n.)

A impossibilidade de alienar em garantia imóvel gravado com cláusula de impenhorabilidade também restou explicitamente mencionada em v. acórdão deste E. CSM, como se extrai de fls. 68/70, ainda que o cerne da questão a ser decidida, lá, fosse diverso (Apelação Cível 0000006-12.2011.8.26.0587, Rel. Des. José Renato Nalini, j. 24/5/12).

Desta feita, bem postada a recusa do Sr. Oficial, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1067944-37.2016.8.26.0100 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 47.197

1. Registro, à partida, adotar o relatório lançado pelo insigne Relator da espécie.

2. Permito-me, da veniam, lançar um reparo.

3. Já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida “inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.

A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para repelila, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com a qual não pode coadunarse permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando aquele previsto no estatuto de regência (Lei n. 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seqq.).

Se o que basta não bastara, ainda há considerar que ao longo de anos a dúvida inversa tem constituído risco para a segurança dos serviços e mesmo para as justas expectativas dos interessados. É que, não rara vez, o instrumento vem sendo manejado sem respeito aos mais elementares preceitos de processo registral (o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz), de modo que termina sem bom sucesso, levando a delongas que o paciente respeito ao iter legal teriam evitado.

4. Superada a preliminar, entretanto, voto pelo não provimento do recurso, porque o bem impenhorável não pode ser dado em garantia, mesmo fiduciária, como bem determina a lei (caput do art. 1.420 do Código Civil, regra geral aplicável, também, aos negócios regidos pela Lei n. 9.514, de 20-11-1997) e explicitam Ademar FIORANELLI (Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade eIncomunicabilidade. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25) e precedente deste mesmo Conselho (AC 0000006-12.2011.8.26.0587).

DO EXPOSTO, por meu voto preliminar, julgava extinto o processo, sem resolução de mérito, prejudicado o recurso de apelação interposto por Banco Tricury S. A.

No mérito, nego provimento ao recurso, para o fim de que, mantido o r. decisum da inferior instância, não se proceda ao rogado registro stricto sensu.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público 

(DJe de 24.07.2017 – SP)