CSM|SP: Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de carta de arrematação – Resignação parcial e título em cópia – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Princípio da continuidade – Arrematação dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda – Inexistência de inscrição desse direito no Registro de Imóveis – Necessidade de registro do título anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos – Ausência de recolhimento de tributo – ITBI que é devido pela cessão dos direitos à aquisição de bem – Óbice que encontra amparo no artigo 901, § 2º, do CPC e na atividade fiscalizatória do registrador.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0009216-87.2015.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que são partes é apelante ALLAN KARDEC SANTANA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRAIA GRANDE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 23 de março de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0009216-87.2015.8.26.0477

Apelante: Allan Kardec Santana Silva

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande

VOTO Nº 29.740

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de carta de arrematação – Resignação parcial e título em cópia – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Princípio da continuidade – Arrematação dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda – Inexistência de inscrição desse direito no Registro de Imóveis – Necessidade de registro do título anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos – Ausência de recolhimento de tributo – ITBI que é devido pela cessão dos direitos à aquisição de bem – Óbice que encontra amparo no artigo 901, § 2º, do CPC e na atividade fiscalizatória do registrador.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Allan Kardec Santana Silva contra a sentença de fls. 130/132, que manteve a recusa ao registro de carta de arrematação extraída do processo nº 0007167-69.1998.8.26.0477, que tramitou na 2ª Vara Cível de Praia Grande.

Sustenta o apelante, em resumo, que a carta de arrematação deve ser registrada independentemente da inscrição do compromisso de compra e venda em que o executado figura como compromissário comprador; que se sub-rogou nos direitos que o compromissário comprador detinha; e que o ITBI não foi recolhido, mas que pretende fazê-lo assim que a questão da continuidade for solucionada (fls. 136/142).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 153/156).

É o relatório.

Inicialmente, verifica-se que, em dúvida inversamente suscitada, o título cujo registro o apelante pleiteia foi apresentado em cópia (fls. 9/102).

Nos moldes do subitem 41.1.1. do Capítulo XX das NSCGJ, era caso de se conceder o prazo de dez dias para o suscitante apresentar o original do título, sob pena de arquivamento do procedimento.

Como isso não foi feito em primeiro grau, agora resta reconhecer que a dúvida está prejudicada, pois título em cópia não pode obter acesso ao registro imobiliário.

Ainda em sede preliminar, conforme nota devolutiva de fls. 103, a recusa ocorreu por quatro motivos: 1) ofensa à continuidade; 2) falta de qualificação completa do executado Luiz Geraldo Arruda; 3) não recolhimento de ITBI; e 4) ausência de CNPJ/MF do exequente, Condomínio Edifício Paquetá.

Nota-se que houve resignação parcial em relação à nota. Com efeito, embora os itens nº 2 e 4 tenham sido superados pelo aditamento da carta de arrematação (fls. 102), a qual, repita-se, foi apresentada em cópia, o não recolhimento do ITBI (item nº 3) não foi impugnado pelo apelante.

No próprio recurso, aliás, o apelante se dispôs a recolher o tributo exigido pelo registrador (fls. 141).

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro.  Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, seja pela resignação parcial, seja pela juntada do título em cópia, a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, cumpridas as exigências não impugnadas, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame da exigência impugnada e da que contou com a concordância do suscitante.

Consoante certidão da matrícula nº 9.996 do Registro de Imóveis de Praia Grande, o apartamento nº 12 do Bloco A do Edifício Paquetá é de propriedade de Maria Luiza de Magalhães Gouvea, que o deu em hipoteca a Caixa Econômica do Estado de São Paulo S/A – CEESP (fls. 123).

De acordo com o título judicial apresentado (fls. 9/102), na fase de execução de ação de cobrança de condomínio, o apelante arrematou os direitos que o executado Luiz Geraldo Arruda tinha sobre o imóvel matriculado sob nº 9.996 (fls. 95).

Resta nítido que o registro é inviável, uma vez que o extitular dos direitos adquiridos pelo apelante, no caso, o executado Luiz Geraldo Arruda, não é sequer mencionado na matrícula do bem.

Aplica-se à hipótese o artigo 195 da Lei nº 6.015/73:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Ora, se o imóvel permanece em nome de Maria Luiza de Magalhães Gouvea (fls. 123), é imprescindível que, antes do ingresso no fólio real da carta de arrematação copiada a fls. 9/102, haja o registro do título que dá ao executado algum direito sobre o bem.

Só assim preservar-se-á a continuidade registral.

Em caso idêntico, manifestou-se recentemente este Conselho Superior:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Arrematação dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda – Inexistência de registro desse direito no Registro de Imóveis – Executado que não figura como titular de qualquer direito na matrícula – Arrematação de direitos à aquisição da propriedade que não se confunde com aquisição de domínio – Recurso não provido” (Apelação nº 9000001-46.2013.8.26.0624, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 10/12/2013).

A exigência relativa ao recolhimento do ITBI, aceita pelo apelante (fls. 141), também deve ser mantida.

Isso porque a necessidade de recolhimento de ITBI no ato de arrematação decorre do § 2º do artigo 901 do Código de Processo Civil, que dispõe que “A carta de arrematação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula ou individuação e aos seus registros, a cópia do auto de arrematação e a prova de pagamento do imposto de transmissão, além da indicação da existência de eventual ônus real ou gravame”. No mesmo sentido o inciso III do artigo 703 do CPC anterior [1].

E é conhecido o dever que o registrador possui de fiscalizar o recolhimento dos tributos decorrentes dos atos praticados na serventia (cf. artigo 30, XI, da Lei nº 8.935/94 e artigo 134, VI, do CTN).

Admitindo a necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI para o registro da cessão dos direitos relativos à aquisição de imóvel, precedente deste Conselho, em acórdão de minha relatoria.

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido” (Apelação nº 1123982-06.2015.8.26.0100, j. em 18/10/2016).

Ainda que tenha constado em voto recente de minha relatoria a tese contrária (apelação nº 0022843-24.2015.8.26.0554), afirma-se aqui a possibilidade de que lei municipal preveja a incidência do ITBI nas cessões do direito do promitente comprador. O artigo 156, II, da Constituição Federal, que traça o âmbito de abrangência do tributo, claramente refere-se à cessão dos direitos de aquisição de imóvel como uma de suas hipóteses de incidência:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição(grifei).

No mesmo sentido precedente da Seção de Direito Público deste Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA ITBI – Sentença que concedeu a segurança para fins de impedir a cobrança de ITBI sobre a cessão de direitos de aquisição de bem imóvel – Descabimento –  Hipótese em que mencionada cessão constitui fato gerador do ITBI por força da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e da legislação municipal – Inaplicabilidade da isenção reservada às integralizações de capital social, uma vez que a atividade preponderante da adquirente é a compra, venda, locação e incorporação de bens imóveis – Sentença reformada – Segurança denegada – Recurso provido” (Apelação nº 0001948-52.2014.8.26.0562, Rel. Des. Mônica Serrano, j. em 10/3/2016).

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0009216-87.2015.8.26.0477 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 46.268 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou apósafirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, pernaturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regrastécnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniammeu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Art. 703. A carta de arrematação conterá:

(…)

III – a prova de quitação do imposto de transmissão. 

(DJe de 28.04.2017 – SP)