STJ: Recurso Especial – Civil – Ação de rescisão contratual – Restituição de valores – Cumprimento de sentença – Acordo judicial – Pagamento em prestações – Atraso – Cláusula penal – Inadimplemento de pequena monta – Pagamento parcial – Redução obrigatória – Pacta sunt servanda – Art. 413 do CC/02 – Avaliação equitativa – Critérios – Peculiaridades.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.131 – SP (2016/0281861-9)

RELATORA:  MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE   : CD E DB COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LIMITADAS

ADVOGADOS: JOÃO TRANCHESI JUNIOR – SP058730

JOSÉ PAULO MOUTINHO FILHO  – SP058739 RÍZIA SANTOS DE PAULA E OUTRO(S) – SP225515

RECORRIDO: VILELLA & FARIAS VEÍCULOS MULTIMARCAS LTDA.

ADVOGADO: OMAR ISSAM MOURAD E OUTRO(S) – SP247982

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ACORDO JUDICIAL. PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES. ATRASO. CLÁUSULA PENAL. INADIMPLEMENTO DE PEQUENA MONTA. PAGAMENTO PARCIAL. REDUÇÃO OBRIGATÓRIA. PACTA SUNT SERVANDA. ART. 413 DO CC/02. AVALIAÇÃO EQUITATIVA. CRITÉRIOS. PECULIARIDADES.

1. Cinge-se a controvérsia a determinar se: a) é um dever ou uma faculdade a redução da cláusula penal pelo juiz, na hipótese de pagamento parcial, conforme previsão do art. 413 do CC/02; b) é possível e com qual critério deve ocorrer a redução do valor da multa na hipótese concreta.

2. O valor estabelecido a título de multa contratual representa, em essência, a um só tempo, a medida de coerção ao adimplemento do devedor e a estimativa preliminar dos prejuízos sofridos com o inadimplemento ou com a mora.

3. No atual Código Civil, o abrandamento do valor da cláusula penal em caso de adimplemento parcial é norma cogente e de ordem pública, consistindo em dever do juiz e direito do devedor a aplicação dos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, os quais convivem harmonicamente com a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda.

4. A redução da cláusula penal é, no adimplemento parcial, realizada por avaliação equitativa do juiz, a qual relaciona-se à averiguação proporcional da utilidade ou vantagem que o pagamento, ainda que imperfeito, tenha oferecido ao credor, ao grau de culpa do devedor, a sua situação econômica e ao montante adimplido, além de outros parâmetros, que não implicam, todavia, necessariamente, uma correspondência exata e matemática entre o grau de inexecução e o de abrandamento da multa.

5. Considerando, assim, que não há necessidade de correspondência exata entre a redução e o quantitativo da mora, que a avença foi firmada entre pessoas jurídicas – não tendo, por esse motivo, ficado evidenciado qualquer desequilíbrio de forças entre as contratantes –, que houve pequeno atraso no pagamento de duas prestações e que o adimplemento foi realizado de boa-fé pela recorrente, considera-se, diante das peculiaridades da hipótese concreta, equitativo e proporcional que o valor da multa penal seja reduzido para 0,5% do valor de cada parcela em atraso.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 16 de fevereiro de 2017(Data do Julgamento)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.131 – SP (2016/0281861-9) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: CD E DB COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LIMITADA

ADVOGADOS: JOÃO TRANCHESI JUNIOR – SP058730

JOSÉ PAULO MOUTINHO FILHO – SP058739 RÍZIA SANTOS DE PAULA E OUTRO(S) – SP225515

RECORRIDO: VILELLA & FARIAS VEÍCULOS MULTIMARCAS LTDA.

ADVOGADO:  OMAR ISSAM MOURAD E OUTRO(S) – SP247982

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por CD E DB COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LIMITADA, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Recurso especial interposto em: 16/02/2016.

Atribuição ao Gabinete em: 09/12/2016.

Ação: de rescisão contratual cumulada com devolução de valores, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por VILELLA & FARIAS VEÍCULOS MULTIMARCAS LTDA em face da recorrente, no qual foi firmado acordo entre as partes para a extinção do processo, com o pagamento dos valores devidos pela recorrente à recorrida em quatro parcelas, e no qual foi estabelecida cláusula penal moratória de 30% sobre o valor total da avença.

Decisão: reconheceu ser devida a multa de 30% estipulada na cláusula penal, no valor de R$ 126.000,00 (cento e vinte e seis mil reais), determinando a intimação da recorrente para o pagamento voluntário da dívida, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 475-J do CPC/73.

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente, sob o fundamento de que não haveria possibilidade de redução da multa, pois deveriam prevalecer as condições contratuais celebradas pelas partes.

Recurso especial: alega violação dos arts. 413 e 884 do CC/02, além de dissídio jurisprudencial. Afirma que o art. 413 do CC/02 impõe ao magistrado, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a redução equitativa da cláusula penal, de acordo com a extensão do inadimplemento. Sustenta que a manutenção da cláusula penal no montante contratado, a despeito do inadimplemento ter sido mínimo, com apenas poucos dias de atraso, possibilita o enriquecimento ilícito da recorrida.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.131 – SP (2016/0281861-9) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE   : CD E DB COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LIMITADA

ADVOGADOS: JOÃO TRANCHESI JUNIOR  – SP058730

JOSÉ PAULO MOUTINHO FILHO – SP058739 RÍZIA SANTOS DE PAULA E OUTRO(S) – SP225515

RECORRIDO: VILELLA & FARIAS VEÍCULOS MULTIMARCAS LTDA.

ADVOGADO: OMAR ISSAM MOURAD E OUTRO(S) – SP247982

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a determinar se: a) é um dever ou uma faculdade a redução da cláusula penal pelo juiz, na hipótese de pagamento parcial, conforme previsão do art. 413 do CC/02; b) é possível e com qual critério deve ocorrer a redução do valor da multa na hipótese concreta.

I – Da cláusula penal e seu objeto

Considerando que, em regra, o descumprimento contratual gera o dever de indenizar, abrem-se aos contratantes, durante a fase pré-contratual, duas possibilidades: averiguar o efetivo prejuízo sofrido posteriormente ao inadimplemento, ou estabelecer, previa e estimativamente, o valor da indenização, com a fixação da cláusula penal ou multa contratual. Mas, a cláusula penal é um pacto acessório que, quando previsto, além de atenuar ou o atraso ou o descumprimento total ou parcial de uma prestação contratual, também tem a função de evitá-los.

A atenuação dos prejuízos causados pela mora ou pela inexecução da obrigação se dá pela estimativa, desde logo, de maneira prévia, das perdas e danos decorrentes do parcial ou completo inadimplemento, evitando a discussão sobre o tema na via jurisdicional. O impedimento, por sua vez, pelo reforço da obrigação assumida, porquanto a previsão da cláusula penal representa um meio de coerção a seu cumprimento.

O valor estabelecido a título de multa contratual representa, desse modo, em essência, a um só tempo, a medida de coerção ao adimplemento do devedor e a estimativa preliminar dos prejuízos sofridos com o inadimplemento ou com a mora.

II – Da natureza jurídica e do alcance da previsão do art. 413 do CC/02

O Código Civil revogado previa, e o em vigor prevê, a possibilidade de redução do valor da pena convencional, respectivamente, nos arts. 924 do CC/16 e 413 do CC/02.

Enquanto na vigência do ordenamento civil anterior a redução da multa contratual era uma faculdade do magistrado – o que era justificado pela utilização da expressão “poderá o juiz” e pela valorização da autonomia da vontade, característica marcante de referida legislação –, no atual Código o abrandamento do valor da cláusula penal é norma cogente e de ordem pública, consistindo em dever do juiz e direito do devedor que lhe sejam aplicados os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.

A jurisprudência do STJ corrobora esse entendimento, ao afirmar que “a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio dos contratantes, já que o ordenamento jurídico prevê  normas  imperativas  e cogentes ” (REsp 1520327/SP, Quarta Turma, DJe de 27/05/2016), como é o caso do art. 413 do CC/02, que “impõe ao juiz o dever de reduzir equitativamente a cláusula penal na hipótese de cumprimento parcial da obrigação ” (AgRg no AREsp 592.075/RJ, Terceira Turma, DJe de 17/03/2015).

Essa coercitiva intervenção judicial não contraria, entretanto, os princípios da autonomia da vontade, da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos.

Esses princípios, típicos da teoria liberalista do Direito Contratual, passam a ter novo significado e novos limites em decorrência da interpretação constitucional do Direito Privado, que, ao mitigar “seus contornos até então inflexíveis”, os faz conviver harmonicamente com os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, agora positivados nos arts. 421 e 422 do CC/02.

De fato, o STJ adota essa orientação, ao afirmar, de acordo com o  voto proferido pelo e. Min. Ruy Rosado de Aguiar nos autos do REsp 45.666/SP, que “os princípios fundamentais que regem os contratos deslocaram seu eixo do dogma da autonomia da vontade e do seu corolário da obrigatoriedade das cláusulas, para considerar que a eficácia dos contratos decorre da lei, a qual os sanciona porque são úteis, com a condição de serem justos ”, razão pela qual “o primado não é da vontade, é da justiça ” (REsp 45.666/SP, Quarta Turma, DJ 05/09/1994).

A redução do valor da multa na hipótese de pagamento parcial, portanto, respeita o dever de equilíbrio e igualdade entre as partes contratantes, e assegura que as prestações sejam justas e proporcionais, restringindo o caráter absoluto dos princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda, os quais, todavia, impedem que, mesmo com o inadimplemento de pequena monta, seja afastada de forma completa a incidência da cláusula penal.

III – Do critério para a redução equitativa do valor da cláusula penal

A redução do valor da cláusula penal, de acordo com o art. 413 do CC/02, deve ocorrer mediante apreciação equitativa do juiz.

A respeito do tema, a jurisprudência do STJ orienta que não há uma relação de proporcionalidade matemática exata entre o grau de inexecução da prestação e o de redução do valor da cláusula penal (REsp 1.186.789/RJ, Quarta Turma, DJe 13/05/2014).

A avaliação equitativa deve, assim, ter em conta o grau de culpa do devedor, a sua situação econômica e o montante adimplido, entre outros parâmetros, tais como a avaliação proporcional da utilidade ou vantagem que o pagamento, ainda que imperfeito ou incompleto, tenha oferecido ao credor e, ainda, a existência de desequilíbrio de forças entre as partes, o qual pode ter determinado a fixação do valor da multa em patamar descompassado com o objetivo da cláusula penal.

IV – Da possibilidade de redução da multa contratual na presente hipótese

Conforme a moldura fática delimitada pelo acórdão, a recorrente não adimpliu com todas as prestações contratadas no prazo assinalado.

De fato, cumpriu com a terceira parcela com atraso de 3 (três) dias corridos e 1 (um) dia útil, pois seu vencimento ocorreria em 05/06/2015 (sexta-feira) e o pagamento somente foi efetivado em 08/06/2015 (segunda-feira) (e-STJ, fl. 87).

Por sua vez, a quarta parcela também foi paga com atraso de 2 (dois) dias corridos e 1 (um) dia útil, pois o vencimento se daria em 05/07/2015 (domingo) e o pagamento ocorreu em 07/07/2015 (terça-feira) (e-STJ, fl. 87).

Impõe-se, assim, a aplicação ao valor da cláusula penal dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. Isso porque o pagamento, ainda que parcial, produziu benefícios ao credor, uma vez que as prestações principais, embora pagas com pequeno atraso, foram adimplidas em sua integralidade, sendo ínfimo o grau de culpa do devedor, dado que pagou com impontualidade a terceira e a quarta das prestações avençadas, respectivamente, 3 (três) e 2 (dois) dias corridos após o vencimento de seu termo, mas, em ambos os casos, com 1 (um) dia útil de atraso.

Desse   modo,  considerando que não há necessidade de correspondência exata entre a redução da cláusula penal e o quantitativo da mora, que a avença foi firmada entre pessoas jurídicas – não tendo, por esse motivo, ficado evidenciado qualquer desequilíbrio de forças entre os contratantes –, que houve diminuto atraso no pagamento de duas prestações e que o adimplemento foi realizado de boa-fé pela recorrente, considera-se desproporcional o percentual original da cláusula penal, fixado em 30% do valor total  do  contrato,  sendo, assim, diante das peculiaridades da hipótese concreta, equitativo  e proporcional que o valor da multa contratual seja reduzido para 0,5% do valor da parcela em atraso para ambas as violações ao adimplemento.

V – Dispositivo

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reduzir o valor da cláusula penal a 0,5% do valor de cada prestação em mora.

No que concerne à sucumbência, em razão da peculiaridade da hipótese concreta, cada parte arcará com os honorários do seu advogado.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2016/0281861-9   PROCESSO ELETRÔNICO   Resp. 1.641.131 / SP

Números Origem:  01577785220088260002  20160000015658  22550411220158260000

PAUTA: 16/02/2017   JULGADO: 16/02/2017

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. LINDÔRA MARIA ARAÚJO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE   : CD E DB COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LIMITADA

ADVOGADOS: JOÃO TRANCHESI JUNIOR – SP058730

JOSÉ PAULO MOUTINHO FILHO – SP058739 RÍZIA SANTOS DE PAULA E OUTRO(S) – SP225515

RECORRIDO: VILELLA & FARIAS VEÍCULOS MULTIMARCAS LTDA.

ADVOGADO: OMAR ISSAM MOURAD E OUTRO(S) – SP247982

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Coisas – Propriedade

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.