CSM|SP: Registro de Imóveis – Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra – Imóveis Rurais – Venda dos imóveis em sua totalidade – Circunstância que abranda o princípio da especialidade – CCIR – Apresentação necessária – Dispensa da exibição de CNDs e declaração de ITR (item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ) – Registro junto ao CAR, com averbação do número de inscrição – Comprovação de representação das partes do contrato – Dúvida prejudicada, em face da não impugnação de todas as exigências – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0057505-51.2014.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que são partes é apelante FRANSA INCORPORADORA LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso. Vencido o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, SALLES ABREU E RICARDO DIP.

São Paulo, 21 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0057505-51.2014.8.26.0068

Apelante: Fransa Incorporadora Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 29.240

REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra – Imóveis Rurais – Venda dos imóveis em sua totalidade – Circunstância que abranda o princípio da especialidade – CCIR – Apresentação necessária – Dispensa da exibição de CNDs e declaração de ITR (item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ) – Registro junto ao CAR, com averbação do número de inscrição – Comprovação de representação das partes do contrato – Dúvida prejudicada, em face da não impugnação de todas as exigências – Recurso não conhecido.

Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente dúvida, impedindo o registro de instrumento particular de compromisso de venda e compra.

As exigências foram as seguintes: as descrições dos imóveis rurais – compromissados são anacrônicas, imprecisas e, por isso, é necessária prévia retificação; é necessária a apresentação do CCIR; é necessária a comprovação de pagamento do ITR; deve ser averbada a reserva legal; deve-se juntar o contrato social das partes, para verificação de sua representação no negócio.

A sentença considerou corretas todas as exigências.

Em seu recurso, a apelante alega a nulidade da notificação para responder à duvida e, no mérito, limita-se a defender a finalidade urbana do imóvel.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do recurso ou, caso contrário, pelo desprovimento.

É o relatório.

O recurso não deve ser conhecido, pois a dúvida está prejudicada, em face da concordância parcial quanto às exigências.

A concordância parcial prejudica o pedido, que só admite duas soluções: a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o documento pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências e não apenas parte delas sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior.

Contudo, muito embora prejudicada a dúvida, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, cumpridas as exigências não impugnadas, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de exame de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Não há de se falar em nulidade da notificação, seja porque enviada ao endereço de que dispunha o Oficial, seja porque à apelante se facultou o pleno exercício do contraditório, nesse procedimento de cunho administrativo, em grau de recurso. Não fosse apenas isso, as exigências foram todas analisadas pela sentença, não se aplicando efeitos similares ao da revelia, por força do disposto no art. 199 da Lei de Registros Públicos.

Passa-se ao exame do caso.

A primeira exigência não se justifica. Tem-se admitido a mitigação da especialidade objetiva, a fim de não obstar o tráfego de transações envolvendo imóveis, permitindo-se a manutenção de descrições imprecisas, constantes de antigas transcrições, quando da abertura da matrícula, desde que haja elementos mínimos para se determinar a situação do imóvel, e que ele seja transmitido ou onerado por inteiro, ou seja, contanto que a nova matriz a ser aberta o abranja por completo.

Esse entendimento tem sido prestigiado e até ampliado pelo CSM e pela Corregedoria Geral da Justiça, podendo-se citar a Apelação Cível nº 9000002-16.2011.8.26.0296, em que o CSM admitiu o registro mesmo no caso em que a descrição deficiente constava da matrícula e não de transcrição. O que importa é que a descrição do título, ainda que precária, coincida com a do registro de imóveis:

“Conforme Narciso Orlandi Neto, “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior”: e não é essa a situação enfrentada.

Com efeito, e tal como se dá na hipótese versada nos autos, é suficiente, sob o prisma do princípio da especialidade objetiva, “que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro.”

A segunda exigência é justificável. A necessidade de apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) expedido pelo INCRA, previsto no Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/1964 [1]), não é nova: consta do art. 22 da Lei n.º 4.947/1966 e, mais recentemente, do art. 1.º do Decreto n.º 4.449/2002, que regulamentou a Lei n.º 10.267/2001, diploma legal que, entre outras, promoveu alterações no art. 176 da Lei n.º 6.015/1973 para fazer constar a necessidade da identificação do imóvel rural contemplar seu código e os dados constantes do CCIR.

Ao contrário do que afirma a apelante, o imóvel é rural, conforme as averbações n. 5 das matrículas. Ao procedimento de dúvida, importa o que consta da matrícula e não a interpretação que a apelante faça da Lei de Zoneamento Municipal. Também não seria viável, nos estritos limites desse procedimento administrativo, fazer prova e, de mais a mais, ela não foi feita da destinação dada, concretamente, ao imóvel.

A terceira exigência não é pertinente. Não se justifica, por variadas e diferentes causas, a exibição de CNDs ou a comprovação de pagamento de impostos, como o ITR.

A confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, desvinculada da inscrição visada e contrária à eficiência e segurança jurídica ínsitas ao sistema registral, forçar, constranger o contribuinte ao pagamento de tributos [2].

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, à qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral intencionado.

Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que e isto é essencial não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.” [3]

Na mesma direção, sob inspiração desses precedentes, escudado no ideal de protetividade dos direitos do contribuinte, na eficácia e na função bloqueadora próprios do princípio do devido processo legal [4], segue o subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ, consoante o qual, “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Com essas considerações, suficientes para afastar, in concreto, toda e qualquer exigência ligada à comprovação de pagamento ou de inexistência de débitos fiscais desatrelados do registro idealizado, é oportuno, em acréscimo, e particularmente quanto ao ITR (imposto sobre propriedade territorial rural), tendo em vista o comando emergente do art. 21, caput, da Lei n.º 9.393/1966 [5], realçar, à luz do acima argumentado, a desnecessidade de comprovação de seu pagamento, a ser fiscalizado e perseguido pela União, pela Fazenda Pública Federal ou, nos termos do art. 153, § 4.º, III, da CF [6], pelos Municípios. Dela (a comprovação), portanto, independe o registro.

A quarta exigência deve ser entendida conforme recente orientação da Corregedoria Geral da Justiça.

Na esteira do Provimento 09/2016, a reserva legal deve ser inscrita perante o CAR Cadastro Ambiental Rural -, por intermédio do SICARSP, averbando-se, na matrícula, o número de inscrição.

Por fim, a quinta exigência é correta. Dada a necessidade de segurança inerente exame do negócio jurídico levado, pelo seu instrumento, a registro, cabe ao Oficial exigir a apresentação do contrato social das partes, para verificação de sua representação.

Ante o exposto, pelo meu voto, julgo prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0057505-51.2014.8.26.0068 SEMA

Dúvida de registro

VOTO (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto proferido pelo eminente Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, e cum magna reverentia ao Des. MANOEL, que é das mais lúcidas inteligências de nosso Tribunal de Justiça, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Cf. art. 46.

[2] A respeito da proscrição das sanções políticas, cf. Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário. 32.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 509-511.

[3] Sistema constitucional tributário. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.

[4] A propósito dessa estrutura do princípio do devido processual legal, cf. Humberto Ávila, op. cit., p. 173-176.

[5] Art. 21. É obrigatória a comprovação do pagamento do ITR, referente aos cinco últimos exercícios, para serem praticados quaisquer dos atos previstos nos arts. 167 e 168 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), observada a ressalva prevista no caput do artigo anterior, in fine.

[6] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

VI propriedade territorial rural;

§ 4.º O imposto previsto no inciso VI do caput:

III será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

(DJe de 02.12.2016 – SP)