TJ|SP: Embargos de terceiro – Embargantes que adquiriram imóvel que foi vendido pelo companheiro na constância da união estável – Irresignação da apelante, companheira do alienante – Outorga uxória.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2016.0000076305

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0008958-59.2013.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante MARIA DE FATIMA SANTOS DIAS, são apelados FRANCIELE DE FATIMA SANTANA (E OUTROS (AS)), RAFAEL SANTANA e PATRICIA DE FATIMA SANTANA ALVES.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.” , de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ELCIO TRUJILLO (Presidente) e JOÃO CARLOS SALETTI.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2016.

CARLOS ALBERTO GARBI

RELATOR

VOTO Nº 21.338

Apelação nº 0008958-59.2013.8.26.0344

Comarca: Marília (2ª Vara da Família e das Sucessões – Res. 361/07)

Apelante: Maria de Fatima Santos Dias

Apelados: Franciele de Fatima Santana, Rafael Santana e Patrícia de Fatima Santana Alves

EMBARGOS DE TERCEIRO. EMBARGANTES QUE ADQUIRIRAM IMÓVEL QUE FOI VENDIDO PELO COMPANHEIRO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. IRRESIGNAÇÃO DA APELANTE, COMPANHEIRA DO ALIENANTE. OUTORGA UXÓRIA. A questão se refere à nulidade da alienação de imóvel, vendido aos embargantes, no período de convivência com a embargada, sem o consentimento dela. Quando o bem foi transmitido aos embargantes, filhos do companheiro da embargada, sabiam eles da união estável mantida pelo genitor e que a meação do imóvel deveria ser resguardada à embargada. Por isso, não se pode afirmar que seriam os embargantes adquirentes de boa-fé. Ao que tudo indica, tinham a intenção de preterir a embargada na partilha dos bens após o fim da união estável e, nessas condições, não se pode reconhecer como válido o negócio jurídico. Recurso provido para julgar improcedentes os embargos.

Recorreu a embargada da sentença, proferida pelo Doutor Rodrigo Otávio Machado de Melo, que julgou procedentes os embargos de terceiro para declarar válido o negócio jurídico de compra e venda do imóvel cadastrado na matrícula 37.480 de propriedade dos embargantes, excluindo-o da partilha requerida no processo nº 344.01.2012.017774-2, e determinar a reintegração de posse pelos embargantes. Sustentou que viveu em união estável com Carlos Sergio Santana, genitor dos embargantes. Afirmou que o imóvel, objeto da lide, foi adquirido na constância da união estável e vendido também na constância da união estável, de forma que fraudulenta a venda realizada aos embargantes com o intuito de afastar o bem da partilha. Alegou que a venda se realizou sem a sua anuência. Afirmou que tem direito à metade do valor atual de mercado do imóvel. Pediu a reforma da sentença para que o pedido seja julgado improcedente, bem como a revogação dos benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos aos embargantes.

Os embargantes responderam ao recurso. Sustentaram que ao tempo da aquisição do imóvel por seu genitor a embargada não vivia em união estável com ele, o que se deu somente em 2005. Pediram a manutenção da sentença.

É o relatório.

A embargada ingressou com ação de reconhecimento de união estável pretendendo ver reconhecida a união estável mantida com Carlos Sérgio Santana, genitor dos embargantes, pelo período de janeiro de 1999 a junho de 2012. Sustentou que adquiriu, em 25 de julho de 1999, juntamente com seu companheiro, o lote 07, quadra L, localizado no Jardim Sassazaki. Afirmou que o lote foi vendido na constância da união estável aos embargantes como forma de fraudar a partilha de bens, de modo que deve ser reconhecido seu direito à meação do bem.

Os embargantes ofereceram embargos de terceiro em face da embargada. Sustentaram que o referido lote lhes pertence, tendo inclusive realizado acordo para a quitação do imóvel. Afirmaram que restou caracterizado o esbulho da embargada no momento em que foi determinado o afastamento do seu genitor do lar dos companheiros (fls. 80/84). Alegaram que ao tempo da aquisição do imóvel por seu genitor a embargada não residia com ele, o que ocorreu somente em 2005. Pediram a declaração de validade das escrituras públicas de compra e venda do lote, mantendo-se a propriedade do bem em seu favor.

A sentença julgou procedentes os embargos (fls. 274/275).

A questão se refere à alegada nulidade da alienação de imóvel, vendido pelo companheiro aos seus filhos, ora embargantes, no período de convivência com a embargada, sem o consentimento dela.

No caso em análise é incontroversa a existência da união estável entre a embargada e o genitor dos embargantes, no período de janeiro de 1999 até junho de 2012, não havendo que se falar em qualquer questionamento acerca da existência da união estável entre ambos. Aliás, essa circunstância foi confirmada pela sentença proferida nos autos nº 0017774-64.2012.8.26.0344 (fls. 286/288).

Os documentos de fls. 45/49 comprovam que o lote foi vendido aos embargantes em 08.11.2010, portanto, na constância da união estável.

A embargada sustenta que houve fraude no negócio realizado entre os embargantes e seu companheiro em razão da falta de sua anuência.

A despeito de a embargada ter direito à meação do imóvel em decorrência da união estável mantida com o genitor dos embargantes (art. 1658, CC), é certo que, em princípio, não teria incidência ao caso o disposto no art. 1647, I, do Código Civil, que prevê a necessidade de outorga uxória do cônjuge para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. Assim, em princípio, a alienação do companheiro aos seus filhos seria válida e eficaz, ainda que não tivesse contado com a anuência da embargada.

Contudo, quando o bem foi transmitido aos embargantes, filhos do companheiro da embargada, sabiam eles da existência da união estável mantida pelo genitor e que a meação do imóvel deveria ser resguardada à embargada. Por isso, não se pode afirmar que seriam os embargantes adquirentes de boa-fé. Ao que tudo indica, tinham a intenção de preterir a embargada na partilha do imóvel após o fim da união estável e, nessas condições não se pode reconhecer como válido o negócio jurídico perante ela.

Tem incidência no caso dos autos o princípio da boa-fé objetiva. NELSON ROSENVALD explica que “De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros de honestidade e retidão. Por isso, a boa-fé é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social. O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do direito das obrigações, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual mais não é que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito negocial” (Código Civil Comentado, coord. CEZAR PELUSO, 6ª ed., Ed. Manole, p. 488/489 – grifei).

A boa-fé objetiva é um padrão de comportamento dos contratantes, que gera deveres laterais, anexos, instrumentais ou acessórios dos contratos e deve estar presente antes, durante e depois da sua execução. Assim já se entendida mesmo antes do advento do Código Civil de 2002, que a positivou no preceito do atual art. 422.

A afastar definitivamente a boa-fé dos embargantes está a falta de comprovação do pagamento das prestações do financiamento do imóvel. Afirmaram os embargantes que, por ocasião da prova oral, pretendiam ouvir representantes da incorporadora (fls. 189). Contudo, não se empenharam na produção desta prova e, por isso, também neste ponto, não se reconhece a boa-fé deles, pois não comprovaram o pagamento das prestações necessárias à quitação do bem. Diante da falta de prova de que os embargantes fizeram qualquer pagamento pelo imóvel, se evidencia a fraude já indicada pelo fato de que a alienação ocorreu em plena vigência da união estável que não poderia seguramente ser ignorada pelos embargantes.

Assim, ausente a boa-fé dos embargantes, e considerando-se que o imóvel alienado integrou o acervo patrimonial dos conviventes, não se pode reconhecer o negócio jurídico como válido perante a embargada, que, portanto, diante da fraude verificada na alienação, poderia retomar a posse do imóvel, como efetivamente ocorreu por ocasião do fim da união estável.

Não se conhece o pedido de revogação dos benefícios da justiça gratuita, em razão da inadequação da via eleita. É que a via processual adequada para se requerer a revogação dos benefícios da justiça gratuita é o incidente de impugnação, conforme disposição dos arts. 4º, § 2º, 6º, 7º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/50, sob pena de violação do princípio do devido processo legal. Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal:

“PEDIDO DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDO À RÉ, PLEITEADA EM SEDE DE APELO. MEIO INADEQUADO PARA REVISÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO. DESCABIMENTO. ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 1.060/50” (Ap. n. 9142893-17.2007.8.26.0000, rel. Des. AMORIM CANTUÁRIA, j. 15/02/2011).

“REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE JUDICIAL. Via inadequada. A impugnação à concessão do benefício da justiça gratuita demanda procedimento próprio (Arts. 6º e 7º da Lei nº 1.060/50)” (Ap. n. 0044736- 94.2009.8.26.0000, rel. Des. HUGO CREPALDI, dj. 19.09.2012).

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar improcedentes os embargos de terceiro para confirmar a retomada da posse do imóvel pela embargada em razão da separação de seu companheiro, imóvel que deverá ser partilhado diante da nulidade do negócio jurídico, ora reconhecida.

CARLOS ALBERTO GARBI

relator