CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Registro de escritura pública de doação de 50% do imóvel – Possibilidade – Dúvida julgada improcedente – Apelação, porém, quanto à fundamentação – Falta de interesse – Exame, no entanto, da questão, como forma de evitar futura Dúvida – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1085808-25.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante CEZILIA DAS DORES CORDEIRO PARDAL, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 21 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1085808-25.2015.8.26.0100

Apelante: Cezilia das Dores Cordeiro Pardal

Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

VOTO Nº 29.195

Registro de Imóveis – Dúvida – Registro de escritura pública de doação de 50% do imóvel – Possibilidade – Dúvida julgada improcedente – Apelação, porém, quanto à fundamentação – Falta de interesse – Exame, no entanto, da questão, como forma de evitar futura Dúvida – Recurso não conhecido.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada em face da negativa de registro de escritura pública de doação.

A negativa deveu-se ao fato de que a doadora era casada a existência do casamento foi averbada na matrícula – e, não obstante a escritura fazer menção ao óbito do cônjuge, não foi registrado formal de partilha. Embora se tenha adotado o regime obrigatório da separação de bens, o Oficial entendeu que, nos termos da Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, tendo havido aquisição, por registro de carta de arrematação, na constância do casamento, o bem se comunicou ao falecido. Portanto, a escritura pública de doação não mereceu ingresso no folio real.

A recorrente alega o seguinte. Ela adquiriu o imóvel, em condomínio, com terceiros, no ano de 1965. Porém, sofreu um golpe dos demais condôminos, não tendo constado do instrumento de aquisição. Foi necessário o ajuizamento de demanda declaratória e, por sentença transitada em 1975, ela foi declarada detentora de 50% do imóvel. Posteriormente, a recorrente ajuizou outra demanda em face dos condôminos, e eles foram condenados ao pagamento de indenização por perdas e danos, referentes à metade do valor do imóvel e aos frutos alugueres advindos de seu uso.

Por isso, a recorrente entende que nenhuma parcela do imóvel comunicou-se ao falecido marido. O regime era o da separação total de bens. Metade do imóvel foi adquirida bem antes do casamento, em 1965, consoante sentença declaratória de 1975. O casamento só ocorreu em julho de 1990. E a outra metade decorre da condenação advinda da sentença acima mencionada. Foi por força da condenação dessa sentença que a recorrente arrematou o bem. Vale dizer, tendo a condenação por base direito anterior ao casamento, também não há comunicação ao cônjuge.

O juízo de primeiro grau entendeu que a doação era possível, por se referir a 50% do imóvel. Sendo incontestável que esses 50% eram de propriedade exclusiva da recorrente por direito declarado antes do casamento , não houve comunicação ao cônjuge. No entanto, consignou que os outros 50%, advindos de condenação que possibilitou a arrematação, poderiam, em tese, ter sido comunicados. Afinal, a condenação tomou por base, além de 50% do bem, os frutos advindos de seu uso. E esses frutos compreendem período posterior ao casamento, tendo havido, por isso, comunicação.

A Douta Procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não deve ser conhecido, por faltar à recorrente interesse recursal.

Com efeito, o que ela pretendeu, com a suscitação da dúvida, foi o registro do título, a escritura pública de doação.

A sentença julgou improcedente a dúvida. Ou seja, permitiu o ingresso do título. Em outras palavras, a recorrente obteve aquilo que pretendia.

Logo, não há interesse recursal, o que leva ao não conhecimento do recurso. Contudo, muito embora prejudicado o recurso, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, futuramente, caso venha a alienar a outra metade do imóvel, a interessada venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de exame de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Dito isso, tem-se que a sentença foi correta na análise da questão.

De fato, no que toca aos 50% do imóvel cuja titularidade já fora reconhecida para a recorrente muito antes do casamento por sentença transitada em julgado em 1975 , não remanesce dúvida quanto à incomunicabilidade, advinda do regime da separação obrigatória de bens.

Daí porque nem se discute a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Ora, não havendo dúvida do momento da aquisição anterior ao casamento andou bem a sentença ao permitir o ingresso da escritura, já que doados, tão somente, 50% do imóvel, exclusivos da recorrente.

Se isso é certo no que toca a esses 50%, o mesmo não se pode dizer da outra metade. A aquisição decorreu de carta de arrematação, datada de agosto de 1998 (a arrematação ocorreu em 1996), e objeto do R. 09 (fl. 54).

O que possibilitou a arrematação por conta do crédito foi a condenação dos antigos condôminos ao pagamento de indenização, composta de dois itens: indenização correspondente a metade do valor do imóvel e rendimentos, oriundos do uso exclusivo do bem. Vale dizer, equivalentes a alugueres que a recorrente deixou de receber desde o trânsito em julgado da sentença que reconheceu, a favor dela, a existência de condomínio.

É aí que repousa a questão. Na medida em que a recorrente se casou em julho de 1990 e que a sentença reconheceu o direito de receber frutos, advindos do imóvel, em julho de 1992, é evidente que ao menos parte desses frutos se refere a período da constância do casamento. Recorde-se, aliás, que a arrematação ocorreu apenas em 1996 e, diante dos termos da condenação que determinou a liquidação desse capítulo da sentença , é possível que o cálculo que antecedeu a arrematação tenha levado em conta rendimentos até posteriores à sentença (os autos não permitem essa conclusão, mas não a afastam).

Seja como for, se a arrematação decorreu, em parte, de rendimentos ou seja, frutos que deveriam ter sido percebidos em período não apenas anterior, mas, também, posterior ao casamento, não há como afastar a Súmula 377. Presume-se a comunicação dos bens adquiridos, presunção essa que não pode ser afastada na via administrativa.

Nesses termos, pelo meu voto, não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1085808-25.2015.8.26.0100

Procedência: São Paulo

Terceiro juiz: Des. Ricardo Dip (Voto 39.585)

Apelante: Cezilia das Dores Cordeiro Pardal

Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis

VOTO (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto proferido pelo eminente Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, e cum magna reverentia ao Des. MANOEL, que é das mais lúcidas inteligências de nosso Tribunal de Justiça, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público.

(DJe de 13.09.2016 – SP)