CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de compra e venda – Fração ideal de imóvel rural – Alienação em favor de múltiplos compradores que não possuem vínculo de parentesco – Indícios veementes de parcelamento irregular – Ofensa aos dispositivos que regulam o parcelamento do solo – Sujeição ao item 171, Cap. XX das Normas de Serviço – Sentença mantida – Recurso não provido.

Registro: 2016.0000402015

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0016176-62.2012.8.26.0510, da Comarca de Rio Claro, em que são partes é apelante JOSÉ ROBERTO ORTIGOSA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE RIO CLARO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0016176-62.2012.8.26.0510

Apelante: José Roberto Ortigosa

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Rio Claro

VOTO Nº 29.226

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de compra e venda – Fração ideal de imóvel rural – Alienação em favor de múltiplos compradores que não possuem vínculo de parentesco – Indícios veementes de parcelamento irregular – Ofensa aos dispositivos que regulam o parcelamento do solo – Sujeição ao item 171, Cap. XX das Normas de Serviço – Sentença mantida – Recurso não provido.

Vistos.

JOSÉ ROBERTO ORTIGOZA apelou da sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, pretendendo obter o registro da aquisição do domínio, através do ingresso da escritura pública de compra e venda outorgada pelo 1º Tabelião de Notas de Rio Claro, alegando que a alienação, embora tenha envolvido seis adquirentes distintos, não constitui operação realizada para fraudar as leis que regulamentam o parcelamento do solo.

O D. Oficial do 2º Registro de Imóveis de Rio Claro qualificou negativamente o título e, após provocação, suscitou dúvida, justificando a recusa na suspeita de parcelamento irregular pela compra e venda do imóvel rural objeto da matrícula nº 55.265 (com área total de 21.436,00 m²), com o alerta sobre a aquisição de frações ideais correspondentes a 1/6 por 06 compradores distintos, sem vínculo de parentesco, o que poderia resultar na divisão física do bem e no desmembramento em lotes individuais de 3.572,66 m², em evidente ofensa à Lei nº 6.766/79, item 171, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e às decisões normativas.

O suscitante discordou com o veto imposto ao título, alegando que (a) o parcelamento do imóvel rural constituído pelo Sítio Coqueiral, com área total de 2,146 ha, foi aprovado pelo INCRA; que (b) não houve divisão do imóvel, mesmo se considerada a pluralidade de adquirentes; que (c) as atividades pastoris e agrícolas serão desenvolvidas em conjunto e não isoladamente pelos seis compradores.

Admitiu-se a intervenção do D. Titular do 1º Tabelionato de Notas de Rio Claro, oportunizando-se a defesa da regularidade do ato notarial praticado, segundo o Tabelião, em conformidade com a liberdade de contratar, pois a alienação não envolveu frações ideais individualmente identificadas no solo, com localização, numeração e metragens próprias, não cabendo ao registrador fiscalizar a validade dos negócios jurídicos, com base em suspeitas de parcelamento (fl.78).

O D. Promotor de Justiça se manifestou pela improcedência da dúvida (fl.80).

O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações do D. Oficial do Registro de Imóveis e manteve a recusa à realização do registro, julgando procedente a dúvida (fls.82/83).

O interessado interpôs apelação, reiterando as razões anteriormente expostas, pugnando pelo levantamento do óbice registrário (fls.88/95).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl.103/109).

É o relatório.

Trata-se de apelação tirada contra sentença que, ao julgar procedente a dúvida, manteve o entrave apontado na nota de devolução (fl.10), inviabilizando o ingresso da escritura pública de compra e venda, impedindo a aquisição (art. 1.245 do CC), pelos adquirentes, das respectivas partes ideais correspondentes a 1/6 do imóvel objeto da matrícula nº 55.265, indicando-se, como fundamento principal, a proibição de parcelamento irregular do solo.

A escritura pública encartada retrata negócio jurídico translativo de direito real a envolver partes ideais adquiridas por seis compradores diferentes, o que levantou suspeita de um possível e disfarçado parcelamento irregular da área total de 21.436,00 m² (2,1436 ha), com o desmembramento em seis lotes individuais de 3.572,66 m². A venda e compra tem por objeto alienação de fração ideal (1/6) de uma parte ideal (todo) com localização e metragem certas, bastando apenas conferir a descrição objeto da matrícula.

As especificidades do caso concreto demonstram a verossimilhança da conclusão acerca do parcelamento ilegal do solo, ao arrepio da lei, através de divisão fática da coisa, como ordinariamente acontece, e pela atuação individual de cada comprador, tendo em vista a inquestionada ausência de vínculo entre si, o que é suficiente para impedir a inscrição pretendida.

E nessa trilha, é oportuno lembrar precedente do C. CSM, rel. Des. MAURÍCIO VIDIGAL, no qual acentuado que a ausência de atrelamento da fração ideal ao solo, por si só, não legitima o registro, porquanto a simples expansão de condomínio supostamente pro indiviso no tempo, sem nenhuma relação de parentesco entre os sujeitos de direito, é indicativa, segundo o que normalmente acontece, de divisão informal, sem o controle registrário. [1]

Questão semelhante foi enfrentada no âmbito desta E. Corregedoria Geral da Justiça (autos nº CG n.º 21/2003) e a controvérsia, também a envolver venda de fração ideal de imóvel rural, foi dirimida através da correta compreensão dos fatos, especialmente o risco concreto de burla à lei. No parecer, o Juiz Auxiliar da Corregedoria CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY alertou: … também irrelevante o fato de se tratar de imóvel rural. Isto porquanto, se não aplicável a Lei 6.766/79, o Dec. Lei 58/37 (art. 1º), e também o Estatuto da Terra (art. 61), complementado pelo art. 10 da Lei 4.947, ao regrar o parcelamento do imóvel rural, igualmente exigem uma série de providências acautelatórias dos adquirentes e do meio-ambiente, no caso contornadas pelo expediente de aparente instauração de condomínio civil, com vendas de partes ideais, todavia em burla à lei.

Sobre o tema, dispõe o item 171, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça: “É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis”.

Portanto, a qualificação negativa não pode ser censurada, pois o obstáculo ao ingresso do título (escritura pública) decorre do controle prévio de legalidade, de caráter eminentemente jurídico, que visa preservar o caráter cogente das normas que dispõem sobre parcelamento do solo, podendo ser citado, para contrapor ao que se diz nas razões recursais (fls.88/95), o que foi escrito pelo Des. LUIZ ELIAS TÂMBARA: “Verifica-se, por tais elementos, que o imóvel foi parcelado ao arrepio da lei de ordem pública que rege tal atividade, desmerecendo, assim, em que pesem as razões do recorrente, ingresso na matrícula a escritura pública de venda e compra da fração ideal” (Apelação Cível n° 99.607-0/0, de 10/04/2003).

Finalmente, cabe reforçar o propósito do Provimento CG nº 14/2013, por traduzir uma posição construída para permitir a intervenção, no procedimento de dúvida, do tabelião de notas que lavrou a escritura pública objeto da desqualificação registral, o que é possível de ocorrer antes da sentença. A jurisprudência administrativa reconheceu o interesse jurídico para que os notários prestem as informações necessárias ao Juízo, sobre a regularidade do título produzido em decorrência da confiança depositada pelo usuário (sistema da livre escolha) e com o fim de eliminar a pendência eficacial gerada pela ausência do registro, medida salutar visando garantir a efetiva participação deste importante protagonista, na defesa do ato notarial sujeito aos naturais questionamentos no campo da responsabilidade civil. Porém, analisando a manifestação do D. Tabelião (fl.78), fica difícil sustentar a sua incidência, especialmente se confrontada com as inúmeras decisões normativas emitidas – em casos idênticos – na busca da moralização do serviço registral.

Nestes termos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Apelação Cível n.º 990.10.512.895-5, j. 5.5.2011.

(DJe de 21.07.2016 – SP)