CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Registro de carta de adjudicação – Dúvida julgada improcedente – Impossibilidade – Aquisição por pessoa casada sob regime diverso do legal – Ausência de registro do pacto antenupcial – Necessidade de retificação do assento de casamento – Art. 244 da LRP – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0001258-61.2015.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado HILDA LINA ARAÚJO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 8 de abril de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0001258-61.2015.8.26.0344

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Hilda Lina Araújo

VOTO Nº 29.198

Registro de Imóveis – Dúvida – Registro de carta de adjudicação – Dúvida julgada improcedente – Impossibilidade – Aquisição por pessoa casada sob regime diverso do legal – Ausência de registro do pacto antenupcial – Necessidade de retificação do assento de casamento – Art. 244 da LRP – Recurso provido.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada em face da negativa de registro de carta de adjudicação.

A negativa deveu-se ao fato de que a adquirente é casada sob o regime da comunhão universal de bens, após a entrada em vigor da Lei n. 6.515/77. Cuidando-se de regime diverso do legal, seria necessária a apresentação do pacto antenupcial, lavrado por escritura pública, para seu registro no livro 3, conforme o artigo 244 da Lei de Registro Públicos.

A sentença entendeu que se tratou de evidente equívoco do Cartório de Registro Civil, ao fazer constar o regime da comunhão total, ao invés da parcial. Disse, ademais, que ambos os cônjuges estão concordes com a aquisição e que não haveria prejuízo a terceiros no registro da carta de adjudicação. Afirmou, por fim, que barrá-lo traduziria excesso de preciosismo.

O Ministério Público recorreu, alegando, em resumo, que caberia à interessada retificar ao assento de seu casamento, providência que não se mostra impossível. Retificado ao assento, ela poderia registrar a carta.

A Douta Procuradoria opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso deve ser provido.

Com efeito, não obstante a louvável intenção do juízo de primeiro grau, em facilitar o registro da carta de adjudicação, o fato é que a providência esbarra no princípio da legalidade e ignora requisito de forma, portanto, de validade.

Esbarra no princípio da legalidade, porque existe lei que determina que, tendo sido adotado regime diverso do legal, deve-se fazer o pacto antenupcial e, mais, por escritura pública.

O casamento foi celebrado em 04 de março de 1978, após a entrada em vigor da Lei 6.515/77, quando vigia o Código Civil de 1916. A redação do art. 258, dada pela Lei 6.515/77, estabelecia o regime da comunhão parcial de bens como o regime legal. Se adotado outro, estipulava o art. 256, parágrafo único, I, que seria nula a convenção se não feita por escritura pública.

Ao que consta da certidão de casamento juntada aos autos, foi adotado o regime da comunhão universal de bens (fl. 15). Regime, portanto, diverso do legal. Logo, havia necessidade de pacto antenupcial, feito por escritura pública.

O pacto não existe. Segundo a interessada, houve erro do Cartório do Registro Civil. Deveria ter constado que o regime era da comunhão parcial e não universal de bens. Assim, impossível cumprir a exigência do Oficial do Registro de Imóveis.

Ora, na verdade, não se trata de providência impossível de ser cumprida. Ao contrário. Basta que a interessada e seu cônjuge se dirijam ao Cartório de Registro Civil, solicitando a retificação do assento. O que não se mostra viável é ignorar o Código Civil, a Lei de Registros Públicos e até mesmo as NSCGJ, que estabelecem, no item 63.1 do Capítulo XX, a necessidade do registro do pacto antenupcial no Cartório de Registro de Imóveis competente.

O Oficial de Registro de Imóveis não poderia se afastar da legalidade. Na esfera registraria, o princípio da legalidade assume a função atribuída ao registrador de exercer o controle sobre os títulos que ingressam para registro na serventia imobiliária. Como destaca Narciso Orlandi Neto, “estabelece a lei, pois, um filtro de legalidade para os títulos, sujeitando-os, antes do registro, à qualificação” (ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 74).

Segundo Luiz Guilherme Loureiro, “na esfera do direito registral, o princípio da legalidade pode ser definido como aquele pelo qual se impõe que os documentos submetidos ao Registro devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam aceder à publicidade registral. Destarte, para que possam ser registrados, os títulos devem ser submetidos a um exame de qualificação por parte do registrador, que assegure sua validade e perfeição” (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 307).

Por outro lado, estabelecendo a lei requisito de forma para o pacto escritura pública, não poderia a sentença supri-la pelo consentimento dos cônjuges, sob pena de nulidade.

Cabe à interessada, portanto, retificar seu assento de casamento, para, uma vez esclarecido que foi adotado o regime legal de bens, tornar-se prescindível o pacto e, consequentemente, seu registro.

Nesses termos, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 30.05.2016 – SP)